domingo, 5 de junho de 2022

CINEMA E LITERATURA - VOLTAR A VIVER - UM CONTO DE LEV TOLSTOI

 

Boa noite amigos,


"NÃO HÁ GRANDEZA ONDE NÃO HOUVER SIMPLICIDADE"  (Lev Tolstoi).


Levado à telona no ano de 1.937, o longa Voltar a Viver, título homônimo do conto de Lev (Leon, Leão, Leo ou Liev) Tolstoi, reputado, ao lado do compatriota, Fiodor Dostoievski, um dos dois maiores escritores russos de todos os tempos, pode ser considerado uma quase autobiografia do autor, tamanha as coincidências entre a sua própria origem, experiências e mutações de pensamento e de condutas, com as do protagonista, Dimitri, jovem de origem nobre que,  submetido aos caprichos da família e dos valores da sociedade soviética do século XIX, começa a refletir sobre o sentido da vida e os fins do Estado e das instituições[1]. No roteiro, os atores, Fredric March e Anna Sten, nos papéis respectivos dos protagonistas, o nobre Dimitri e da campesina, Katusha se reencontram no início da idade adulta para viver a emoção de uma grande paixão. O amor e o casamento entre os jovens se revelam inadequados, senão  impossíveis, para os padrões da sociedade e da monarquia czarista vigente[2].  Dimitri se sente oprimido por ter que reproduzir os papéis sociais que lhe são destinados, especialmente a vedação à prerrogativa de auto-determinar-se ou à proibição de amar a mulher por quem se encantou por ser ela de outra classe social.   Acusada, posterior e injustamente, da prática de um delito, Katusha é condenada.  A prisão e a condenação equivocada da mulher amada,  que ele não consegue reverter, apesar das tentativas desesperadas, leva Dimitri ao sacrifício de renunciar a todos os seus bens materiais[3] e aos valores da sua casta social e, assim,  apresentar-se à amada, despido de qualquer bem ou valor da nobreza, para se comprometer a com ela experimentar uma vida nova futura, baseada na simplicidade, na liberdade, na igualdade entre os homens, no amor e no respeito a Deus e aos valores espirituais.  O escritor dos afamados Guerra e Paz (1877) e Anna Karenina (1869), no conto, Voltar a Viver, já revela a saga de vida  que vai convertê-lo, mais tarde, em  implacável pacifista, condenando todos os meios de opressão individual ou estatais, sobretudo as guerras (na da Criméia, serviu como 2º Tenente do Exército Russo). Seus argumentos, elaborados  com sensível engenho e fervorosa crença de que correspondiam efetivamente a uma vida baseada na ética, na paz social e na justiça,  foram fonte de inspiração para a construção da doutrina de Mahatma Gandhy, na Índia. Agora, distante do tempo em que escreveu o conto que deu origem ao filme, Tolstoi, nos últimos anos de sua vida, abandonou a vida social e familiar, dedicando-se a escrever compulsivamente, pregando, de forma cada vez mais radical, os valores nos quais acreditava[4], quais sejam, a vida simples, desprovida de bens materiais, o vegetarianismo, o cristianismo ascético, voltado para a castidade e a abstinência sexual, condenando a existência e intervenção de qualquer Estado, a cobrança de impostos, a propriedade privada e a apropriação da terra pelo Estado e pelos poderosos. Decidiu, por fim, recolher-se a um mosteiro, acompanhado por uma filha e um criado. No caminho dessa viagem, porém, caiu doente e faleceu de pneumonia no dia 20 de novembro de 1.910, na cidade de Astopovo, ainda em solo russo. Para o ano em que o filme foi rodado (1.937), em branco e preto, nos seus 81 minutos de duração, a qualidade das imagens e da  sonoplastia são bastante razoáveis e o DVD (acredito que é a única fonte disponível no momento) oferece versões em espanhol e em inglês e legenda em português. O meu DVD consta de uma coleção (edição especial limitada) batizada de “Os Mestres da Literatura”  com outros dois filmes: A Dama das Camélias (do romance de Alexandre Dumas) e Os Assassinos, do ótimo Ernest Hemingway, todos à disposição dos amigos.

Forte abraço.



[1] Aqui uma das famosas frases do autor, referindo-se à opressão do Estado sobre o súdito, maior quanto mais se encontrar este na escala da importância institucional: “É o destino imutável de todos os atores ativos que, quanto mais altamente colocados estiverem na hierarquia humana, menos livre serão.”

[2] A monarquia absolutista Czarista (tzar, em russo, imperador) durou de 1.547 a 1.917, quando ocorreu a Revolução Russa e era fundamentada no poder absoluto do Imperador, que se confundia com o próprio Estado e nos ensinamentos da Igreja Ortodoxa.

[3] Aos 82 anos Tolstoi também renunciou a todos os seus bens materiais, incluindo os seus direitos autorais sobre as obras até então escritas e publicadas.

[4] O anarquismo que defendia chega, enfim, no campo da religião. Tolstoi resolveu reescrever a Bíblia à sua maneira e aderiu ao Georgismo, filosofia econômica de Henry George, adesão que deixa mais explícita no seu último romance, Ressurreição, de 1.899.

Nenhum comentário:

Postar um comentário