quarta-feira, 24 de junho de 2020

TEACHER, PARABÉNS!



Bom dia amigos,

Imagem emprestada de Mega Curioso.
Este conto foi escrito há algum tempo, quando a gente podia sair, respirar o ar das manhãs, sentir a liberdade de correr pelas ruas, cumprimentar todos os que encontrávamos pelo caminho, sem máscaras, sem medo, sem medir distância.. Resolvi hoje postar esse conto, que não está em nenhum dos meus livros, como forma de enganar a tristeza e a melancolia e, sobretudo, um jeito possível de saudar os amigos nesses tempos e lembrá-los de que nos resta mais do que nunca paciência e  a esperança de que tudo vai passar e de que um dia voltaremos a nos encontrar sem medo, resgatando o gesto  mais autêntico  de manifestação de carinho, amor e amizade que nutrimos uns pelos outros e reciprocamente: um saudoso, caloroso, demorado e destemido abraço!



"Mais de 40 anos exercendo, dentre outras atividades, a minha  amada docência é algo de que me orgulho. Não fiz pedagogia, não tenho formação específica na área, mas, como é comum em cursos de Direito e Medicina, por exemplo, os docentes são escolhidos não pelo seus dotes pedagógicos, mas pelo seu presumível conhecimento e experiência na área específica. E se tiver algum dom de comunicação, algo assim intuitivo, demonstrar certa empatia pela disciplina, carreira e pelos alunos, a coisa, em regra, fica bem resolvida. Do contrário, haverá um movimento para mandá-lo para casa, ou para o escritório, o Fórum, o Ministério Público ou à UTI de algum hospital público. Assim é a vida na universidade brasileira. Não posso me queixar da minha trajetória na docência universitária. Sempre demonstrei muito compromisso com a disciplina e o aprendizado efetivo dos alunos, revelando os segredos da profissão e  alardeando a necessidade de envolvimento, caráter, disciplina, honestidade, ética e comprometimento. Os alunos que não são bobos nem nada, sentiam a minha franqueza e  sinceridade no que tentava lhes transmitir.   Minhas atividades paralelas, como advogado e  Magistrado, depois aposentado, mostravam certa  coerência com o discurso. E é isso que o jovem quer. É isso que ele sente, pressente e retribui, tenham certeza. Mas o assunto do “causo” não é esse. Vinha eu, certo dia de semana, voltando do Shopping Iguatemi aqui em Campinas. Paguei o cartão do estacionamento e me dirigi para uma das portas do andar térreo, que me projetava para a área externa, onde se situam as entradas de dois restaurantes, um italiano, ora em reforma, outro o tradicional Outback. Neste último, naquela época existia uma área externa, onde costumavam acomodar grupos numerosos que  marcavam comemorações de várias espécies. Era disso que se tratava naquele dia. Uma grande mesa reunia muitas pessoas, de diversas idades, a maioria absoluta de mulheres. Ao sair pela porta de acesso e olhar de lado para o restaurante, observei que o pessoal mostrou alguma agitação e uma das senhoras se levantou e em altos brados começou uma saudação: Oi Teacher. Parabéns Teacher. Não era meu aniversário, mas imaginei que os parabéns tinham outra conotação. Abri logo um vasto sorriso para aquela platéia e fui me aproximando com gestos de agradecimento efusivos. Fui tentando reconhecer aqueles rostos que me pareciam de alunos do passado, de pelo menos uns 10 ou 15 anos atrás. Não consegui identificar naquele momento ninguém em especial. As pessoas passaram a sorrir para mim, mas a coisa estava meio esquisita. Foi quando notei que a comemoração não era para mim e sim para uma senhora que  saíra imediatamente atrás de mim por aquela porta e que era a professora de inglês,  fazia aniversário e estava sendo saudada pelos seus alunos. Virei para trás e me desculpei com a docente. Ela sorriu com elegância e complacência. Expliquei que eu também era professor de mais de 4 décadas e que, imprudente, achei que se tratava de algum evento dirigido a mim por alunos com os quais sempre tive bom relacionamento e que, em muitas oportunidades, cometiam a delicadeza de me saudar, de me homenagear.  A docente se mostrou compreensiva. Os alunos também. Desculpei-me e tratei de “puxar o carro”. O pessoal me convidou para ficar, comer um pedacinho de bolo, tomar uma coca-cola. Agradeci demonstrando gratidão pela compreensão de minha falha. Aliás, eu devia ter desconfiado. Nunca fui bom em inglês. Não havia razão para que cantassem o “parabéns a você” na língua de Shakeaspeare e de Elton John. Ainda se fosse em latim, algo assim como “res inter allios acta” ou "quod abundat non nocet". Aviso aos navegantes: se alguém vier de frente e abrir aquele sorriso, levantar os braços e demonstrar aquela grande satisfação em te encontrar, olhe para trás para ter certeza que não vem ninguém, no caso o real destinatário dessa manifestação. Senão, você corre o risco de abrir os braços e abraçar o vento, vendo o interlocutor passar por você, te ignorar e se dirigir ao cidadão que caminha, em fila indiana, às suas costas. Afinal você não está sozinho no mundo. E nem é o único cara legal  para quem as pessoas sorriem e querem abraçar quando encontram, né!   Chato né? Me senti meio besta, meio cabotino.


P.S. "Se eu pudesse te abraçar com toda a força e a intensidade do meu afeto eu lhe quebraria todos os ossos"