terça-feira, 27 de dezembro de 2016

CONTO - O VELHO E O MENINO

Boa noite amigos,

Cena do belo filme francês O Velho e a Criança, de Claude
Bernier, focalizando a amizade entre um velho e um menino,

durante a Segunda Guerra Mundial. Imagem emprestada

de diarioliberdade.
Escrevi este conto, baseado em história real, vivenciada ainda recentemente, aqui em Orlando, nos Estados Unidos, onde me encontro com alguns familiares, passando férias, mas as impressões e interpretações, evidentemente, são   exclusivamente minhas.


"O olhar do velho era de encanto e ternura. O do menino, de apenas quatro anos, de interrogação e impaciência. Foi a segunda vez que repreendia o velho, lembrando-o da promessa que ele tinha feito na véspera. O velho, no entanto, não se lembrava. Não tinha mais vésperas, não tinha passado. A memória, brilhante em outros tempos, o abandonava gradativamente. Tudo era novo, de novo, a cada novo dia,  a cada hora, quiçá a cada minuto. Seu semblante, no entanto, denotava uma tranquilidade profunda. Não havia mais projetos a realizar, e o futuro, como um todo, se traduzia num imenso vazio. A inconsciência do passado, ao menos não o atormentava mais. Erros, omissões, pecados, culpa, se perdiam no buraco negro e profundo do universo. Um universo que conspirava agora contra a sua própria identidade, do que ele nem sequer suspeitava, porque tudo era novo e surpreendente, positiva ou negativamente. O menino, porém, não se importava. Rápido no raciocínio, privilegiado pela memória, reproduzindo termos de  repreensões que ele próprio ouvira, várias vezes, dos pais ou avos, sem saber exatamente o sentido deles, insistia na firme cobrança da promessa, ignorando  que era ele a única promessa entre os dois. A promessa de um adulto de futuro brilhante, se a sorte, essa condição danada e incontrolável da existência humana, lhe sorrisse. Faltava-lhe, na aurora da vida, a compreensão do tempo e sua curva, da própria vida humana como ela se apresentava na história da humanidade.  O avô do menino olhava tudo a curta distância, mas  sem interferir  no diálogo. O velho, mais velho do que o avô do menino, tinha sido - e ainda era, embora não o soubesse - um grande amigo do avô do menino. Querido amigo. O avô então se aproximou, tomou a criança em seus braços e explicou, ternamente, que o velho  não se lembra de coisas, de pessoas, muito menos de promessas feitas. Às vezes podia acontecer de não saber nem quem era ele mesmo, ou algum amigo, ou familiar querido. O menino mostrou surpresa e interesse na explicação do avô. E esperto, como era, logo  entendeu a mensagem.  O avô completou, afirmando que o menino deveria ajudá-lo, porque ele era mais jovem, mais forte e tinha uma memória muito boa. Ele explicou que as pessoas, quando já envelhecidas e atingidas por doenças, precisam ser entendidas, respeitadas e ajudadas. O garoto acreditou nas verdades que o avô disse. O avô não dizia mentiras. O avô queria, mas não podia explicar a seu neto que ele próprio pouco sabia da vida. E que repetia, nos seus discursos de formatura, aos alunos da academia, a célebre frase do escritor Jorge Luis Borges:  “não sabemos se nascemos para o conhecimento ou para o esquecimento”.  E que a vida e a morte eram enigmas que nunca foram explicados de forma a permitir apreensão pela razão humana. A cara do menino logo mudou de semblante. Em lugar de impaciência e arrogância surgiu um rosto plácido e um sorriso amistoso. E ele não cobrou mais o cumprimento da promessa. Então chegou a meia-noite e as sirenes anunciaram a chegada do ano novo.Todos se confraternizaram. E o velho e o menino, os dois extremos da vida, também brindaram um com o outro. O velho com uma taça de champanhe que lhe deram, com a ordem de ingerir apenas um gole. O menino, com um copo de leite que ele tinha escolhido, investido no seu  pleno exercício do livre e precoce arbítrio. E o amor fraterno reinou naquela sala, naquela noite, entre velhos e moços, homens e mulheres, crianças e adultos, afastando, por momentos, as diferenças, a incompreensão, o desencontro e a sensação de solidão que cada ser humano experimenta e carrega, por vezes, neste mundo."

P. S. (1) Que num futuro qualquer,  a humanidade caminhe para o respeito, a confraternização e a solidariedade de que é tão reconhecidamente carente, entre povos e pessoas,  nessas eras da chamada civilização.

P.S.  (2)    Essa é boa: "A criança diz o que faz, o velho diz o que fez e o idiota o que vai fazer."
(Barão de Itararé).

segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

ELIS - O FILME

Boa tarde amigos,

Do lado esquerdo a atriz Andrea Horta, na pele da Pimentinha.
Do lado direito, Elis Regina, capa de um de seus famosos -
discos. Imagem emprestada de Veja S.A. - Abril.com.
Escrevo de Orlando, nos Estados Unidos, onde me encontro de férias, pedindo desculpas pela falta de todas as acentuações na postagem de hoje - talvez também as próximas - pela utilização de computador americano e um teclado que desconhece cê cedilha  e acentuação ignorada pela língua inglesa. Vai lá uma avaliação pessoal de quem pouco entende tecnicamente de cinema e de outras tantas coisas nesta vida. Fala o ardoroso fã da saudosa cantora e do filme Elis, que vi na véspera de minha viagem de férias. Gostei e recomendo. Vão lá algumas considerações que acredito possam ser úteis na avaliação dos amigos interessados: "Parece que faltou algo. A gente sai do cinema com o gosto de "quero mais". Faltou Milton, faltou Gil, dois dos grandes compositores, cujas obras estariam inacabadas, ou talvez, sem o mesmo brilho, se desassociadas da Pimentinha. Sacrificar, por isso ou por aquilo, o diretor, como fazem alguns críticos, reclamando da falta de profundidade, da excessiva linearidade na narrativa dos fatos que, por isso mesmo, teriam constituído, no conjunto da obra, relato inverossímil da intensidade e relevância de cada acontecimento na carreira e na vida da cantora? Vou defendê-lo, usando o seu argumento, que ouvi numa reportagem: - como fazer a edição em uma história rica e relevante, em apenas duas horas? Bem, em "A Dama de Ferro", suposta cinebiografia, o roteiro ignora toda a trajetória politica de Margareth Tatcher, vista esta na pele e interpretação da soberba Mary Streep, para focalizar uma anciã, no ostracismo, dialogando sobre coisas domésticas, com o marido falecido. E o que dizer de Invictus, uma visão da vida do grande Mandela, vista sob a ótica exclusiva de uma equipe de rugby, que precisa ser campeã para resgatar a auto-estima do povo sul-africano?;  de Getúlio, apenas na última semana de governo e de vida, e especialmente, de Lincoln, ganhador do Oscar de Melhor Filme, metido numa jogada politica para lograr aprovar, no Legislativo, o projeto que acaba com a escravidão nos Estados Unidos. Bem, se ficam algumas queixas e eventuais omissões, sobram elogios para a magnifica intepretação de Andrea Horta, certamente o ponto mais alto da película, a justificar, só por isso, tanto o filme, quanto o ingresso que se paga para vê-lo. A jovem atriz se revela perfeita na imitação, desde detalhes, como o simples gesto de segurar o copo de whisky  ou levantar o braço direito portando o indefectível cigarro aceso,  às caras e bocas próprias da identidade da cantora e que marcaram a sua forte presença cênica e  fama de grande intérprete-atriz, ao lado de seu potencial indiscutível de voz, considerada, por isso mesmo, a maior cantora do Brasil, um dos epítetos pouco contestados, mesmo por aqueles que não gostavam dela. Há também emoção sim, a despeito da propalada linearidade, sobretudo quando surgem as canções  na voz da própria Elis e no corpo e gestual de Andrea. Uma junção que deu liga e harmonia e que, por isso mesmo,  reproduz com muita fidelidade e emociona. Não dá para ouvir parado. De Arrastão, do Festival da Canção, a Madalena, cantada para os militares por imposição do regime, ao Bêbado e a Equilibrista, que resgata a amizade de Elis com Henfil, depois do episodio em que ela acabou enterrada pelo Pasquim, tudo é feito com delicadeza, por certo infiel em relação à realidade, mas que dá ao filme, a concessão de tom necessária à ficção de obra de arte. Longe da perfeição reclamada pelos rigorosos críticos de cinema e da exigência de seus fanáticos fãs, o filme "Elis" deve ser saudado como um bom e relevante documentário parcial da vida e obra de Elis Regina Carvalho Costa, uma cantora brasileira,  que cantou e encantou milhões de pessoas e levou, com o seu canto, o lamento, o protesto, o amor, o sofrimento e a alegria de músicos e compositores. E especialmente dela e do povo que ouviu e ouve as suas canções, e rendeu  e rende homenagem à sua arte peculiar na explosão de manifestação, como peculiar, explosiva e visceral era ela."

Até mais amigos.

P.S. (1) Aos amigos e leitores revelo que no dia de hoje (06/01/2017), de volta ao meu velho computador, editei a coluna com a colocação dos acentos e cê cedilhas faltantes, daí a impertinência, de quem for ler doravante, da observação feita no começo da postagem original.


domingo, 11 de dezembro de 2016

FUTEBOL BRASILEIRO EM 2016 - ALEGRIAS E TRISTEZAS


Boa noite amigos,

Na imagem emprestada de espn.com.br. o capitão Maicon,
levanta a taça de campeão da Copa do Brasil conquistada  -
pelo Grêmio na quarta-feira, pela quinta vez. A equipe gaú-
cha é a maior ganhadora da competição. 



Com o final da Copa do Brasil no meio da semana, em jogo de volta que consagrou o Grêmio de Porto Alegre como pentacampeão  do torneio,  e a última rodada hoje do Campeonato Brasileiro da série A, o futebol brasileiro se despede do ano de 2.016, um ano que jamais será esquecido pelo luto decorrente do desastre aéreo de 28 de novembro passado, com a equipe da Chapecoense, que matou 22 atletas, acompanhantes  e jornalistas, em  viagem sem volta à Colômbia para a disputa do primeiro jogo da final da Copa Sulamericana contra o Atlético Nacional de Medellin. A tragédia, a maior envolvendo uma equipe de futebol em toda a história,  provocou comoção no mundo inteiro e  ainda repercute dentro e fora dos meios futebolísticos. As homenagens à equipe catarinense, que se espalharam pelo planeta, se verificaram também  em todos os estádios onde aconteciam jogos no dia de hoje. Homologada como campeã do torneio, cuja final jamais foi ou será jogada, por sugestão da própria equipe adversária, a Chape, como carinhosamente era conhecida e tratada,  terminou o campeonato brasileiro em 11º lugar com 52 pontos, mas  assegurada na disputa da próxima Copa Libertadores, terá que deixar a dor de lado e rapidamente buscar a reestruturação, com o que contará com a solidariedade de confederações, federações, clubes e empresários. E se de um lado, o Grêmio também teve um ano bastante positivo, com a conquista da Copa do Brasil e o 9º lugar no Campeonato Brasileiro,  o seu maior rival, o Internacional experimenta  a queda para a segunda divisão, o que jamais havia acontecido. Com um invejável currículo, um clube forte e de tradição, três vezes campeão brasileiro, campeão da Libertadores  e Campeão do Mundo, a torcida colorada se orgulhava de jamais ter frequentado outra divisão que não  a de  elite do futebol brasileiro, como observava, algumas vezes, em entrevistas, o grande escritor gaúcho Luis Fernando Veríssimo, um de seus ilustres torcedores. Essa não é, contudo, uma tragédia. Muitos grandes caíram e retornaram. 

O goleiro, Danilo Fernandes, do Internacional,  
que defendeu um  pênalti durante o jogo de hoje
contra o Flu, e fez homenagem ao seu xará Dani
lo da Chapecoense, morto no desastre aéreo.
Imagem emprestada de internacional - site ofi-
cial.

Dos quatro do Rio de Janeiro,o Flamengo nunca caiu. O Vasco, rebaixado mais de uma vez, disputou este ano a série B, conseguindo, na última rodada, novo acesso à série A, com grande esforço. E o Fluminense foi até a terceira divisão até retornar à elite.  Mas não só os do Rio. Em São Paulo, Corinthians e Palmeiras jogaram a segunda di visão. Em Minas, o Atlético Mineiro. No Rio Grande do Sul, o próprio Grêmio. Figueirense, Santa Cruz e América Mineiro são as equipes que farão companhia ao Internacional na série B do ano que vem, que promete ser altamente competitiva. No mais, o campeonato mostrou a volta por cima do Palmeiras, o grande campeão e um Corinthians decadente, que não foi capaz de se reajustar com a perda de seus principais valores, responsáveis pela grande campanha do ano passado,  e do técnico Tite para a seleção brasileira. Não conseguiu ao menos  vaga para a Libertadores, o que seria o mínimo aceitável para a sua grande e exigente torcida. Com 55 pontos no final e o 7º lugar, ficou fora do G-6, cujos representantes serão, pela ordem: o Palmeiras (1º), o Santos (2º), o Flamengo (3º), o Atlético Mineiro (4º), o Botafogo (5º) e o Atlético Paranaense (6º). Fora das tradicionais treze grandes equipes, o destaque é para a campanha da Ponte Preta aqui de Campinas. Foi a melhor na era dos pontos corridos. A “macaca” obteve 53 pontos, terminando o campeonato no honroso 8º lugar, logo após os seis primeiros que disputarão a Libertadores e o Corinthians. 
Animação com o atacante William Pottker da Ponte Preta,-
comparado por brincadeira do pessoal da globo com o mago
Harry Potter, da série que levou milhões de pessoas aos
cinemas de todo o mundo e legião de leitores das obras de
sua criadora, a inglesa, J. K, Rowling. Imagem empresta-
da de pontepreta.com.br.
Além desses números excelentes, com 14 gols, o atacante William Pottker, o Mago do Majestoso, terminou como um dos artilheiros do campeonato, ao lado de Fred do Atlético Mineiro e Diego Souza do Sport. Cruzeiro e São Paulo padeceram durante o campeonato, com uma irregularidade impressionante, chegando a flertar seriamente com a zona do rebaixamento. Necessitam de reestruturação para o ano que vem e a grande novidade no tricolor do Morumbi será a estreia, como treinador, de seu maior ídolo, o ex-goleiro Rogério Ceni que andou estudando na Europa para assumir o grande desafio depois de sua aposentadoria como atleta. O futuro, incerto por certo, vai dizer se terá sucesso na empreitada.  O ano termina com saldo altamente positivo para o futebol da seleção brasileira. A  conquista da inédita medalha de ouro nas Olimpíadas do Rio e a regularíssima campanha nas Eliminatórias para a Copa do Mundo, especialmente após a troca de Dunga por Tite, que colocou a equipe na liderança da competição e com  um pé na Copa da Rússia são inequívocas provas de uma evolução em todos os sentidos, evolução essa  que não admitirá retrocessos.



Até mais amigos.

P.S. (1) No final do jogo que decretou a queda do Internacional de Porto Alegre para a série B. p  goleiro Danilo Fernandes, fez duras críticas a seus companheiros de equipe, afirmando que "faltou vergonha na cara". Se faltou vergonha não sei, mas seguramente deve haver alguma explicação para essa queda brusca da equipe que esteve, durante três rodadas, na liderança da competição. O Santa Cruz é outro time que, tendo liderado o campeonato em duas rodadas, também não resistiu à longa e desgastante competição, que exige regularidade e, sobretudo, um elenco de qualidade;

P.S. (2) O atacante William Pottker, da Ponte Preta, está sendo pretendido pela equipe do Santos F.C. O Peixe promete procurar o time de Campinas para fazer proposta, visando levar o artilheiro para a Vila Belmiro;  

P.S. (3) Tão logo ficou sacramentada a queda do Internacional para a série B, começaram a chover nas redes sociais desabafos de corintianos "zuando" o colorado, lembrando que em 2.007, a equipe do centroavante goiano Fernandão, teria feito um "jogo de compadres" com o Goiás, na última rodada, o que levou o timão para a série B. Os comentários eram na base do "Um dia é da caça, outro do caçador".

sábado, 10 de dezembro de 2016

MUSICAL SIMPLESMENTE ELIS - UM TRIBUTO QUE CUMPRE BEM O SEU PAPEL

Boa noite amigos.

Um dos cartazes de propaganda do espetáculo Simplesmen-
te Elis, tributo à Pimentinha, considerada a maior cantora-
brasileira de todos os tempos. Imagem emprestada de Viva
Tatuapé.

O público foi chegando devagarinho, ocupando praticamente todos os seiscentos lugares do Teatro Brasil Kirim, no Shopping Iguatemi, nesta noite de apresentação única do musical tributo, SIMPLESMENTE ELIS. Era marcante a presença de sessentões como eu e minha irmã, acompanhante desta noite, solidários na mesma paixão pela homenageada. Setentões e oitentões também não eram tão escassos por ali. Depois, cinqüentões, quarentões, como a minha sobrinha,  Luciana, que também nos acompanhava,  e, surpreendentemente,  jovens e adolescentes que ouviram em silêncio, aplaudiram muito, cantaram e bateram palmas, especialmente quando solicitados pela protagonista do espetáculo, a cantora santista que atende pelo nome artístico de Didi Gomes. Estava eu ali por curiosidade, cismado quanto à qualidade artística de um espetáculo que, com uma “cover” desconhecida do grande público, acompanhada por cinco músicos-maestros na arte de seus instrumentos,  se metia em atrevida aventura de dar voz a um monstro sagrado da música popular brasileira, reconhecida como uma das mais importantes personalidades artísticas do século XX, a despeito de sua breve passagem entre nós. Elis faleceu aos 36 anos em 1.982, deixando órfãos sua legião de admiradores e uma obra de muitíssima qualidade artística e que, por isso, vendeu quatro milhões de discos em 18 anos, superou a sua geração e transcenderá à atual, certamente. O show  começa com um pequeno relato acerca da cantora e de sua carreira e de como foi concebido o espetáculo-tributo, projeto que começou a ser executado há dois anos,  como lembra o seu produtor, Valter Nogueira Ferreira Junior.

A cantora Didi Gomes, que dá voz e intepretação às canções
que foram imortalizadas na voz de Elis Regina. Imagem em-
prestada de Dia-a-dia Revista.
Fã ardoroso da saudosa cantora, Valter se refere a Didi com muito carinho, lembrando dela como intérprete do samba da escola de samba Vai-Vai, que no ano passado foi campeã do Carnaval de São Paulo, com  o enredo, Simplesmente Elis. Em seguida, flashes de uma entrevista de Elis a um programa de televisão, em que ela fala de sua família gaúcha e do vaticínio do pai quanto ao seu brilhante futuro como cantora. Pronto! A cortina agora sobe ao som de Fascinação, canção que abre o espetáculo e que apresenta para o público, uma cantora baixinha como Elis, mas que em nada lembra fisicamente a Pimentinha a não ser pela altura e pelos dotes vocais logo apreciados pelo público. A voz é longa e as interpretações muito próximas às de Elis, mostrando que ela estudou profundamente os trejeitos da cantora, a sua forma de dançar, todas as suas gravações, sua irreverência na inserção de falsetes e de trechos inteiros que não constavam das letras e músicas dos compositores, muitos dos quais ela própria lançou para a fama. O público aparentemente frio e apreensivo, foi se soltando ao longo do espetáculo e à medida em que a intérprete ia descontraindo falando em linguagem intimista com a plateia, o show ganhava fôlego e substância.  Foram 15 músicas em sequência, com um único e breve intervalo, em que a artista sai de cena para  trocar de roupa e voltar: Depois de abertura com Fascinação,  seguem-se, nesta ordem:  Arrastão; Bala Com Bala; Alô,  Alô, Marciano, Aprendendo a Jogar; Cai Dentro; Chovendo na Roseira; Águas de Março, Vou Deitar e Rolar (quaquaraquaqua); Madalena; Casa de Campo. Lembrando que também é cantora e que está gravando um CD, Didi pede licença para cantar uma de sua músicas autorais Nova História. O samba agrada, tanto pela cadência, quanto pela letra e interpretação. Retorna, então, ao tributo, cantando o samba enredo Simplesmente Elis. Pausa na introdução da antológica Romaria, um hino de Renato Teixeira, imortalizado na interpretação da Pimentinha e  que agita o público, convidado a entoar o conhecido estribilho: Sou caipira, Pirapora nossa, senhora de Aparecida, ilumina a mina escura e funda, o trem da minha vida. Engata, na sequência, Como Nossos Pais, outro grande sucesso lançado no espetáculo Falso  Brilhante,  que nas décadas de 70/80 arrastou multidões para os teatros de São Paulo. Maria Maria, composição de Milton Nascimento feita para Elis (e o compositor mineiro fazia e faz  questão de dizer que compunha especialmente para ela)  encerra o espetáculo, com o público totalmente em pé, agitando os braços e cantando o lerelerelerele lerelerele.  A cantora e os músicos retornam atendendo o pedido de Bis insistente do público para mais dois sucessos, ambos de Edu Lobo: Upa Neguinho e Corrida de  Jangada. A desconfiança do começo e a frieza com que a platéia acompanhou o início do espetáculo estavam quebradas e já eram passadas, substituídas por uma saída de contida euforia comentários elogiosos e assovios das canções. O tributo Simplesmente Elis cumpre, a meu ver, a tarefa a que se propõe: Reunir fãs de todas as idades para uma viagem pelas canções imortalizadas pela diva da MPB,  num encontro musical para o qual demonstra preparo, talento, indiscutível qualidade e alcance vocal  e uma enorme empatia para convocar e trazer o espectador  à viagem pelo tempo e pela obra da cantora.


Até amanhã amigos.


P.S. (1) Os músicos responsáveis pelos arranjos e acompanhamento de Didi são Willians Alves, Márcio Furtado, Samuel Santos,André Rass e Thiago Sonho;

P.S. (2) Pimentinha foi o apelido que Vinícius de Moraes deu a Elis, depois que ela, em entrevista à imprensa, criticou o poeta e diplomata, acerca da produção do filme Garota de Ipanema. Elis reclamava do fato de Vinícius, segundo ela, não se propor a pagar músicos e cantores que apareciam no filme, segundo parâmetros compatíveis com a qualidade e o prestígio popular deles. E disparou com sua conhecida acidez: Ele pensa que todos vão se submeter a isso simplesmente porque ele  é o poetinha?



domingo, 27 de novembro de 2016

DOIS MENINOS, UM DE 19, OUTRO DE 42. E O PALMEIRAS É CAMPEÃO BRASILEIRO DE 2.016. DÁ-LHE PORCO!

Boa noite amigos,

O atacante Dudu, de 24 anos, na melhor fase de sua carrei-
ra foi um dos responsáveis pela campanha vitoriosa do
Palmeiras no título de 2.016, com gols importantes e gran-
des assistências. Imagem emprestada de gazeta.press. 

Palmeiras 1, Chapecoense 0. O apito final do árbitro sacramentou o que já era esperado: o Verdão é o grande Campeão Brasileiro de 2.016 e mais de 40.000 torcedores explodiram de alegria, choro e oração na  Arena Allianz, a nova casa da Sociedade Esportiva Palmeiras, um clube de enorme tradição, detentor  do maior número de títulos brasileiros, depois da última unificação feita pela CBF. Com o de hoje são  9 títulos brasileiros. Com uma rodada de antecedência, o Verdão conquista merecidamente o campeonato, o primeiro na era dos pontos corridos, depois de uma abstinência de 22 anos (o último nacional foi em 1.994, ainda no tempo da patrocinadora Parmalat). O alviverde de São Paulo, depois de anos formando times de baixa qualidade e experimentando  rebaixamentos para a série B, com problemas de gestão e de ordem financeira,  há algum tempo  vem se organizando em termos de empresa. A diretoria atual, sem grandes loucuras, mostrou competência e serenidade para administrar a crise que há alguns anos insistia em rondar o Palestra Itália e, depois da construção do Allianz Parque, uma grande parceria para o clube, logrou formar uma equipe equilibrada, comandada por dois meninos, como diz o título da postagem de hoje. Um de 19 anos, o Gabriel de Jesus, que também está brilhando na Seleção Brasileira de Tite, e surge como uma das mais  auspiciosas esperanças do renovado futebol brasileiro e o “garoto” capitão Zé Roberto, com sua invejável condição atlética aos 42 anos de idade, mercê do seu exemplo como profissional e dos cuidados que dedica à sua saúde física e mental. Claro, que há muitos outros nesse time campeão. O goiano  Dudu,  meia atacante destro talentoso, mais maduro e disciplinado,   na melhor fase de sua carreira;   Cleiton Xavier,  que volta anos depois de sua passagem  e que não se importa em ficar na reserva, um reserva de luxo, pois quando entrou, sempre deu conta do recado; Edu Dracena, zagueiro com substancioso currículo, no qual se incluem vários títulos nacionais, na reserva do badalado zagueiro, Mina, da Seleção Colombiana de Futebol e que, segundo se comenta, já teria até um pré-contrato com o Barcelona.  Substituir um dos maiores ídolos do clube, ou seja, o goleiro Fernando Prass, não foi motivo de intimidação para o então desconhecido Jailson que nunca antes jogara numa equipe da 1ª. divisão do futebol brasileiro, mas que mostrou muita personalidade e segurança, além de competência,  em todas as rodadas de que participou, ajudando o time a sofrer o menor número de gols dentre todos os 20 participantes do campeonato. Também para a láurea contou a estrutura montada pelo clube, o bom trabalho de toda a comissão técnica, tendo à testa o palmeirense confesso, Cuca, que passou como jogador pelo clube nos anos 90, sem nunca, porém, ter tido o privilégio de conquistar um campeonato nacional. 
Aos 19 anos, Gabriel de Jesus é grande aposta
do futebol brasileiro para a Copa do Mundo da
Rússia e vai jogar na Inglaterra em 2.017, con-
tratado pelo Manchester City.
O Palmeiras, meus amigos, não foi uma equipe de grandes ou inesquecíveis jornadas capazes de empolgar os amantes do futebol-arte, tão badalado e esquecido. Não, ao contrário. Em muitos jogos venceu mais pela obediência tática, raça e disposição física, do que propriamente pela qualidade técnica, até porque não tem um plantel de grandes estrelas. Mas a sua regularidade foi incontestável. Além disso, montou um elenco igualmente equilibrado, mesclando jovens promessas com atletas rodados e experientes, o que é fundamental num campeonato longo como o brasileiro. Atingindo 77 pontos, resultado de 23 vitórias, 8 empates e apenas 6 derrotas, faltando ainda uma rodada para o término do Brasileirão de 2.016, ostentando o segundo melhor ataque e a  melhor defesa da competição,o Palmeiras é um incontestável campeão e a sua imensa e fiel torcida, que jamais esteve ausente nos estádios em que a equipe jogou, dentro e fora de São Paulo,  pode e deve comemorar esse importante título, pois o Verdão é, agora, eneacampeão. E dá-lhe Porco!

Até amanhã amigos.

Aos 42 anos, ostentando invejável condição atlética, o lateral
e meia, Zé Roberto, que foi titular na Copa do Mundo de 2006
foi um gigante dentro e fora do campo, orientando os atletas-
para o desafio da conquista do título. Imagem emprestada de -
globoesporte.com.
 P.S. (1) Registro o elenco palmeirense responsável pela conquista que já está na história do Verdão: Goleiros: Fernando Prass, Jailson, V. Silvestre, Vagner; Zagueiros: Edu Dracena, Mina, R. Carvalho. T. Martins e Vitor Hugo; Laterais: Egídio, Fabiano, Jean, João Pedro e Zé Roberto; Volantes: Arouca, Gabriel, T. Santos, Matheus Sales, Rodrigo, Tchê Tchê; Meias: Allione, Cleiton Xavier, Fabrício, Moisés, Vitinho; Atacantes: Alecsandro, Dudu, Erik, Gabriel Jesus, L. Barros, L. Pereira. R. Marques e Roger Guedes.


P.S. (2) Os 9 títulos nacionais do Palmeiras, são os seguintes: 1.960 – Campeonato Brasileiro; 1.967 (Taça Brasil); 1.967 (Torneio Roberto Gomes Pedrosa); 1.969 (Torneio Roberto Gomes Pedrosa); 1.972, 1.973, 1.993, 1.994 e 2.016 (campeonato brasileiro na versão atual);

P.S. (3) Continuo contrário a essa unificação de títulos feita pela CBF. Os torneios e campeonatos supostamente nacionais anteriores a 1.971, não tinham essa característica. As equipes eram convidadas sem observância de  índice técnico, eram poucos os jogos e não havia cruzamento entre todos os times. Ao contrário depois de uma pequena fase de classificação, a coisa se resolvia no mata-mata, como na Copa do Mundo, que também não passa de um torneio como a Copa do Brasil.



segunda-feira, 14 de novembro de 2016

E A VIDA CONTINUA... A REABERTURA DO BATACLAN EM PARIS. E ELIS, O FILME, VEM AÍ.



Queridos amigos:

Fachada em estilo chines do Bataclan no centro de Paris, -
antes do atentado. Imagem emprestada de www.vermelho
org.br.
UM....

“Mas é claro que o sol, vai voltar amanhã, mais uma vez eu sei, escuridão já vi pior, de endoidecer gente sã. Espera que o sol já vem.”  Os versos do nosso saudoso Renato Russo, lembram, é claro, que apesar de todo o obscurantismo, de toda a violência dos homens contra os homens, de  todo fanatismo, do terror e da injustiça que marca e mancha a história da humanidade, a vida sempre continua. À escuridão da noite, segue-se indefectivelmente nova aurora da manhã, apesar de todos e quaisquer pesares.[1] E prevalece  a lei da continuidade da vida que nenhum dos apocalipses sustentados por seitas e  religiões foram capazes, ainda, de revogar. Permanece recente em nossa memória o episódio de terrorismo que sacudiu a boate Bataclan, em Paris, há um ano. Um atentado que vitimou 130 pessoas, cuja autoria foi reivindicada pelo temível Estado Islâmico. O sangue de inocentes que ali, na noite mágica da cidade-luz, buscavam a alegria do encontro na arte da música e da dança, escorreu impiedosamente pelos cantos da belíssima arquitetura chinesa da centenária casa de espetáculo e pelas calçadas da Boulevard Voltaire, no centro da capital da França. Reformada, a casa reabriu com um espetáculo do cantor inglês, Sting, cuja renda integral será revertida para as famílias das vítimas. A partir da meia-noite de hoje, dia 13, a casa permanecerá fechada por 24 horas, num dia de luto, em memória dos inocentes vitimados na tragédia. Todas as mensagens de artistas e pessoas ilustres, assim como de anônimos frequentadores do café-teatro, se abriam em duas vertentes: de um lado a homenagem às vítimas e palavras de consolo aos seus familiares; de outro, a lembrança de que a melhor maneira de homenageá-las era a reabertura da casa, depois de reformada, resistindo assim ao brutal ato de barbárie, como tributo à cultura, à arte, ao entendimento humano e ao encontro que o estabelecimento representava em Paris, o centro da democracia, da liberdade e fraternidade entre os homens, bandeiras do iluminismo que ali floresceu.


A atriz Andreia Horta caracterizada para 
viver na tela a cantora Elis Regina. Imagem
emprestada de O DIa.com.br.
DOIS....

Está concluído o filme ELIS, que retrata a vida e a carreira da Pimentinha, a mais importante cantora brasileira de todos os tempos, morta aos 36 anos de idade, em 1.982. A atriz Andreia Horta ganhou o papel da protagonista e ficou extremamente sensibilizada com o convite e a oportunidade de representar a artista que foi sua  inspiração nos tempos de juventude. A atriz se parece com a cantora, especialmente naquele sorriso largo que deixa transparecer parcela das gengivas superiores e procurou cortar os cabelos como os de Elis, nos vários momentos de sua carreira. A voz inigualável da estrela é mesmo de Elis, mas Andreia teve que treinar muito a voz para cantar junto, dublando com o máximo de realismo para dar autenticidade às cenas. Agora é esperar. Os ardorosos fãs da cantora, assim como toda a crítica especializada esperavam ansiosamente pelo preenchimento dessa lacuna na sétima arte nacional. Afinal, Vinícius, Tom Jobim, Chico, Bethânia, Zezé de Camargo e Luciano,  Cazuza, Renato Russo, Paulinho da Viola e outros tantos já tiveram suas vidas contadas na telona. Espero que o filme faça jus à competência e importância de Elis para a música brasileira e internacional.


Até mais amigos.








[1]  Nos anos 70, numa noite de melancolia, escrevi uma breve poesia que chamei de Suicídio. Um grande amigo muito jovem tinha se ido. Não suportara a pressão que os fatos da vida exerciam sobre a  sua sensível natureza. Sua morte, incompreensível para mim, me causara profunda comoção e revolta. Revolta contra o sol que nascera brilhante no dia subsequente. O poema dizia assim:  “Era um instante, uma estante, estática. Era um lamento, um momento, um laço. No meio da noite, corpo morno, morto, esboço inacabado. E o dia nasceu impiedoso... Como se não tivesse acontecido nada.”

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

LITERATURA - MEU REINO POR UM CAVALO - AUTORIAS E CLICHÊS

Boa tarde amigos,

     Capa de apresentação do livro
      "Meu Reino por Um Cavalo" da
       Editora L& PM.
Outro dia, fuçando pelas prateleiras da Livraria Cultura, buscando alguma novidade que me interessasse, fora dos grandes clássicos permanentemente reeditados, e das mesmices dos livros de auto-ajuda, tive minha atenção despertada para um título destacado, na capa,  em letras garrafais: MEU REINO POR UM CAVALO.  Trata-se de conhecida frase pronunciada por personagem de William Shakespeare, o rei Ricardo III da Inglaterra, na peça teatral do mesmo nome, ao perder seu cavalo, em plena luta, na batalha de Bosworth,  na qual foi derrotado pelo seu desafeto, o conde de Richamond.  Gosto de reproduzir a citação, lembrada por escritores civilistas, em minhas aulas de Direito, para ilustrar a figura do “estado de perigo”, um dos vícios de consentimento que o novo Código Civil[1] criou, ao lado do “erro”, “dolo” e “coação”. Consistiria o tal “estado de perigo” numa promessa que se faz em momento em que o agente se encontra em situação de risco grave, de ordem pessoal ou patrimonial. Aí essa manifestação de vontade passa a ter valor relativo, pois não agiria ele em condições  normais de deliberar quanto aos elementos e conteúdos da proposta. Perfeito, então, o exemplo. Vale notar que no caso da famosa peça, a proposta foi inútil, pois o monarca perdeu o cavalo, não conseguiu outro, e perdeu também o reino. Bem, voltando ao livro que me chamou a atenção, procurei conhecer o seu autor. Mas, claro, logo descobri que, qualificando-se como um livro de citações, aforismas  e frases célebres, uma mera coletânea do que se disse por aí, no presente e nos passados próximo e remoto, o autor não é o editor, mas os filósofos, dramaturgos e escritores,  ou, ainda melhor, os seus personagens, pois, no caso de William Shakespeare, por exemplo, é quase impossível separar a criatura do criador, e suponho que muitas de suas citações e aforismas sejam mais conhecidos pelos personagens, em cujas bocas foram pronunciados,  do que propriamente pela autoria das peças. Não duvide que muita gente que sabe quem foi Romeu e Julieta, nunca ouviu falar do dramaturgo. Minha avó vivia nos alertando que "Nem tudo que reluz é ouro", mas decerto nunca soube quem foi o Mercador de Veneza. E o não menos famoso "O que não tem remédio remediado está" andou pela boca de muita gente simples que de Otelo, no máximo teve notícias do pequeno Grande Otelo, o nosso lendário Macunaíma, herói brasileiro de saudosa memória.  Pensei com meus botões: Como as frases que se tornam conhecidas e notáveis, por gerações e gerações, se juntam mais aos personagens do que aos seus criadores. E em muitos casos, curiosamente, se desprendem de um e outro, do contexto da obra, da própria obra, para ganhar feição e vida próprias. Aí viram clichês, que se prestam para tudo e para todos, ganhando autonomia e até supostos outros autores ou coautores. [2]

Cena do filme  O Carteiro e o Poeta, uma produção ítalo-fran-
cesa de 1.996, vencedor do Oscar de Melhor Trilha Sonora,
focalizando os atores, Philippe Noiret (Neruda) e Massimo
Troisi (O Carteiro). Imagem emprestada de www.outrospla-
nos.com.br).
Em O Carteiro e o Poeta,  filme do diretor Michael Radford, que retrata o relacionamento do poeta Pablo Neruda, exiliado e isolado em uma ilha remota do Mediterrâneo,   com um carteiro, que lhe leva a correspondência, há uma cena marcante. Depois de descobrir que o carteiro teria presenteado uma namorada com  versos de sua autoria, segue-se o seguinte diálogo entre êles - Eu te dei meus livros para ler, mas não te autorizei a roubar os meus poemas. Deste a Beatrice o poema que escrevi para Matilde.  Ao que o humilde e sensível carteiro, responde: - A poesia não  pertence a quem a escreve mas àqueles que precisam dela.”[3]. Pois bem, voltando à livraria, indago dos amigos: Quem compraria um livro que se limita a reproduzir frases, pensamentos ou aforismas de  notoriedade, que se acham, aos punhados, na Internet? Pois bem, eu comprei. Paguei cerca de vinte e poucos reais um livro de apresentação, diagramação e ilustração muito modestas,  por uma razão muito simples: prefiro sempre as versões físicas das coisas, do que as virtuais. E há também  um critério de organização que facilita a localização pelo índice e a reunião dos assuntos, em cada capítulo, o último dos quais reservado para, em poucas linhas, destacar quem foi cada um dos autores das citações colacionadas. Ah! Fiquei sabendo que o livro é um sucesso de venda, coisa rara nos dias que correm. Acho que também por um último detalhe que me passou. Há espaços  nele para que o leitor escreva os pensamentos que quiser (aqueles que nunca esqueceu ou que foram importantes para ele, segundo adverte o organizador Ivan Pinheiro Machado, na apresentação).  Bela sacada de marketing! 
Caricatura de Millor Fernandes 
(1923/2012), desenhista, humo-
rista, dramaturgo, escritor, poe
ta, tradutor e jornalista.

Vivemos num mundo em que as pessoas querem interagir, não apenas olhar, ver, curtir, na linguagem internauta. Dar um pitaco  aqui e acolá. Arrumar com um jeitão próprio. Um meter um pouco a colher no brigadeiro do outro. Ou como diria meu neto Rafael para justificar porque rabiscou o desenho, ou mudou as cores com que ele foi pintado pelo avô: Vô, só que eu num gostei, tá?  Tá.

Boa semana amigos.

P.S. (1) O organizador dedica o livro ao saudoso Millôr Fernandes. Dele destaca uma frase, que de certa forma poderia resumir  a intenção desta postagem, depois de reflexões sobre  pensamentos, autorias, ignorâncias, vôos, cultura e clichês: “SHEIKESPIR, SIM, É QUE ERA BÃO: SÓ ESCRIVIA CITAÇÃO!”




[1] A gente continua chamando de “novo” para diferenciar do “velho”, o de 1.916, que entrou em vigor em 1º de janeiro de 1.917, antes da Primeira Guerra Mundial, e que se manteve vivo, na quase totalidade,  até 11 de janeiro de 2.003, quando foi revogado e substituído pelo atual. Mas o vigente já é mocinho, está com 13 anos e, como adolescente, vive as contradições de sua idade, num mundo em que tudo se renova rapidamente. O Direito de Família, por exemplo, como está disciplinado no atual Código Civil, tirante algumas regras de caráter patrimonial, praticamente nada tem a ver com o formato da família atual ou com a jurisprudência que se vem construindo sobre o assunto.
[2] Cheguei a pensar que o tal “Nem tudo que reluz é ouro” era de minha vó. E pensei: Eta veinha porreta, sabichona! E é comum ainda ouvir muita gente, ao fazer citações, começar por: - Como dizia minha avó. Como dizia Jô Soares.. Como dizia fulano, ciclano, E por aí afora. Essa gente toda só reproduziu, mas ganhou, de graça, a fama de criador, de autor ou de coautor É, por assim dizer, a função democrática da literatura.
[3] Aqui podemos dizer que se trata da função social mesmo da literatura, que socorre aqueles carentes de talento para traduzir, em palavras, os seus sentimentos, as suas visões do mundo e da vida. Beleza!

domingo, 23 de outubro de 2016

"VIAJANDO" SOBRE DETERMINISMOS E LIVRES ARBÍTRIOS.

Meus caros,

Pintura retratando com fidelidade e competência 
o filósofo e escritor espanhol, Ortega y Gasset.-
Imagem emprestada de www.viagemlenta.com.
Outro dia,  numa das minhas viagens mentais pelo passado, me lembrei de uma afirmação do penalista ANÍBAL BRUNO, o qual, discorrendo sobre o fundamento da sanção penal  considerava ser bastante para justificá-la a “ilusão do livre arbítrio”. E há de se convir que a explicação é conveniente, "quebra todos os galhos" e não entra em seara filosófica nenhuma. Certamente,  o dogma resolve a questão do ponto de vista operacional, pois a convivência em sociedade exige de cada cidadão a abstenção da prática de atos que ofendam a honra, a dignidade, a indenidade e o patrimônio de cada um dos integrantes daquela coletividade, vendo-se, na transgressão, culpabilidade para punir o agente, baseada na crença da possibilidade de conduta diversa[1]. Filosoficamente, no entanto, a polêmica continua e não há mais quem possa sustentar a ocorrência cem por cento, de cada uma das vetustas teorias, a dirigir ou presidir a vida humana. Não pedimos para nascer e não temos como evitar a morte, cedo ou tarde. Sobre esses dois extremos da vida humana, não temos qualquer livre arbítrio. Em todas as situações em que circunstâncias subjetivas ou objetivas, excluem a chamada conduta diversa, o livre arbítrio fica igualmente excluído ou comprometido, assim como a Ética fundada numa moral que supõe fundamentalmente escolha entre duas ou mais condutas.  O “sou eu e minha circunstância” do grande filósofo espanhol Ortega y Gasset ilustra o feixe de condicionantes de ordem subjetiva e objetiva, interferindo no comportamento humano, condicionantes de quem ninguém, em sã consciência, pode duvidar[2].  E o que dizer, então, da herança genética e sua importância preponderante, cada vez mais a ditar as várias espécies de “insanidade mental”, como a civilização batiza pensamentos e comportamentos excêntricos em relação aos “padrões” de normalidade?[3] Agora a neurociência tem estabelecido novos parâmetros para a liberdade humana, colocando em xeque  a noção clássica de culpabilidade.[4] Quando visitou o Brasil o Papa Francisco foi questionado sobre o fato de ter se unido à multidão, driblando imprudentemente o aparato de segurança. E sem pestanejar, tentando justificar a sua conduta  mandou um clichê sobre o qual não deve ter refletido: -  Ninguém morre na véspera. Ora, se não se morre na véspera, temos um dia certo para morrer. E nada do que fizermos durante a trajetória, vai mudar o dia da nossa morte. Então é o Chefe do Vaticano fazendo apologia do determinismo? Mas determinismo e pecado não combinam. E aí? Nietzsche ao criticar  toda a produção filosófica anterior ao iluminismo,  contestou os lógicos e a base de sua fundamentação. A afirmação cartesiana do Penso logo existo, para o filósofo alemão não é uma constatação válida, pois nada indica que sou eu que penso  ou se é o pensamento que se impõe a mim.  “Um pensamento vem quando “Ele” quer, não quando “Eu” quero”.[5] Certo? Errado? Sei lá.  Sei lá também porque me veio toda essa questão, nem porque resolvi escrever a respeito.  Ah! Acho que sei sim. Estava lembrando  de uma piada que me contaram semana passada: “O marido no restaurante, ao lado da esposa de 40 anos de vida em comum, depois de sorver 3 garrafas grandes de cerveja, com o copo ainda cheio e os olhos distantes diz em alto e bom som: Eu te amo, eu te adoro, eu não vivo sem você. A esposa ergue a sobrancelha direita, olha de soslaio para as mesas no entorno com um ar de desculpa, e num gesto de desconfiança e censura, sem dó, nem piedade, manda essa no ouvido do marido -  Eu já  não sei a esta altura se é você quem está falando, ou se é a cerveja. Ao que o distinto, também sem dó, nem piedade, respondeu: - Não estou falando com você. Estou falando com a cerveja.” 


Bom final de semana meus amigos.

P.S. (1) Enquanto o mundo gira, as ciências antigas e modernas tentam explicar os mistérios da vida e da morte, vamos tomando a nossa cervejinha, acreditando que o fazemos no pleno exercício do livre arbítrio, longe dos olhares censores da patroa, se possível, e das advertências do médico de plantão.  E ainda fazendo apologia do tal princípio da autodeterminação.




[1] "De maneira mais ou menos pacífica, juristas e filósofos sustentam que a finalidade do Direito é a paz social e não a realização da Justiça, porque esta, enquanto valor etéreo e absoluto,  só pode existir no plano ideal, jamais passível de redução a uma unanimidade, em situação concreta.
[2] “Desde que publicou as Meditações do Quixote Ortega y Gasset entende circunstância como parte da realidade pessoal. Nos livros de El espectador amadurece o conceito de circunstância que usará nos últimos trabalhos das décadas de quarenta e cinquenta. A mudança significa a ampliação do sentido para além das sugestões da Biologia. O conceito alargado nos livros de El espectador inclui o entorno ao eu, isto é, o meio exterior e as características do organismo: tanto físicas quanto psicológicas que envolvem o eu. Circunstância passa a ser tudo o que rodeia o eu: a realidade cósmica, a corporalidade, a vida psíquica, a cultura em que se vive, nela incluída também as experiências acumuladas no tempo . Ortega y Gasset denominará habitação a circunstância que o eu reconhece como seu ambiente familiar. Edmund Husserl já denominara Uexküll a este entorno reconhecido pelo eu, mas para o alemão o entorno tinha um caráter restrito ao temporal. Apesar de próximo do proposto por Husserl, o conceito orteguiano é mais amplo”.  O conceito de circunstância em Ortega y Gasset -  José Mauricio de Carvalho Universidade Federal de São João Del-Rei.
[3]  E é um tal de criar ou suprimir doenças no chamado Código Internacional de Doenças, ao sabor das valorações que a sociedade necessita fazer para proteção de padrões morais e sociais de ocasião.
[4] Afirma Klaus Gunther, com base nas descobertas da neurociência queSe nossas decisões e ações são predeterminadas de maneira absolutamente causal por meio de processos neurológicos, não resta nenhum espaço para o livre-arbítrio. E se a vontade não é livre, então um autor também não pode ser responsável por um crime, pois ele não poderia agir de outra forma naquela mesma situação e, portanto, também não poderia ter omitido o crime. Se a tão fundamental liberdade da pessoa é colocada em questão, sem dúvida o Direito, como um todo, é colocado na mesma situação”. Responsável pelos próprios atos? O direito penal e o conceito de culpabilidade – uma velha discussão com novos impulsos. In: Forschung Frankfurt 4/2005, p. 26.

[5]  ASSIM FALOU ZARASTRUTA, famoso romance psico-filosófico do escritor.