sábado, 21 de abril de 2018

MORRE NO RIO, NELSON PEREIRA DOS SANTOS, UM DOS NOSSOS MAIS IMPORTANTES CINEASTAS E INTELECTUAIS

Boa noite amigos,

Nelson Pereira dos Santos em fotografia recente. Imagem

emprestada de Jornal do Comércio Uol.com.
O Brasil perde hoje, perdemos todos nós hoje, amantes da cultura e da arte, uma grande personalidade, um dos nossos mais expressivos e importantes cineastas. Aos 89 anos, Nelson Pereira dos Santos faleceu no Rio de Janeiro, deixando um legado extremamente relevante para o cinema nacional, que ele amou desde a infância, quando acompanhava os pais em sessões de cinema e já se interessava pela magia da sétima arte. O nome de Nelson está ligado inexoravelmente ao cinema novo, como um de seus precursores. Estudioso e dedicado, Nelson, a exemplo dos artistas liberais deste país, e como outros de sua geração, teve seu trabalho muitas vezes interrompido e censurado pela ditadura militar.
Subsistiu, porém, íntegro e integral a ela, nos legando preciosidades como Rio Quarenta Graus (1.955), Rio Zona Norte (1.957), Como Era Gostoso o Meu Francês (1971), Vidas Secas (1963), Tenda dos Milagres (1.977) e Memórias do Cárcere (1.984),  este baseado na obra homônima do grande Graciliano Ramos, sem dúvida  a sua obra-prima. Lembro perfeitamente como o filme me impressionou na minha mocidade, quando o cinema era até então, para mim,   um  mero e descompromissado meio de entretenimento apenas. 

Arduino Colassanti e Ana Maria Magalhães, nos papéis do

francês e da índia, protagonistas do excelente Como Era
Gostoso o Meu Francês, uim dos bons filmes do cineasta.
Acho que esse filme foi um marco na minha vida, mudando completamente a minha visão de cinema e especialmente do cinema intenso, engajado, comprometido com a nossa história, cultura e  literatura e as discussões políticas relevantes do país. Aos meus amigos mais jovens, de uma geração que não conheceu a obra de Nelson, quero dizer que se trata de um intelectual da mais alta expressão para a nossa cultura e a nossa memória. Imortal pela Academia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira que, no passado, foi do nosso poeta Castro Alves, Nelson Pereira dos Santos ainda assinou, antes de nos deixar, uma verdadeira relíquia, qual seja, o delicado filme A Música segundo Tom Jobim (2.012), uma das cinebiografias de outro monstro sagrado que ele tanto admirava: o Maestro, Músico e compositor, Antonio Carlos Jobim

Cartaz de promoção publicitária do filme

Memória do Cárcere, obra-prima do-
cineasta, baseada no livro de Graci-
liano Ramos.
Ave Nelson! Sua morte não nos retira, antes reafirma, a expectativa de que sua obra continue  a inspirar  as novas gerações de cineastas a pensar e realizar  um cinema verdadeiramente comprometido com a realidade dura e crua de nossa sociedade e com a altivez de um povo que aprendeu e aprende, nos revezes por que passa, a descobrir a sensível necessidade de se envolver politicamente  para manter viva a chama da esperança de que tenhamos, um dia qualquer no futuro, uma sociedade minimamente ética, justa e solidária.


Até amanhã amigos.


P.S. (1) O ator Carlos Vereza foi o protagonista do filme Memórias do Cárcere, vivendo, no cinema, Guimarães Rosa, preso durante 10 meses no Presídio da Ilha Grande,  sob a acusação infundada de que era comunista. O livro, que ficou inacabado pois Rosa morreu antes de conclui-lo é uma denúncia das condições daquele presídio e do despotismo da ditadura Vargas;

P.S. (2)   O filme está entre os nacionais que levaram aos cinemas mais de um milhão de espectadores. Com um elenco vasto e de qualidade, entre eles a ótima Glória Pires, vivendo na tela a mulher de Guimarães,  o longa tem 185 minutos de duração.

segunda-feira, 16 de abril de 2018

A MORTE - CRENÇAS E RITUAIS DAS RAÇAS ANTIGAS E A PÓS MODERNIDADE

Boa noite amigos,


Caveirinhas de açucar - Dia dos Mortos no México. 
Imagem emprestada de Galeria de Fotos Windows
Ontem falamos sobre a animação Coco (Viva: A Vida é uma Festa), baseada na cultura mexicana e nos festejos tradicionais do Dia de los Muertos. A morte e a existência ou não de outra vida para além da terrena, sempre constituíram, para todas as gerações, um mistério, que cada civilização resolvia à sua maneira e segundo suas crenças. No livro A CIDADE ANTIGA, um clássico do historiógrafo Fustel de Coulanges,  pequenos trechos que destaquei, nos dão ideia de que é muito antiga a crença de que os mortos vivem uma segunda vida debaixo da terra, próximos de seus amigos e familiares, e conservam corpo e alma, pelo que precisam, além dos rituais, das mesmas necessidades dos vivos e da lembrança permanente de seus familiares para não desaparecer de vez, como se viu na bela animação, fiel à tradição mexicana.

Vamos lá para conferir:


Katrina - personagem que representa a morte na cultura
mexicana. Imagem emprestada de Galeria de Fotos
Windows.
Por muito que remontemos na história da raça indo-européia, de que as populações gregas e itálicas descendem, notamos não ter esta raça acreditado que tudo se acabasse com a morte, para o homem, depois desta curta vida. As mais antigas gerações, muito antes ainda de existirem filósofos, acreditam já em uma segunda existência passada para além desta nossa vida terrena. Encaravam a morte, não como decomposição do ser, mas como simples mudança de vida.”  (p. 7)[1]

O Paraíso acima das nuvens habitado por deuses
e pelos mortos que o merecessem só foi conce-
bido lá no alto, acima das nuvens, pela civi-
lização grega.  Caricatura emprestada de Can  Stock
Photos.com.

“Desta crença primitiva surgiu para o homem a necessidade de uma sepultura. Para a alma se fixar na morada subterrânea destinada a esta segunda vida, impõe-se, igualmente, que o corpo, ao qual a alma está ligada, seja coberto de terra. A alma que não tivesse o seu túmulo não teria morada. Era errante.”  (p. 9/10)

“Havia troca perpétua de bons serviços entre os vivos  e os mortos de cada família. O antepassado recebia de seus descendentes a série de refeições fúnebres, únicos prazeres usufruídos na sua segunda vida. O descendente alcançava do seu antepassado o auxílio e toda a força de que necessitava. O vivo não podia passar sem o morto, nem este sem aquele. Por este motivo, poderoso laço se estabelecia unindo todas as gerações de uma mesma família, fazendo dela um corpo eternamente inseparável.  Cada família tinha o seu túmulo, onde os seus mortos repousavam juntos, um após outro. Todos os do mesmo sangue deviam ser enterrados ali, com exclusão de toda e qualquer pessoa de outra família. Ali se celebravam as cerimônias e se festejavam os aniversários. Cada família julgava ter ali os seus sagrados antepassados. Em tempos muito antigos, o túmulo estava no próprio seio da família, no centro da casa, não longe da porta, “a fim de que” cita um antigo, “os filhos, tanto ao entrar como ao sair de sua casa, encontrem sempre a seus pais, e, de que cada vez que o façam, lhes dirijam uma invocação.” (p. 30/31).

Caricatura - A Morte Pede Carona. Imagem emprestada
de Depositphotos.com.
Nenhuma religião, nenhuma seita, nenhum culto acredita hoje que o corpo continuaria vivo e encerrado junto com a alma, quando a pessoa morre. No mesmo sentido, pode-se afirmar quanto à suposição da existência de  uma segunda vida, debaixo da terra, dentro da sepultura, assim como que os mortos teriam necessidade de alimentação e bebida para continuarem a existir ali, próximos de seus entes queridos. Apesar disso, continuamos a reproduzir os rituais e os costumes dessas raças antigas, sem que tenhamos consciência de seu significado e muito menos da razão pela qual agimos assim. Alguém já se perguntou por que enterramos nossos mortos? Já nos demos conta de que precisamos fazê-lo numa sepultura? Que essa sepultura recebe, em regra, as pessoas de uma mesma família, excluindo outros? Por que razão os corpos são colocados em um caixão que é fechado e depois enterrado? Essa prática, convenhamos, só tem sentido se acreditarmos, como eles, que é nessa sepultura, debaixo da terra, que o morto passará a viver uma segunda vida. E se não chegamos a levar alimentos e bebida para o cemitério, muitos costumam enterrar com os seus entes queridos, um ou mais objetos que o defunto gostava, usava ou precisava durante a vida.

Curioso, não?

Até mais amigos,













[1] CIDADE ANTIGA, FUSTEL DE COULANGES, Tradução de Fernando de Aguiar, 4ª. edição, 2ª. tiragem, 2.000:  São Paulo,  Editora Martins Fontes.

domingo, 15 de abril de 2018

CINEMA E CULTURA: VIVA: A VIDA É UMA FESTA

Boa noite amigos,

Imagem do filme retratando um dos momentos de Miguel,
o Protagonista, em sua viagem para o mundo dos Mortos.

A animação computadorizada norte-americana COCO, que no Brasil foi batizada de VIVA: A VIDA É UMA FESTA é mais uma produção bem sucedida da parceria PIXAR ANIMATION STUDIOS e WALT DISNEY STUDIOS MOTION PICTURES. Fruto de longa pesquisa dos diretores e roteiristas Lee Unkrich (Toy Story 3) e Adrian Molina, que se debruçaram durante três anos  sobre a cultura mexicana e as peculiaridades e tradições de sua comemoração ao famoso Dia dos Mortos, e, unindo temas sensíveis como família, amor, memória e música, o resultado final é surpreendente, capaz de sensibilizar pessoas de todas as idades. No roteiro, o protagonista,  Miguel, um menino de 12 anos apaixonado por música e instrumentos musicais, tenta entender e escapar da família, que não aceita e o proíbe de se dedicar à sua vocação. Inconformado, ocasionalmente acaba atravessando a ponte que o leva do mundo dos vivos,  ao mundo dos mortos, no dia de comemoração a estes. 
Cena do filme Coco (Viva: A Vida é uma Festa. Sucesso de
crítica e de bilheterias. Merecidamente.
No mundo do além, é preso, mas foge buscando encontrar seu tataravô, que os parentes vivos riscaram da memória e dos cultos, sob alegação de que teria ele optado, em vida, pela carreira de músico e cantor, abandonando mulher e filha, ainda pequena.  A trilha sonora é tocante com as canções compostas por Michael Giacchino,  com destaque para as várias versões e interpretações do clássico “Lembre de Mim”, em português e espanhol (no original em inglês e espanhol). Na era da tecnologia digital, que, sem dúvida, facilita e  beneficia o gênero, rico de  boas produções como Rio e Rio 2, o filme é  uma preciosidade,  misturando cores, vinhetas, imagens, num roteiro interessante e enredo respeitoso, logrando a difícil tarefa de, sem deturpar  costumes e tradições,  verdadeiramente emocionar os espectadores. Não deixe de ver.

Até mais amigos,

Foto do meu celular tirada em 
outubro de 2.017, no Epcot Center
em Orlando, Flórida, Estados -
Unidos: adereços retratando
a festa e personagens do
Dia dos Muertos no México.

P.S. (1) Lembre de Mim, na versão nacional do filme, é cantada por Arthur Salerno e Maria do Carmo Soares. A versão é da tradicional  canção mexicana, Recuerdame (em inglês, Remember Me). Rogério Flausino também interpreta a canção e todos esses vídeos estão disponíveis no youtube.

P.S. (2) No México, a festa do chamado Dia de Muertos é, ao contrário do que acontece no Brasil, uma data extremamente festiva, uma das maiores comemorações do país,  que começa no dia 31 de outubro e termina na noite do dia 02 de novembro, embora possa ser esticada até os dia 3 e 4;
P.S. (3) As almas, segundo a cultura mexicana, vão para um lugar melhor e a morte faz parte da vida e não deve ser lamentada, senão celebrada. Antigamente os mortos eram enterrados no terreno onde ficava a residência da família, como uma maneira de conservá-lo próximo  e de demonstrar proteção e carinho. Hoje tal tradição não é mais possível. Nem por isso os sentimentos deixam de ser manifestados. E de forma alegre e positiva. No dia dos mortos, as famílias se dirigem ao cemitério, num ritual luminoso e festivo, levando as coisas que o morto gostava em vida, especialmente comidas e objetos. Lá cantam, dançam e muitos desenterram e limpam os ossos do defunto estimado, como forma de demonstração de carinho. 
Caveira fotografada pelo meu

celular na ala referente aos paí
ses (México) do Epcot Center. 
Referência em destaque ao
Dia dos Muertos. 

P.S. (4) Visita que não pode deixar de ser feita, quando se vai a Orlando, nos Estados Unidos: No Epcot Center, na parte destinada aos países, você deve entrar na ala mexicana. Ali você faz uma viagem encantadora, de barco, por réplicas de lugares do país e suas tradições. Algo que ficou na minha memória foi o fato de que lá, apenas lá, me encontrei com o Zé Carioca, o personagem brasileiro de Walt Disney, totalmente ignorado em todos os pontos dos parques de Orlando. No mundo mexicano retratado no Epcot americano, além da aprazível viagem pela noite enluarada, você pode adquirir muitos produtos relacionados com o famoso Dia dos Muertos. Alguns eu fotografei.