sábado, 31 de dezembro de 2022

MEU VELHO AMIGO - FELIZ ANO NOVO.

 

Amigo, 

"Então, eu pretendia te ligar bem lá pela meia noite para lhe desejar saúde no ano novo. Posto que[1] não temos possibilidade de um encontro e um abraço pessoal, ao menos poderíamos ouvir nossas vozes e não ficar só na leitura da mensagem de whatsapp.  Mas, considerei provável que você, no barulho que os seus filhos, genros, noras e netos estejam fazendo aí na bagunça da sua casa, no horário da  virada, com aquela chatice de cantoria do “adeus ano velho....” você não escute. Não, não venha me dizer de novo que sua audição está perfeita. Não está, como a minha também não está. Se estivesse, segundo a tese da minha mulher, não estaríamos falando alto, quase berrando. Já levei broncas verbais e chutes na canela por causa disso. Tem outra hipótese a ponderar: o seu celular pode estar no silencioso, o que, convenhamos, não é coisa difícil de acontecer. E lá virá você depois com a ladainha de dizer que alguém mexeu no seu telefone e mudou o toque. Seria um de seus genros ou noras, que não tem o seu sangue, nem a sua sensibilidade e te persegue, num boicote velado, só para você não dar mais trabalho do que dá. Pelo menos para não ficar sabendo de algum velório de amigo, porque a sua família acha que você não tem mais condições de suportar perdas nesta altura do campeonato, sem baixar no hospital, bem naquele inconveniente horário da madrugada.  Coraçãozinho fraco é o que eles pensam que nós temos, né?   Suspeito  que o melhor a lhe desejar é que esteja vivo e com saúde, na fluência do ano novo. Acho até que é tudo o que podemos almejar nesta altura do campeonato. Dinheiro, ganhar na loteria, nem pensar. Já ganhamos o suficiente para garantir o padrão de vida nosso e de nossos filhos. E que eles complementem isso e se virem porque não têm mais idade para receber intermináveis mesadas ou auxílios financeiros. E, ainda, rezar para que nossas mulheres, filhos e netos não venham programar longas viagens para o exterior, arrastando a gente para empreitadas malucas, nos obrigando a viajar por 12 ou mais horas de avião, na classe econômica[2], de máscara, arrastando malas e mais malas pelos aeroportos da vida, cheias daquele “tudo” que eles resolvem comprar, porque não tem no Brasil, ou porque aqui tem, mas é mais caro. Nos meus áureos tempos de juventude, nem pensar em viajar para o exterior. Na escola recebi autorização de meu pai, e algum pouco dinheiro, para viajar de excursão do colégio para Limeira. Destino: Visitar a festa da laranja. Uma emoção indescritível para aquele menino sonhador, que conseguiu sentar do lado da janela de ônibus e ir apreciando, encantado, a paisagem da velha Via Anhanguera, passando por Campinas, Nova Odessa,  Sumaré, Americana....  Depois, a gente comprava o que precisava, o que era indispensável, ou, pelo menos, útil. Agora basta não ter no Brasil que a gente compra. E não se admite ponderação. Conflito de geração? Você está ultrapassado, aquilo logo chega aqui, porque a tecnologia está dinâmica e aí a precoce aquisição vai lhe dar o reconhecimento de que você é um sujeito de vanguarda. Às favas com essas bobagens da juventude. Sabe, na última viagem consegui superar algumas dificuldades motoras e fui arrojado. Ainda encontrei o Alexandre Pires no Walmart. Preciso te contar, mas sei que só depois do dia 02. Vamos marcar aquele café na conveniência do posto. Eu, você e os nossos amigos de lá, dos quais estou saudoso, nem que seja para ouvir outra vez as mesmas piadas e histórias, tomar aqueles 2 cafés pausados e saborear o melhor pão de queijo do Brasil.  Hoje eu entendi aquela piada em que o feito, por maior que seja e por si só, não satisfaz o homem, senão quando ele logra contar para “a turma da Bocha”, onde deverá receber a sagrada coroa do reconhecimento. Amigo, o final do ano sempre me traz lembranças e reflexões. Este ano comemoramos os oitenta anos dos geniais, Milton Nascimento, Caetano Veloso e Gilberto Gil. E perdemos uma de nossas musas preferidas como a Gal que não teve a sorte de atingir essa marca e nos deixou de repente com as lembranças de sua voz potente, mas doce, nas letras poéticas de Fera Ferida,  Baby, Vapor Barato, Folhetim, Coração Vagabundo, Tarde de Domingo e outras memoráveis canções da extraordinária e diversa música popular brasileira.  Ah, e como considerar as perdas de dois gigantes de outras áreas: o Jô Soares e o Pelé, nossa maior referência nacional no exterior. Olhe, não sei se você tem o DVD. Eu tenho e posso lhe emprestar. Se conseguir encontrar até lhe dou de presente. “Pelé Eterno” é o melhor documentário que eu conheço da vida do “Rei”. Bom já está ficando tarde e eu estou me estendendo com a minha mania de “viajar na maionese”. Faço isso ainda hoje, em sala de aula, depois de 43 anos de docência. E ainda consulto os meus alunos: “O que eu estava dizendo mesmo?”. Sabe penso seriamente em me aposentar de vez da minha Faculdade de Direito da Puc. Não estou conseguindo, ou melhor, gostando do sacrifício de acordar muito cedo e ministrar aulas com dias e horários certos. Como você sabe sempre gostei de dormir tarde e de acordar tarde. Lembrei daquela musiquinha do Chico[3]  que diz “Eu faço samba e amor até mais tarde. E tenho muito sono de manhã.” Só fiquei hoje com a segunda parte. E convenhamos: o Chico também, pois essa história que ele vai casar ou se casou com uma jornalista muito mais nova é coisa de noticiário de fofoca. Até pode ser. Mas, funcionar ali como no tempinho da música nem com Viagra, aposto. Dor de cotovelo? Inveja? Nem uma coisa, nem outra. Nunca quis ser ou fazer o que outra pessoa é ou faz. Desse pecado não tenho que me penitenciar. Bem, estou mandando esse recado para dizer na verdade que eu quero lhe agradecer pela velha amizade e pelo fato de você continuar sendo meu amigo, apesar de mim. Li isso em algum lugar e gostei. E, ainda,  que considero que a nossa convivência, nossos encontros e desencontros, nossas paixões e pieguices, nossas diferenças, nossas formas de existir e nos relacionar,  jamais foram capazes de solapar esse sentimento que eu nutro por você. Que eu lhe desejo tudo, tudo o que for precioso não a mim, nem a todos, mas a você, respeitando sempre o seu “eu”.   Ser seu amigo, tentar cuidar de você como você tenta fazer comigo, sempre foi um constante desafio. Esse seu jeito de seguir nos seus objetivos de vida, nos seus valores e ideais, sem medo de consequências, sem acomodação, me fazem admirá-lo ainda mais. E aí damos um jeito com os processos que essa sua teimosia possa provocar. Se eu morrer antes de você, você que se foda. Em resumo, meu  amigo velho e teimoso, meu recado a ser escrito no telefone era simplesmente o seguinte:  “Passando para lhe desejar um ano que seja feliz na sua dimensão de agora. E cuidado com a tal “virada”. Não é pra nós. Ou, ao menos vamos girar devagar para não desafiar a labirintite.  Te amo, cara! Felicidades. Beijão extensivo a essa sua família linda e que eu amo.” Como ficou longo virou uma postagem para o blog..





[1] Este “Posto que” é emprestado da licença poética concedida ao Vinícius. Por que só pra ele?

[2] Já ameacei viajar na classe executiva ou primeira classe dizendo que posso pagar pela diferença e merecia esse conforto. Fui ameaçado na verdade porque pagar passagens dessas categorias para todos os membros da família ficaria uma fortuna. E a hipótese de eu ir sozinho por lá foi completamente desconsiderada.

[3][3] A faixa se denomina “Samba e Amor” e foi incluída no ano de 1.970, no álbum “Per um pugno di samba”.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

CAUSO - NOME SOCIAL

 

Boa noite amigos,

 

O velho dispensou companhia. Não quis motorista do Uber, pois não confiava nesse tipo de transporte moderno. Pediu um taxi e se dirigiu à clínica, onde, muito a contragosto, iria se submeter a um procedimento chamado colonoscopia. Com quase 80 anos, em exame de rotina, o médico da família lhe impôs o exame, tendo em vista queixas constantes de desconforto abdominal, nos últimos tempos. Buscou na internet conhecer as peculiaridades da intervenção a que se submeteria. O site dizia: “A colonoscopia é um método seguro e eficaz de examinar toda a mucosa (revestimento interno) do cólon e do reto, usando um instrumento tubular longo e flexível, chamado de colonoscópio.” Não era muito esclarecedor, mas desistiu de conhecer detalhes para não se estressar ainda mais. Chegando à clínica apresentou-se à atendente que lhe pediu documento de identidade e o cartão do plano de saúde. Ela indagou se o preparo recomendado tinha sido feito com o rigor necessário, ao que ele respondeu afirmativamente, não sem lembrar dos dois dias em que teve que fazer dieta líquida e ingerir medicamentos que lhe provocaram diarreias seguidas. Uma chatice! A moça ainda lhe solicitou que lesse com atenção um documento impresso, cujo conhecimento e assinatura eram obrigatórios. No título, em letras maiúsculas e destacadas lia-se que se cuidava de um TERMO DE CONSENTIMENTO ESCLARECIDO. E logo abaixo se seguiam Campos numerados. Campo 1, Campo 2, Campo 3, e assim por diante. A leitura rápida do texto completo lhe provocou profunda inquietação. Ali se afirmava que o procedimento poderia, embora não fosse esperado, causar lesão no abdômen e outros acidentes, inclusive fatais, sem que houvesse culpa dos profissionais envolvidos. Ficou com vontade de rasgar o tal impresso e desistir do exame. Tentou, no entanto, se acalmar e solicitou uma caneta para preencher os campos necessários. Campo 1 – Nome; Campo 2 – Nome social; Campo 3- Endereço; Campo 4- Medicamento de rotina etc. etc. etc.  Curiosamente, havia uma advertência no final, na qual se asseverava que os campos 1, 2, 3, 4 e 5 eram de preenchimento obrigatório. Meio trêmulo escreveu o nome completo no campo 1. Mas porque lhe perguntavam, no campo 2, o nome social? Tinha lido que esse tal “nome social” era utilizado por pessoas que tinham mudado de sexo biológico.  Olhou em volta os demais pacientes, os quais igualmente aguardavam a convocação para algum exame e pensou:- Será que estou em clínica errada? Será que a jovem atendente lhe entregara o documento correto e pertinente? Tomou coragem e foi ter com ela: - Por favor, é esse mesmo o documento que eu tenho que preencher e assinar? A senhora sabe que eu vou fazer uma colonoscopia? Ela respondeu afirmativamente a ambas as indagações. E aí vem uma terceira:- Sou obrigado a preencher os campos 1, 2, 3 e 4 como está aqui? Ela acenou com a cabeça indicando positivamente. Inconformado ele voltou ao seu lugar, sem saber que atitude tomava. Nisso surge uma enfermeira e o chama pelo nome. Era hora de ingressar na sala de procedimento. Voltou-se para a atendente  e perguntou se  poderia completar o documento, após o exame. Ela disse que não. O termo tinha que ser assinado antes. Impaciente, apavorado, mas resignado tomou coragem e fez a seguinte e última indagação em tom de advertência: - Olha moça, eu tenho quase 80 anos,  não tenho e nunca tive nome social, não mudei de sexo,  porque sou obrigado a preencher o campo 2, como a senhora disse?  Veio a resposta serena da jovem: - Não precisa ficar nervoso.  No campo 2, basta o senhor escrever:-  Não tenho.  – Ah, bom. Pediu um minuto para a enfermeira, completou o campo dois e entrou para o exame rezando baixinho para que o tal colonoscópio não lhe furasse o intestino.

Até mais amigos.

 

terça-feira, 29 de novembro de 2022

ARTIGO- SETENTA ANOS, O REGIME DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS E A SÚMULA N. 655 DO STJ.

Boa noite meus amigos, 


A reprodução acima é do Jornal de Pernambuco
e noticia um acidente envolvendo uma "velhinha de 42 anos. A edição é de 1.904.

O Direito de Família que está no Código Civil de 2.002 não existe no mundo real. Refém de um projeto que teve início nos anos 70, a despeito de sua permanente revisão, em função, sobretudo, do advento da nova ordem constitucional surgida com a Carta Magna de 1.988 e da legislação esparsa que se seguiu, as adaptações vieram forçadas, isoladas, em forma de “colcha de retalhos” e não foram suficientes para garantir a coerência sistemática de suas disposições. Diga-se, em acréscimo, que, se o Código Beviláqua se conservou adequado durante as primeiras décadas de sua vigência, certo é que no que tange ao Direito de Família, consagrava o perfil e os valores de um Brasil essencialmente rural e atrasado,  cheio de preconceitos, enfatizando a supremacia dos varões[1] e o seu caráter patrimonialista,   distante, pois,   da pos-modernidade e de uma sociedade que clama por de um mundo de igualdade e inclusão, o que se convencionou chamar de justiça social. Sem alongar as considerações de ordem geral, do conhecimento de todos os juristas e operadores do Direito que, no dia a dia, se ocupam e se preocupam com as inconsistências da ordem jurídica existente, vivemos em sobressalto com as novidades que um Poder Judiciário ativista nos impõe, em forma de arbitrárias Súmulas vinculantes.  Tais súmulas ou enunciados,  nem sequer nos garantem estabilidade, diante dos conhecidos conflitos internos[2] entre Turmas e Tribunais, a desafiar esse tão renegado princípio da segurança jurídica[3]. Volvemos ao Direito de Família. Equiparada ao casamento, a união estável viu no Código Civil vigente, no campo relativo à sucessão, um enorme retrocesso. A sucessão do companheiro na união estável foi disciplinada diferentemente da sucessão do cônjuge e com consideráveis diferenças, a acentuar a distinção histórica preconceituosa do legislador no tratamento legal entre os núcleos familiares formados espontaneamente e o casamento formal, contra a equiparação constitucional determinada pelo Constituinte e  regulamentada pelas Leis 8971/94 e 9278/96. Demorou para o Supremo Tribunal Federal proclamar a inconstitucionalidade do art. 1.790 do vigente Código Civil, que cuida da sucessão dos companheiros,  em termos sensivelmente desvantajosos em relação à sucessão do cônjuge.   Mas das velharias que nada tem a ver com os valores da sociedade atual, o legislador do Código Civil reproduziu no art. 1.641, o preceito do velho diploma de 1.916, que, no art. 226, impunha o regime de separação aos nubentes que decidissem se casar em certas hipóteses ali enunciadas. Para a mulher com mais de 50 anos e o homem com mais de 60, o regime do casamento ou da união estável não era livre,  como se facultava aos demais. A vetusta disposição era, inclusive, discriminatória e absolutamente preconceituosa. O Tribunal de Justiça de São Paulo, na vigência do Código Civil anterior, já reconheceu a não recepção do aludido dispositivo pela Constituição Federal de 1.988, enfatizando conflito evidente com o art. 1º, III, e 5º, I, X e LIV da Carta Constitucional Cidadã.[4]   Na redação original do vigente Código,  os nubentes, em homenagem ao princípio da igualdade, foram equiparados e a idade mínima passou de 50 para mulheres e 60 para os homens, para 60 anos, indistintamente. Em 2.010, no entanto, a Lei 12.344, elevou essa idade para 70 anos, em função do aumento de expectativa de vida no Brasil decorrente da evolução da Medicina e da tecnologia. E onde se falava em casamento com impedimento impediente, agora o legislador converteu as hipóteses em causas suspensivas do casamento. Lecionando, há 43 anos, na Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, repeti, incontáveis vezes, a lição dos doutores, segundo a qual a velhice, a ancianidade, não é, por si, causa de incapacidade civil. A senilidade, a perturbação mental, o acometimento de mal que impede o sujeito de direito de compreender e, pois, dispor, no comércio jurídico, de seus bens, direitos e obrigações, é que leva à incapacidade, em qualquer estágio da vida, incapacidade essa que pode ser parcial ou total, graduada em regular processo de interdição, ou de simples curadoria. A capacidade, pois, é regra e nunca deve ser exigida a sua prova. Trata-se de presunção legal.  Daí se conclui que um homem aos 90 anos, uma mulher aos 100 anos, não podem ser impedidos de exercer plenamente os seus direitos e obrigações só pela avançada idade.  Se, na dicção do art. 1º do Código Civil, toda pessoa é capaz de direitos e obrigações na ordem civil e, pois, de exercitá-lo (dotados, pois, da capacidade de direito e, também,  de fato ou exercício, salvo aqueles mencionados nos artigos 3º e 4º (aqueles representados, estes assistidos), não há como presumir incapacidade de qualquer espécie para pessoas em função de limite de idade ou de outras circunstâncias, que lhes interdite exercício de direito a todos conferido.  Logo, a imposição de regime, se justificável nos dias que correm, deve ser dirigida não ao idoso, ao velho, mas à pessoa de qualquer idade que não tiver condições de deliberar acerca de sua situação patrimonial.  Vamos então, antes de mais nada, expurgar essa anacrônica imposição de regime da separação obrigatória a todas as hipótese de que trata o art. 1.641 do Código Civil vigente,  mesmo porque, se nem sequer figuram como impedimento matrimonial, mas como causas de suspensão do casamento e o juiz pode dispensá-la (art. 1.523, parágrafo único), não tem sentido manter a interdição à liberdade de fixação do regime de bens do casamento ou únião estável.[5] Trato desse assunto para cuidar de outro com ele relacionado. Surpreendido com a notícia de que o STJ editou a Súmula n. 655[6], que busca eliminar a discussão que se travou, desde a vigência do novo Código Civil, se este teria recepcionado o entendimento da Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal ou se, ao revés, essa súmula estaria revogada, a doutrina se dividiu a respeito. Tratando, é verdade, de união estável iniciada quando um dos companheiros já conta mais de 70 anos, considerou a possibilidade de comunhão dos aquestos, ou seja, dos bens adquiridos na constância da união estável, mas revisitando a referida súmula, impõe a esse tipo de união, o mesmo regime obrigatório para o matrimônio. Admitindo a vigência e constitucionalidade do art. 1641 do Código Civil, o que se repudia, parece razoável a equiparação entre união estável e casamento, pela coerência do sistema.  Acontece que essa releitura mexe com a benfazeja presunção absoluta da comunicação dos aquestos, pois, eliminando a presunção, só admite a comunicação, se  provado ou comprovado o auxílio recíproco na aquisição dos bens. Essa exigência sempre foi direcionada aos cônjuges casados apenas sob o regime de separação convencional de bens. Nela, em respeito à vontade livremente manifestada em pacto antenupcial, pelos nubentes ou companheiros, tem sua justificativa. Mas trazê-la novamente para aqueles que nunca puderam eleger o regime de bens, por proibição do Estado é coisa que atenta contra a harmonia e comunhão devida que se preconiza para o organismo familiar de qualquer origem. E lança sobre a segurança jurídica um golpe de profundas consequências indesejáveis. Historicamente, a  comunhão dos aquestos surgiu como construção pretoriana que, no começo do século 20, buscava fazer justiça aos casais italianos que vieram para o Brasil, no final do século 19, para substituir os escravos nos trabalhos braçais, especialmente rurais no Estado de São Paulo, onde a imigração italiana foi mais acentuada. E os casais vinham., com “uma mão na frente e outra atrás”, expressão popular que indicava a inexistência de bens, aventurando-se na nova pátria, em busca de horizontes e possibilidades. Vinham casados. O regime comum na Itália era o da separação de bens. Aqui se instalavam, criavam filhos e viviam o resto de suas vidas. Os bens que adquiriam, muitos deles fruto do trabalho braçal de ambos[7], acabava figurando, no título, apenas em nome do marido, numa reprodução formal e histórica do regime patriarcal. Morto o companheiro, não tinha a viúva, pelo regime de bens do casamento, direito algum sobre a herança. Nem mesmo meação. Ficava ela à mercê da compreensão dos filhos do casal, muitos dos quais chegavam a lhe negar, nos Tribunais, qualquer parcela de direito sobre esses bens. Assim, nasceu a aplaudida construção da jurisprudência sobre a comunicação dos aquestos. E foi ela que, anos depois, inspirou o verbete da Súmula 377, em homenagem à justiça, à paridade e ao princípio universal que veda o enriquecimento à custa do trabalho alheio. Os anos se passaram. A teoria da comunicação dos aquestos foi sendo aperfeiçoada  e estendida às uniões estáveis. Em relação a estas, num primeiro momento exigiu-se a prova da existência de sociedade de fato entre os concubinos (Súmula n. 380 do STF). Depois, de que havia presunção relativamente à comunhão desses bens. De indenização conferida, às concubinas, em tempos anteriores à CF de 88, por carência de prova de contribuição efetiva na construção do patrimônio, a jurisprudência passou a admitir o recolhimento de parcela do patrimônio dito comum, até presumir o esforço comum, invertendo o ônus da prova. Por fim, considerou o trabalho em casa, em lides domésticas, como sendo equivalente à contribuição. E derradeiramente, considerou que o trabalho no lar tinha o mesmo valor aritmético inclusive, do trabalho que o marido exercia fora do lar. Pronto. Chegamos ao ponto ideal. Tudo estava consolidado. Já não se admitia discussão sobre percentuais, valores, formas de contribuição. E é esse o estágio que aplaudimos, porque não insere, no seio da relação de casamento ou de união estável, que têm como base fundamental a afetividade, uma competição financeira, patrimonial. Afinal, este Código não é mais patrimonialista, como garantiu o seu Coordenador Geral, o saudoso jusfilósofo, Miguel Reale, e há igual posição do homem e da mulher, ou dos homens ou de mulheres, nos seus  relacionamentos.  A súmula 655 publicada semana passada é, no mínimo, inoportuna e não terá aplicação porque trata  de hipótese de equiparação entre institutos (casamento e união estável) sobre o regime da separação legal ou obrigatória de bens, quando o malfadado art. 1.641, I,  do Código Civil está com os dias contados, segundo suponho, porque arguida a sua inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal no Agravo em Recurso Extraordinário, com Repercussão Geral reconhecida[8]  que, revisitando a velha e sábia Súmula 377 do STF, joga fora todo o imenso esforço da jurisprudência de outrora e da sociedade em geral, que conquistou, depois de árduo  e sensível trabalho da doutrina,  de ilustres Juizes, Desembargadores e Ministros,  o direito à meação dos aquestos por presunção absoluta de contribuição e no exato percentual da própria meação. Submeter, agora, com essa nova Súmula, consortes e companheiros, ao ônus da prova de contribuição é um absurdo abominável, sobretudo, porque, volta a gerar absoluta incerteza sobre quais seriam os meios de prova admitidos e às variadas formas de contribuição, inclusive no não remunerado trabalho doméstico, restabelecendo a inconveniente discussão sobre o peso matemático dessa ou daquela forma de trabalho, na constituição do patrimônio. E converte, de forma insensível,  questão familiar regida pelo Direito da Família, aos princípios do direito das obrigações, gerando uma profunda fonte permanente de desarmonia incompatível com a natureza sobranceira da afetividade como elemento fundamental à formação, identificação e subsistência do organismo familiar. Em síntese, um inadmissível retrocesso que espero seja corrigido pelo Supremo Tribunal Federal,  inclusive e principalmente, extirpando do nosso sistema esse regime de bens imposto para alguns, contra a tendência moderna de respeito ao caráter convencional das relações familiares, a autonomia de vontade de seus membros, a afetividade e ao princípio da boa fé objetiva.

 

Abraço aos amigos.



[1] O marido é o chefe da sociedade conjugal, o consentimento da mãe para a emancipação do filho, embora necessário, era meramente honorífico, pois prevalecia, na divergência, a decisão do pai.

[2] São várias as súmulas do STJ que acabaram canceladas pelo STF, no permanente exercício de sua função de controle constitucional da legislação federal.

[3] O novo Código de Processo Civil, no art. 927, § 4º, estabelece que “A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.”

[4] TJSP, Ap. cível n. 7.512-4 – São José do Rio Preto, 2ª. Câmara, relator o Des. Cezar Peluso, j. 18.8.1998. No mesmo sentido cf. RT 767/223 e 758/106.

[5] Curioso notar que o legislador manteve a hipótese do velho impedimento impediente, convertido em causa de suspensão, relativo à viúva ou da mulher cujo casamento se desfez por ter sido declarado nulo ou anulado até 10 meses depois do começo da viuvez ou da dissolução da união matrimonial (art. 1.523, II, do C.C. de 2002), mesmo em tempos de DNA suficiente para detectar a paternidade; mas excluiu essa causa da sanção de imposição do regime de separação obrigatória de bens (nenhuma dos incisos do art. 1.631 alude a essa causa).  

[6] Súmula n. 655 do STJ: “Aplica-se a união estável contraída por septuagenário o regime da separação obrigatória de bens, comunicando-se os adquiridos na constância, quando comprovado o esforço comum.”

[7] Lembro que a sogra da minha irmã mais velha construiu, com o marido, ambos italianos, a casa sobre o terreno que o suor de seus rostos permitiu adquirir, numa empreitada conjunta.

[8] Tema 1236/STF.

P.S. (1) A expectativa de vida nos anos 1900 no Brasil e na Costa Rica era de 30 anos apenas. Daí a justificativa por se reputar velha ou idosa uma mulher de 42 anos.


sexta-feira, 14 de outubro de 2022

O DOUTOR TOLEDO DO PENIDO


Boa tarde amigos, 


"Como pessoa tento viver uma vida sem anestesia, olhando-a nos olhos, valorizando a coragem de ousar vivê-la e assim poder ser grato pela curta experiência, a ver tudo sem fantasia por saber que sempre o poeta sou eu”  (do poeta Toledo Filho).

 

“Dr. Jamil. Usualmente meu celular fica no silencioso. Se desejar uma prosa no sábado próximo me envie uma mensagem para que eu faça contato. Fico à disposição.”  (mensagem no meu whatsapp de 23 de fevereiro de 2.022).

 

Com muita tristeza recebi ontem cedo, aqui na praia onde me encontro, a notícia do falecimento do Dr. Milton Baptista de Toledo Filho, o nosso estimado Dr. Toledo. Na esteira do pai, Dr.Milton Baptista de Toledo, um dos competentes e serenos médicos fundadores do centenário Hospital Penido Burnier de Campinas, então referência nacional e internacional em oftalmologia e otorrinolaringologia, o Dr. Toledo era exemplo de caráter, de elegância, de dedicação aos seus pacientes. Sensível e com apreciável formação humanística “prosear” com ele sobre cinema, viagens, gastronomia, política ou qualquer outro assunto era um grande prazer e uma troca na qual a gente sempre ganhava, considerado o seu vasto cabedal diante do nosso.  Não entendia a nossa linguagem, a linguagem forense, o trato formal que se via entre advogados e outros operadores do Direito. Nem a conduta de alguns de seus colegas sócios ou de descendentes que, desviando-se dos nobres objetivos dos seus ancestrais fundadores, converteram a instituição num centro de disputa pelo Poder, um poder que pouco pode acrescentar de prestígio ao centenário centro médico, combalido em suas finanças e dividido pela falta de harmonia.  Não consegui encontrar tempo para responder à sua última mensagem. Perdi, assim, uma última chance de um encontro derradeiro e me deliciar com uma pauta em que, por certo, não entraria dinheiro, nem poder, coisas prosaicas e indignas de uma vida que vale a pena ser vivida.  Vá em paz caro Toledo ciente de que deixou muitas saudades entre a companheira, os parentes, os pacientes e os amigos e admiradores como eu, o Guilherme, a Samira. Ciente de que nessa curta passagem por esse planeta, viveu e sentiu a vida possível. Com a visão e o sentimento do poeta, porque sua alma não, não era e não é pequena, na advertência do nosso eterno Fernando Pessoa.

Até mais amigos.

 

sábado, 6 de agosto de 2022

CONTO - SOBRE SOSSEGO E PERNILONGOS

 

Boa noite amigos,


Tinha lá eu, suponho, uns 5 ou 6 anos, década de 50 do século passado. Gostava de frequentar muito a casa de minha tia Carmela, irmã de minha mãe. O imóvel  ficava aqui em Campinas,  na rua Oscar Leite,  Bairro da Ponte Preta, próximo de uma linha de trem que, por sua vez, se situava topograficamente acima do Estádio Moisés Lucarelli. Num dos cômodos da casa, uma espécie de área de serviço, eram acomodados vários objetos, como ferramentas e produtos de limpeza,  dentre os quais uma lata de “veneno” para insetos chamado SOSSEGO. Nessa primeira infância a associação que eu fiz dessa palavra foi, sem dúvida, unicamente com o tal “remédio” contra insetos, especialmente, muitos pernilongos  oriundos do entorno onde o mato crescia e se acumulava, até que a Prefeitura fosse acionada e o setor de serviços urbanos agendasse o corte. Certo dia,  ouvi no rádio tocar uma música, cujos primeiros versos dizia: “Você roubou meu sossego/você roubou minha paz/Com você eu vivo a sofrer/Sem você vou sofrer muito mais/. E pensei logo, cá comigo: - Pra que roubar o “sossego” da mulher. E ainda, dando tratos à bola: - Se lá, na casa dela,  tiver o tanto de pernilongo que tem aqui, a coitada tá ferrada. Hoje me lembrei dessa história e resolvi contá-la. A música, identifiquei tempos depois, se chama Obsessão,  de autoria de Milton de Oliveira e Mirabeau e foi gravada por muitos cantores da época, dentre os quais, Jorge Veiga e Carmen Costa. E, posteriormente, regravada pela inesquecível Clara Nunes, no álbum Esperança, de 1979. Ah,  a segunda e última estrofe rematava: Já não é amor/já não é paixão/o que eu sinto por você/é obsessão/. Tem justificativa: na ocasião, nos sonhos e pesadelos da minha infância, meus maiores problemas estavam nos vilões dos filmes americanos e nos pernilongos, longe, muito longe dos tormentos decorrentes de querelas das paixões dos adultos.

Até mais amigos.

PS: A imagem da coluna de hoje é de uma versão moderna da embalagem do mata insetos SOSSEGO, que ainda existe e resistiu no tempo, coisa que se, por si só,  não atesta a sua eficácia, faz presumi-la, mercê da grande demanda que sustenta o produto no mercado. 


sexta-feira, 15 de julho de 2022

DURANTE AS FÉRIAS

 

Boa tarde amigos,

 

No fundo, bem lá no fundo, sempre acreditei, que estamos sozinhos. Quando aparecemos neste mundo, nem tanto. Há festa. Mamãe, papai, vovós, uma sequência de parentes e amigos que brindam a nossa aparição. Mas, no caminho da vida vamos nos conscientizando de que, apesar dos encontros e desencontros, da partilha, do compartilhamento de sentimentos e situações, no fundo, lá no âmago da nossa alma, ou aura, ou alguma coisa que se acha entranhada  no peito, estamos irremediavelmente sozinhos. Ninguém, absolutamente ninguém, nem nós mesmos, assim como nos entendemos, somos capazes de compreender quem somos na verdade. É o mistério da vida e da raça humana, que surgiu, segundo dizem, há apenas 200.000 anos. Uma mixaria, perto do tempo do universo. Dois milhões de anos estimados para a galáxia. E de não sei mais o que existiu e do que não temos memória, nem estimativa. O grande segredo da vida reside em viver cada dia, simplesmente, enfrentando as suas belezas, desafios ou tristezas.  Tocando em frente, como diz a sábia canção do poeta caipira. Valorizando  os momentos, os amigos, os papos, as situações que se nos oferecem para rir ou chorar, para sentir. Vivendo como quem está de férias. E de bem com a vida. Com amor e valorização a ela e aos outros. 

Amor incondicionado. Sem regras, sem preconceitos, o amor que nos arrebata e nos anima para servir, para ser útil, para compartilhar, para entender, para velar, para sorrir, para abraçar, para ajudar, para acolher. E esperar que do outro lado também consigamos o mesmo entendimento, o mesmo acolhimento, o mesmo amor. Aqui hoje, só senti vontade de repartir com os amigos, os momentos em que, de uma maneira ou de outra, dividi com parentes nesses dias de férias. Fugazes, mas intensos.





Até mais amigos.

 

P.S. (1) Importante na vida é ocupar os espaços. Na imagem n. 1, um triste manequim sem cabeça. Na imagem n. 2, graças a uma combinação familiar, conseguimos preencher o vazio do personagem da loja com a introdução da cabeça simpática do meu neto, para quem deixamos a lição sempre oportuna, de que se o "cavalo passar selado, não deixe ele escapar". Beleza pura! 


Forte abraço sempre.

quinta-feira, 30 de junho de 2022

VAROA OU VIRAGO.


“E o Juiz dirigindo-se ao divorciando indagou: É o senhor o cônjuge varão? O distinto, meio encabulado, respondeu: Não doutor, infelizmente eu sou é o marido traído.”



Boa noite amigos,

Outro dia a opositora de um cliente nosso, não satisfeita com a minuta de redação do acordo que celebramos relativamente à partilha dos bens do casal, discordou das expressões que se referiam a ela como “divorcianda” ou simplesmente “mulher”, pleiteando a substituição por “cônjuge virago”. Pois bem, atendida a exigência, dando tratos à bola, viajei no tempo e fui me recordando das antigas tertúlias de especialistas ou não, a respeito de certas expressões que se tornaram comuns na linguagem coloquial e sua aceitação pelos tradicionais dicionários e regras gramaticais dessa complexa língua portuguesa. Como advogado, atuando com grande ênfase no direito de família, fui me acostumando com palavras até então ignoradas, mas que lia em petições, pareceres, despachos e sentenças. É que, nos processos de desquite, posteriormente de divórcio, era comum ver referência tanto a varão (substantivo masculino para designar o marido), quanto à varoa ou virago, relativas à mulher ou esposa. Em certa ocasião, porém, fui advertido para que não usasse cônjuge virago, mas sempre cônjuge varoa. E a explicação me veio de forma simples e direta: - virago é mulher macho, mulher que tem hábitos masculinos. Daí por diante tentei evitar o seu uso. Agora, novamente instado a alterar a redação, por exigência da parte adversária no processo, para substituir  mulher e divorcianda por cônjuge virago fui consultar os meus dicionários. No volume V do Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa de CAUDAS AULETE, VAROA é registrada  como sinônimo de mulher, fêmea de varão. E no sentido figurativo como mulher esforçada, destemida.  Finalmente, por extensão como Heroína e feminino de varão[1]. E para VIRAGO  como mulher que tem estatura, voz, aspecto, maneiras de homem.[2] Colhe-se de  trecho da obra  MARIA DA FONTE: “Foi a Maria da Fonte a personificação fantástica de uma coletividade de amazonas de tamancos, ou realmente existiu, em corpo e fouce roçadoura, uma virago revolucionária com aquele nome e apelido?[3] Já no Dicionário da Língua Portuguesa de MICHAELIS, o termo VIRAGO, é registrado como (1)   feminino de varão; (2) mulher esforçada, destemida; (3) mulher muito forte e de maneira varonis; marimacho.[4] Acredito, assim, que, a partir de uma praxe equivocada na utilização de virago como feminino de varão,   o léxico passou a ser ampliado para admissão dessa forma como equivalente ao feminino tradicional de varão, embora continue o termo também a se referir ao seu sentido originário, destacado pelos dicionários antigos. O leitor haverá de fazer a distinção unicamente em função do texto e contexto. Por isso o Dr. Paulo Ladeira, em artigo recente (outubro de 2.0020), ressalta, com pertinência, que “Na linguagem forense, “cônjuge virago” é uma expressão usada para designar a mulher do casal, em oposição a cônjuge varão. Note-se que é uma questão que se refere exclusivamente à prática jurídica já que o sentido trazido pelos dicionários (Houaiss, Aurélio, etc.) é outro totalmente diferente, ou seja, o de “mulher com hábitos masculinos”[5]A incorporação, ao léxico, de expressões e sentidos de verbetes desvirtuados pela sociedade, não é fenômeno novo, nem de todo indesejado, na medida em que a língua é um dos importantes elementos culturais de um povo e tem como finalidade basilar facilitar a comunicação.Sou contra, porém, essa flexibilidade generalizada defendida por aqueles que advogam a incorporação, à linguagem culta, de termos coloquiais, como gírias em voga, com data de validade para desaparecer,  e de incorporação, ao léxico, de significados deturpados de sua significação tradicional. É uma discussão interminável, na qual cada lado dispõe de argumentos igualmente válidos e ponderáveis. À minha cara parte contrária, que inspirou esse texto, quero dizer que melhor teria sido deixar os termos mulher e divorcianda, insuscetíveis de outras conotações, do que insistir para substituí-las por cônjuge virago, palavra de sentido dúbio e que, convenhamos, para usar uma expressão coloquial e chula,  é feia pra caralho.

Até mais amigos.

P.S.  A imagem da coluna de hoje foi emprestada de https://vqadvogado.jusbrasil.com.br/artigos/588149243/divorcio-tipos-e-principais-duvidas

 

 

 

 



[1] P. 3756, 4ª. Edição, 1.985, Editora Delta.

[2] Idem, ibidem, p. 3.812.

[3] Camilo Castelo Branco, MARIA DA FONTE, I, P. 21, ed. 1.885.

[4] São Paulo, Companhia Melhoramentos, 5ª. Edição, 2.002.

[5] V. pauloladeira@advocacialadeira.com.  Acesso em 30 de junho de 2.022.

sexta-feira, 17 de junho de 2022

SOBRE DRONES E POMBOS-CORREIO - A AMEAÇA VEM DO CÉU?

 

Boa noite amigos,



Pombo correio/voa depressa/E esta carta leva para o meu amor/Leva no bico/Que eu aqui fico esperando/Pela resposta que é pra saber se ela ainda gosta de mim/. Esses os primeiros versos da canção romântica que Moraes Moreira cantava no final dos anos 70.  Pombos-correio ou pombos-correios, dois plurais considerados igualmente corretos pelos melhores dicionários de língua portuguesa,  são espécies de aves capazes de levar mensagens de um ponto para onde são transportadas para o caminho de volta. Eles sempre voltam para casa. E por via aérea. Os pombos-correios, já se prestavam a essa finalidade cerca de 3.000 anos A.C., no Antigo Egito e reis e rainhas, amigos e inimigos e, especialmente, amantes se serviram deles como transportadores eficientes, leais e especialmente baratos. Aliás, gratuitos, pois nunca se soube que qualquer deles tenha cobrado para executar o serviço. Ao menos em pecúnia. 


Passaram os tempos e o avanço da tecnologia aposentou esse grande protagonista das interlocuções impossíveis ou improváveis, românticas ou não. E agora surgiram os drones, maquinas estranhas que, de forma controlada e com a eficiência de um míssil, cumprem a função de transportar mensagens e objetos no interesse do seu senhor ou dono entre dois pontos: a origem e o destino. Sem dúvida o drone é o sucessor do pombo-correio. Sem beleza, sem naturalidade, sem romantismo e por cima de caráter duvidoso. Não conta com a lealdade e a confiança de seu ancestral. E ainda serve para realizar tarefas ilícitas e escusas, como levar celulares para dentro dos presídios. Acabo de ler numa plataforma digital que, em Uberlândia, enquanto simpatizantes e correligionários de candidatos do PT e do PSD aguardavam um encontro político entre o ex-Presidente Lula e o Prefeito de Belo Horizonte,  um drone sobrevoou o espaço, lançando sobre ele e os presentes fezes e urina. Muita correria e indignação geral foi o resultado dessa merda que caiu do céu e que nada teve a ver com a ira divina ou, até onde se sabe, com o antagonista político ora instalado no Planalto.   Sugiro que façamos um movimento pela volta do pombo-correio. Nem que seja só para cantar como o fazia o saudoso Moraes Moreira: Pombo correio/ se acaso um desencontro acontecer/ não perca nem um só segundo/ Voar o mundo se preciso for/ O mundo voa mas me traga uma notícia boa.  

Até mais amigos.

 

P.S. - A imagem de hoje é de um drone do tipo utilizado em Uberlândia.


domingo, 5 de junho de 2022

CINEMA E LITERATURA - VOLTAR A VIVER - UM CONTO DE LEV TOLSTOI

 

Boa noite amigos,


"NÃO HÁ GRANDEZA ONDE NÃO HOUVER SIMPLICIDADE"  (Lev Tolstoi).


Levado à telona no ano de 1.937, o longa Voltar a Viver, título homônimo do conto de Lev (Leon, Leão, Leo ou Liev) Tolstoi, reputado, ao lado do compatriota, Fiodor Dostoievski, um dos dois maiores escritores russos de todos os tempos, pode ser considerado uma quase autobiografia do autor, tamanha as coincidências entre a sua própria origem, experiências e mutações de pensamento e de condutas, com as do protagonista, Dimitri, jovem de origem nobre que,  submetido aos caprichos da família e dos valores da sociedade soviética do século XIX, começa a refletir sobre o sentido da vida e os fins do Estado e das instituições[1]. No roteiro, os atores, Fredric March e Anna Sten, nos papéis respectivos dos protagonistas, o nobre Dimitri e da campesina, Katusha se reencontram no início da idade adulta para viver a emoção de uma grande paixão. O amor e o casamento entre os jovens se revelam inadequados, senão  impossíveis, para os padrões da sociedade e da monarquia czarista vigente[2].  Dimitri se sente oprimido por ter que reproduzir os papéis sociais que lhe são destinados, especialmente a vedação à prerrogativa de auto-determinar-se ou à proibição de amar a mulher por quem se encantou por ser ela de outra classe social.   Acusada, posterior e injustamente, da prática de um delito, Katusha é condenada.  A prisão e a condenação equivocada da mulher amada,  que ele não consegue reverter, apesar das tentativas desesperadas, leva Dimitri ao sacrifício de renunciar a todos os seus bens materiais[3] e aos valores da sua casta social e, assim,  apresentar-se à amada, despido de qualquer bem ou valor da nobreza, para se comprometer a com ela experimentar uma vida nova futura, baseada na simplicidade, na liberdade, na igualdade entre os homens, no amor e no respeito a Deus e aos valores espirituais.  O escritor dos afamados Guerra e Paz (1877) e Anna Karenina (1869), no conto, Voltar a Viver, já revela a saga de vida  que vai convertê-lo, mais tarde, em  implacável pacifista, condenando todos os meios de opressão individual ou estatais, sobretudo as guerras (na da Criméia, serviu como 2º Tenente do Exército Russo). Seus argumentos, elaborados  com sensível engenho e fervorosa crença de que correspondiam efetivamente a uma vida baseada na ética, na paz social e na justiça,  foram fonte de inspiração para a construção da doutrina de Mahatma Gandhy, na Índia. Agora, distante do tempo em que escreveu o conto que deu origem ao filme, Tolstoi, nos últimos anos de sua vida, abandonou a vida social e familiar, dedicando-se a escrever compulsivamente, pregando, de forma cada vez mais radical, os valores nos quais acreditava[4], quais sejam, a vida simples, desprovida de bens materiais, o vegetarianismo, o cristianismo ascético, voltado para a castidade e a abstinência sexual, condenando a existência e intervenção de qualquer Estado, a cobrança de impostos, a propriedade privada e a apropriação da terra pelo Estado e pelos poderosos. Decidiu, por fim, recolher-se a um mosteiro, acompanhado por uma filha e um criado. No caminho dessa viagem, porém, caiu doente e faleceu de pneumonia no dia 20 de novembro de 1.910, na cidade de Astopovo, ainda em solo russo. Para o ano em que o filme foi rodado (1.937), em branco e preto, nos seus 81 minutos de duração, a qualidade das imagens e da  sonoplastia são bastante razoáveis e o DVD (acredito que é a única fonte disponível no momento) oferece versões em espanhol e em inglês e legenda em português. O meu DVD consta de uma coleção (edição especial limitada) batizada de “Os Mestres da Literatura”  com outros dois filmes: A Dama das Camélias (do romance de Alexandre Dumas) e Os Assassinos, do ótimo Ernest Hemingway, todos à disposição dos amigos.

Forte abraço.



[1] Aqui uma das famosas frases do autor, referindo-se à opressão do Estado sobre o súdito, maior quanto mais se encontrar este na escala da importância institucional: “É o destino imutável de todos os atores ativos que, quanto mais altamente colocados estiverem na hierarquia humana, menos livre serão.”

[2] A monarquia absolutista Czarista (tzar, em russo, imperador) durou de 1.547 a 1.917, quando ocorreu a Revolução Russa e era fundamentada no poder absoluto do Imperador, que se confundia com o próprio Estado e nos ensinamentos da Igreja Ortodoxa.

[3] Aos 82 anos Tolstoi também renunciou a todos os seus bens materiais, incluindo os seus direitos autorais sobre as obras até então escritas e publicadas.

[4] O anarquismo que defendia chega, enfim, no campo da religião. Tolstoi resolveu reescrever a Bíblia à sua maneira e aderiu ao Georgismo, filosofia econômica de Henry George, adesão que deixa mais explícita no seu último romance, Ressurreição, de 1.899.