terça-feira, 25 de julho de 2017

REALIDADE DE MARÍLIA MENDONÇA

Boa noite amigos,

Então não casa não/ por favor não casa não”, apelo de ex-namorada, em forma de refrão musical, que se ouve muito frequentemente nas rádios e especialmente nos bailes da vida. Trata-se de mais uma das composições de Marina Mendonça, uma goiana, cantora e compositora, que completou 22 anos no último dia 22 de julho. Sua voz firme de contralto, seu corpanzil de mulher aparentemente mais madura e o carisma dessa moça, que lembra a singeleza do interior ou da periferia mais pobre, preenchem qualquer palco onde regularmente se apresenta para mais de dezena de milhares de espectadores.  A maioria é de mulheres jovens, gênero a que não se resume o seu vasto público, de todas as regiões do país e que compreende pessoas de todos os sexos e idades, incluindo as crianças. É um dos novos fenômenos da música pop brasileira. O grande prestígio com o público feminino pode ser explicado pelas bandeiras que levanta nas letras de suas composições, identificadas com o perfil da mulher moderna, livre, forte, sofrida, na busca pela igualdade e independência e que não tem vergonha de falar de prazer, de sexo, de traição do companheiro, de despeito, de sofrimento[1]. De encarar até mesmo o politicamente incorreto: “Esse menino nada a ver/ E faculdade/ academia/ hora certa pra dormir. Eu bebia todo dia/ hoje eu mal posso sair/ Ele regra tudo o que vou fazer”, para completar: “Terminei com o parceiro que virava o copo/ Bebia comigo do jeito que eu gosto/ Ele que era homem de verdade/ Ai que saudade do meu ex”[2].  Há quem veja na sua postura e nas letras de suas composições uma emblemática sugestão do chamado "empoderamento feminino", expressão muito em moda para evidenciar o poder das mulheres na luta pela igualdade social e pessoal entre os gêneros.[3], espécie de versão do feminismo dos anos 60/70. Há, no seu repertório, coisas também surpreendentes: preciosidades que qualquer dos nossos poetas consagrados certamente assinaria[4]. Se existem músicas para serem ouvidas, outras dançadas e canções para serem cantadas, pode-se afirmar que a música de Marina sugere, em regra, as três coisas. Gênero: dizem os entendidos que é sertanejo. Não sei. Sou contra esse tipo de rótulo, que impõe reducionismo.  O artista, qualquer que seja a sua arte, sempre foi sinônimo de liberdade e de ausência de limites.[5] Não identifico na arte dessa jovem um único gênero, nem o chamado clássico sertanejo. A não ser que este, como de resto os demais, comporte uma infinidade de desdobramentos, como é o caso do samba, o nosso ritmo mais nacional e tradicional, e que ao longo de sua subsistência considerou multifacetados sub-gêneros, incorporando até mesmo o pagode[6]. Experimente perguntar a ela qual foi a sua influência musical. Não, não será Rio Negro e Solimões. Nem Chitaõzinho e Xororó, nem qualquer das antigas duplas caipiras. Gênero brega? Existe? Versão atual de saias do falecido Reginaldo Rossi e seu Garçon, que embalou todos os bebuns de carteirinha ou ocasionais, com dor de cotovelo? Talvez o ritmo das versões mais atuais do chamado sertanejo universitário, como Michel Teló, Paula Fernandes e que tais. A influência, segundo ela, é de Maria Gadú, Ana Carolina e Vanessa da Mata.  Sua trajetória começou muito cedo, no começo da adolescência, quando cantava em coral de igreja. Antes da estreia pessoal em 2.015, fez música para variadas duplas do mesmo gênero. Em julho de 2.016 lançou Marília Mendonça ao Vivo, seu primeiro disco, no qual se destacaram dois sucessos: Infiel  e Eu Sei de Cor, esta última canção reproduzida na faixa n. 1 do CD lançado agora em março de 2.017, gravado em Manaus e que é retumbante sucesso. Sucesso também no nordeste, onde vem cantando com regularidade, a cantora se envolveu recentemente numa polêmica com artistas da música regional,  herdeiros do som  de  Luis Gonzaga e Dominguinhos A cantora Elba Ramalho criticou a invasão do sertanejo nas festas juninas típicas do nordeste e Marília respondeu publicamente argumentando que o povo quer música  boa, como a sua, independente do gênero, alfinetando os seus críticos e gerando variados comentários, pró e contra, nas redes sociais.  De qualquer maneira, só o tempo vai dizer se a música composta e cantada por Marília Mendonça vai permanecer. E se não permanecer terá servido enquanto existir e embalar os bailes da vida de muita gente nestes tempos em que tudo é rápido e descartável e memória é coisa pra ficar guardada no Google, com finalidade utilitária. No momento o seu sucesso é incontestável e o seu público tem se mantido fiel, ao contrário dos amantes e namorados das suas composições.

Até mais amigos.

P.S. (1) O CD Realidade apresenta as seguintes canções, praticamente todas de autoria ou co-autoria de Marília, nas  19   faixas: EU SEI DE COR; A GENTE NÃO AGUENTA; TRAIÇÃO NÃO TEM PERDÃO; NEM FOI E JÁ VOLTOU; AMANTE NÃO TEM LAR; EI SAUDADE; DE QUEM É A CULPA; SAUDADE DO MEU EX; MUDOU A ESTAÇÃO; OLHA SÓ VOCÊ; SOFRENDO POR TRES; SE AME MAIS; EU NÃO SOU NOVELA; A GENTE NÃO TÁ JUNTO; POR MAIS TRES HORAS; NÃO CASA NÃO; ATÉ O TEMPO PASSA; PERTO DE VOCÊ; INFIEL;

P.S. (2) Acho que essa discussão entre os artistas do nordeste, defendendo o que julgam ser essencialmente a música popular brasileira e atacando Marília e o gênero de suas canções é uma grande estupidez, fazendo-me lembrar  o conflito entre o pessoal da MPB e da Jovem Guarda nos anos 60 e 70, que acabou superado, como se sabe. Se os artistas da música considerada pura do nordeste – e que indiscutivelmente foi e é muito boa  – não estão sendo contratados para espetáculos públicos ou privados e, eventualmente, para atuar no espaço que antes a ele se destinava, quase à exclusividade, como julgam que estariam a merecer, a questão é complexa e não pode ser debitada à conta do que consideram “invasão do sertanejo nas festas juninas do Nordeste”, nem à música e sucesso de Marília. Sequer tem lógica defenderem uma espécie de reserva de mercado, incompatível  com os anseios da geração atual de jovens. A polêmica, portanto, é desarrazoada e não tem mais lugar no mundo de hoje em que se fala em democracia, o que supõe liberdade e respeito à diversidade, seja em matéria de música, seja lá em relação a qualquer outra coisa.
  












[1] Ela própria se identifica com o título de “Musa da Sofrência” com que foi batizada pela mídia, em razão das letras de algumas de suas composições.
[2] “Que Saudade do Meu Ex”, faixa do disco Realidade, lançado no último mês de março e que e tremendo sucesso de público e crítica.
[3] Cf. www.significados.com.br.                          
[4] Em “De Quem  é a Culpa”: “Quem é você que eu não conheço mais? Me apaixonei pelo que eu inventei de você.”
[5] “Que nada nos limite, que nada nos sujeite, que nada nos defina. Que a liberdade seja nossa própria substância. “ (Simone de Beauvoir).
[6] Há sambas de raiz, sambas paulistas e cariocas, samba de roda, samba de breque, samba-canção, samba-enrêdo etc. etc. etc., cada um com sua origem, sua cultura,  suas regras, sua métrica e assim por diante.