segunda-feira, 25 de novembro de 2019

AINDA A DONA DO PEDAÇO - A RETOMADA DA FÁBRICA PELA MARIA DA PAZ E OS FUROS NAS QUESTÕES LEGAIS E ÉTICAS.


Boa noite amigos,

Em imagem emprestada de Uol, a beleza cativante de Paolla
Oliveira que viveu a "influence digital" Vivi Guedes, na tra-
ma de Walcyr Carrasco.
Ainda a propósito da novela A DONA DO PEDAÇO (Globo, 21,00 horas) que terminou na sexta feira, não posso deixar em branco, a forma como a novela tratou a transferência da fábrica da tal Maria da Paz, para sua filha, Joseane e, depois, com o encontro de um documento particular desaparecido, como ele foi capaz de devolver juridicamente a propriedade da indústria e das confeitarias à sua antiga dona. Pois bem. Os personagens insistem que a transferência da fábrica e das confeitarias por Maria da Paz para a filha foi feita com o intuito de evitar a execução de credores, com penhora dos bens de produção e venda.  Para começo de assunto esse documento seria absolutamente inapto para evitar a cobrança dos credores ou a penhora do estabelecimento. A transferência teria sido feita em fraude ou da execução, ou pelo menos de credores, sem necessidade da prova de conluio entre as duas, pois equivaleria à doação de mãe para filha, com a intenção de fraudar os credores. Não fosse por isso, a fábrica e as confeitarias continuariam sujeitas às execuções, porque teria ocorrido sucessão empresarial nítida, tanto em relação à Jô, quanto no tocante à Fabiana, que a adquiriu daquela. Pior é o mau exemplo que a novela dá, sugerindo que uma simulação desse tipo poderia garantir um efeito favorável aos simuladores, em detrimento dos credores. A simulação, no atual Código Civil, torna o ato nulo e não simplesmente anulável. E o que dizer do encontro desse documento que ficou escondido numa pasta sumida,  e a sua descoberta, com a assinatura da Jô, reputada suficiente para retomar os estabelecimentos da picareta da  Fabiana. Claro que, um documento particular e secreto, que, por certo, não foi registrado em lugar algum, não poderia ter eficácia em relação a  terceiros, principalmente porque representava a prova da fraude perpetrada. Sou noveleiro, acho a qualidade das novelas da Globo excepcionais,  concedo aos autores licença para as ficções, mas pelo amor de Deus Sr. Walcyr, não vá tão longe, não espalhe absurdos tão flagrantes, não compactue com patifarias praticadas pelos mocinhos e mocinhas da novela, como se fossem normais, no país que se orgulha e  agora ainda tenta salvar a Lava Jato que nos devolveu, em parte, a autoestima e a esperança da ética e da igualdade,  na política e no Direito.


Boa noite amigos.





segunda-feira, 18 de novembro de 2019

A DONA DO PEDAÇO E OS DEVANEIOS DE WALCYR CARRASCO

Boa tarde amigos,

Caros alunos,

Em imagem emprestada de Chico Barney Uol, o autor, jorna-
lista e dramaturgo Walcyr Carrasco, ao lado da atriz Juliana
Paes, que interpreta a Maria da Paz, uma das protagonistas
de "A Dona do Pedaço".
O assunto de hoje interessa especialmente aos estudantes de Direito. Walcyr Carrasco conseguiu se superar, em matéria de ficção jurídica, no episódio de julgamento da personagem Josiane (Agatha Moreira),  da novela A DONA DO PEDAÇO (21,00 horas, TV Globo). Numa sucessão de absurdos, - personagens que representam a Magistratura, o Ministério Público e a Advocacia foram convertidos, em seres quase “caricatos”, à vista de comportamentos e textos inadequados, frente à “liturgia”, como diria o Ministro Marco Aurélio, imposta pela lei e pela tradição do direito brasileiro às sessões públicas do Tribunal do Júri Popular. Anotei alguns deles: 1) tanto o Promotor, quanto o advogado de defesa, ao interrogarem as testemunhas dirigem-se a elas de forma desrespeitosa, sugerindo contradições, fazendo ameaças, declinando aspectos da vida particular delas que não guardam qualquer relação com os fatos da causa, assim expondo a vida e a intimidade dessas pessoas; 2) O personagem Amadeu (Marcos Palmeira) pai da ré e que é também advogado no folhetim, de lá da plateia onde se encontra, intervém por mais de uma vez, nos depoimentos; 3) A ré discute com as testemunhas e durante o depoimento de sua mãe Maria da Paz (Juliana Paes) troca com ela acusações e grosserias, com o beneplácito de todas as autoridades presentes; 4) O juiz inverte a ordem das alegações finais, mandando que a Defesa a formule antes da Acusação. Isso, apenas alguns dias depois que o Brasil inteiro assistiu o STF anular processos em que teria havido simples inversão na coleta de alegações finais dos defensores (a dos réus não delatores em relação aos também réus delatores). Não dá para entender  porque  a tal Maria da Paz (Juliana Paes),  foi ouvida como testemunha, não sei se da acusação ou da defesa, se nada sabia dos fatos e passou o tempo todo chorando, lamentando não ter conseguido educar a filha, enquanto a ré gritava que ela era “boleira”, num verdadeiro circo, que ninguém (nem o Presidente da sessão, o Meritíssimo) interrompeu. Foram mais de cinco minutos de choramingos e bate-bocas que jamais seria possível ou admissível no mundo real. Pior que a toda hora a Maria da Paz insistia que a Jô era culpada, infelizmente. E depois de proclamar a quatro ventos que a filha era culpada, a Dna. Maria da Paz comenta com Amadeu e o fotógrafo Teo, enquanto aguardava o resultado do Conselho de Sentença, que tinha esperanças que a filha fosse absolvida. Afinal, há mais perguntas relevantes que ficaram no ar: a Jô estava sendo julgada por qual dos crimes: o primeiro homicídio, o segundo, ou a tentativa de homicídio do fotógrafo? A julgar que fosse pelo primeiro ela jamais poderia receber pena de 30 anos de reclusão. Se a alegação de ausência de “dolo necandi” (intenção de matar) por ela ensaiada – e bem ensaiada (afinal ninguém poderia garantir que com o empurrão a vítima cairia e seria atropelada justamente por um caminhão que passava naquela hora) não fosse acatada, no mínimo, o seu advogado, haveria de sustentar, como tese subsidiária, a hipótese de  de diminuição de pena prevista no §º 1º, do artigo 121, do Código Penal. A causa de diminuição refere-se ao homicídio privilegiado,  em razão de violenta emoção (a ré acabava de ceder à chantagem, mas a vítima ainda assim não quis apagar a foto, e ameaçou continuar, no futuro a exigir a  vantagem indevida). E a pena, meus senhores, não passaria de 04 anos. Depois tem mais.
Até mais amigos.

P.S.  Lembrei que o tal advogado de defesa, ao tentar impugnar o depoimento de um amigo da segunda vítima, refere-se a ele e a profissão que exerce com a seguinte frase: “.... vocês são o lixo da sociedade”. Meu, cadê o princípio da dignidade da pessoa humana? 

domingo, 10 de novembro de 2019

JORGE LUIZ DE ALMEIDA - O JORGE PILHA FRACA


Boa noite amigos,


Dr. Jorge, primeiro a esquerda, em solenidade de entrega de
diploma. Foto emprestada de Diplomação do Acadêmico -
Fundador Advogado Douglas Mondo.
A voz era um misto de  suavidade e rouquidão,  caracteres que o talento, o bom humor e  a irreverência de um jovem estudante a ele conferiu a alcunha de “Jorge Pilha Fraca”.  O epíteto  se generalizou carinhosamente no ambiente acadêmico.  O tom sempre baixo da voz transmitia uma humildade que convidava ao encontro, ao entendimento, à harmonia. Assim se apresentava sempre esse homem que marcou sua longa passagem por este mundo com respeito ao próximo e  sabedoria, lucidez e objetividade, em todos os setores de sua vida pública e privada. Nossa amada Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade de Campinas, a Faculdade Padre Anchieta de Jundiaí, a Universidade Metodista de Piracicaba, as Faculdades Integradas de Itapetininga,  foram alguns dos centros de ensino e pesquisa em Direito que tiveram o grato privilégio de sua comprometida docência.  Marcante foi a sua influência nos milhares de alunos de graduação e pós-graduação, os quais conquistou  com seu talento, sua erudição e seu carisma e com um ensino voltado para um direito democrático, para a  filantropia, para os necessitados. Havia nele uma enorme disposição em servir, orientar, sugerir, corrigir os moços,  inseguros nos apelos, sonhos e perigos  da juventude. Não vou falar de seu passado no Ministério Público, instituição que certamente honrou com sua disciplina, seu incansável labor em favor dos que não tinham voz, numa árdua e contínua tarefa, da qual ouvi falar com entusiasmo e empolgação. Nem da Magistratura como Desembargador do TJ  de  São Paulo, onde sei que se destacou entre os pares, contribuindo, com seu exemplo e sabedoria,  para decisões justas e equilibradas e o aprimoramento da jurisprudência.  Fui alvo de sua generosidade em muitos momentos de minha vida pessoal e acadêmica. No início dos anos 80, quando coordenador do departamento de direito processual civil, me convidou para participar do projeto de   um novo modelo de assistência judiciária aos necessitados; um centro que, sem prejuízo de extensão como valioso serviço à comunidade carente, se notabilizasse pela complementação segura, técnica e ética, na formação de nossos alunos, futuros bacharéis. E, aprovado o projeto,  incumbiu a mim de dirigir esse novo departamento na sua implantação, para que não se desviasse de suas finalidades. A assistência judiciária dr. Carlos Foot Guimarães, como foi batizada, foi uma das minhas múltiplas moradias e paixões entre 1982, quando assumi a coordenação geral, até 1987, quando ingressei na magistratura e tive que deixar a coordenação. Mas aí está firme, mercê da permanente vigilância de meus sucessores e do empenho de funcionários, alunos e advogados professores, que o mantém com a excelência e a ética com que foi pensado e constituído. Ficou na minha memória uma  certa  noite em que levei Dr. Jorge até a Estação Rodoviária onde iria tomar um ônibus para sua Jundiaí. Estava eu prestes a prestar concurso para a Magistratura. Durante o trajeto  até o estacionamento, ele pôs  o braço direito entre o meu braço esquerdo e, enquanto assim caminhávamos  com os braços entrelaçados, me concedia o privilégio de suas advertências, conselhos e orientações, quase ao pé do ouvido, profundamente pertinentes para meu futuro desempenho como magistrado. Doutor Jorge nos deixou há duas semanas, quase um século depois do dia em que veio iluminar o mundo na sua sempre amada terra natal, - Itapetininga. Deixou esposa e uma família ilustre e bem constituída. E uma contribuição imensurável à educação, à cultura e à sociedade de seu tempo, favorecida com o seu trabalho e a sua forma sensível e humana que elegeu para viver e conviver neste mundo. Aos familiares minhas sinceras condolências. A  ele minha gratidão e saudade. Eternas, enquanto eu existir, na inspirada poesia de Vinícius.


Boa noite e até breve.



sexta-feira, 1 de novembro de 2019

A NINA MORREU...


Boa tarde amigos,


Imagem de gato emprestada de Petz.
A Nina morreu. Quem me comunicou aos prantos foi minha filha. A Nina era uma gata que há 15 ou 16 anos foi adotada por nós, por insistência de minha filha. Ainda com poucos meses de vida a gatinha estava sendo oferecida numa feira, para adoção, na cidade litorânea de Bertioga.  Nunca tive paixão por animais. Se quisesse conviver com um talvez optasse pelo cachorro  que, segundo a literatura e a experiência dos donos, é mais amoroso e fiel, ao contrário do gato, em regra  egoísta e mal agradecido. Deve ter alguma virtude, mas confesso a minha ignorância e o meu desinteresse pelo assunto. Pois bem, vindo  conosco para Campinas quem cuidava mesmo dela era minha sogra, que sempre morou conosco até falecer. Pessoa de muitas virtudes e solidária,  Dona Geny não deixava faltar nada ao bichinho. Alimentação diária adequada, segundo os nutricionistas. Passeios matinais dentro do limites do condomínio ou pelas redondezas. E carinho, muito carinho. Com a morte da sogra,   a função foi assumida por minha mulher, cuja dedicação supriu necessidades materiais e afetivas da felina. Quanto à minha filha, mãe adotiva, não preciso dizer que se casou, mudou, mas deixou a Nina sobre nossos cuidados, avós maternos e eternos provedores. Bem, resumindo:  depois de uma vida de recursos e tranquila,  a Nina teve, anteontem,  uma parada respiratória logo após uma cirurgia para extração de nódulos decorrentes de um  suposto câncer. E a veterinária garantiu que a cirurgia foi bem sucedida e que a parada respiratória ocorreu depois, durante a recuperação.  Foi mesmo? Estou em dúvida. A vida da Nina, a gata, foi  boa? Outra dúvida.  Teve alimentação farta e adequada e carinho dos seus donos. Mas também foi castrada e morou dentro dos limites de apartamentos e casas. Uma vida sem liberdade, sem aventura, sem filhos, sem parceiro ou sexo. Uma vida que a ela foi imposta contra a sua natureza animal. Nunca concordei com a maneira como os homens tratam os bichos. Pensei, como homem da lei, em invocar, por analogia, em benefícios dos animais submetidos a essa vida encarcerada, o princípio da dignidade da pessoa humana (no caso, felina).  A liberdade ē um direito fundamental e inalienável e deve ser estendida aos animais, porquanto vinculada à natureza de um ser vivente, um semovente, que não precisa de ninguém para existir.  Ninguém pode ser feliz sendo forçado a sublimar a sua natureza. Outra coisa: da mesma maneira que os avanços da medicina, da engenharia genética, da nanotecnologia, permitem hoje que a vida humana se prolongue,  é quase certo que teremos um câncer,  em qualquer  de seus tipos, depois de 80 anos.  Trata-se de uma contingência igualmente vinculada à natureza humana. Gastamos, como gastam as máquinas. O corpo, a única forma com que existimos neste mundo, envelhece e as suas engrenagens tão bem concebidas, começam a falhar e a não funcionar como e para o que  foram programadas.  Nem venham dizer que se você fizer exercícios regulares, tomar vitamina, não comer carboidratos ou proteínas, não fumar, não beber etc etc. você ficará livre disso. Tenho múltiplos amigos que nunca fumaram, nem beberam, fizeram exercícios, e já se foram desta vida. Alguns vítimas de acidentes (vascular cerebral ou de trânsito). Pior que o  atropelante nem quis saber do estado de saúde de sua vítima, se era gorda ou magra, jovem ou velha, se o colesterol estava alto ou baixo, se era pobre ou rica.  Nenhum cuidado exagerado que possamos ter se justifica se subtrair de nós, a liberdade e o direito de viver ou ser feliz, segundo a nossa maneira de ser e existir. Bem, voltando ao nosso tema, Se a vida da Nina foi boa? Dizem que foi. Eu discordo. E ela não teve como se manifestar a respeito. Resta-nos a dúvida insuperável. Tudo bem que, da forma como foi tratada (comida à vontade, de boa qualidade e farta, sombra e água fresca) a presunção seria de que a vida dela foi boa mesmo, porque quem é que não gosta dessas coisas. Mas, cuidado! Lembrem-se da advertência do saudoso Bernard Shaw: “Não faça aos outros, o que gostarias que fizessem a ti. O gosto deles pode não ser o mesmo.” A Nina morreu. E com ela a incógnita de saber se ela achou que a vida dela foi boa ou não. Mas será que gato “acha” alguma coisa?

Até mais amigos.