Boa noite amigos,
Cena do belo filme francês O Velho e a Criança, de Claude
Bernier, focalizando a amizade entre um velho e um menino,
durante a Segunda Guerra Mundial. Imagem emprestada
de diarioliberdade.
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Escrevi este conto, baseado em
história real, vivenciada ainda recentemente, aqui em Orlando, nos Estados Unidos, onde me encontro com alguns familiares,
passando férias, mas as impressões e interpretações, evidentemente, são exclusivamente minhas.
"O olhar do velho era de
encanto e ternura. O do menino, de apenas quatro anos, de interrogação e impaciência. Foi a segunda
vez que repreendia o velho, lembrando-o da promessa que ele tinha feito na
véspera. O velho, no entanto, não se lembrava. Não tinha mais vésperas, não tinha passado. A memória, brilhante em
outros tempos, o abandonava gradativamente. Tudo era novo, de novo, a cada novo
dia, a cada hora, quiçá a cada minuto.
Seu semblante, no entanto, denotava uma tranquilidade profunda. Não havia mais
projetos a realizar, e o futuro, como um todo, se traduzia num imenso vazio. A inconsciência do passado,
ao menos não o atormentava mais. Erros, omissões, pecados, culpa, se perdiam no
buraco negro e profundo do universo. Um universo que conspirava agora contra a
sua própria identidade, do que ele nem sequer suspeitava, porque tudo era novo
e surpreendente, positiva ou negativamente. O menino, porém, não se
importava. Rápido no raciocínio,
privilegiado pela memória, reproduzindo termos de repreensões que ele próprio ouvira, várias
vezes, dos pais ou avos, sem saber exatamente o sentido deles, insistia na firme cobrança da promessa,
ignorando que era ele a única promessa entre os dois. A
promessa de um adulto de futuro brilhante, se a sorte, essa condição danada e
incontrolável da existência humana, lhe sorrisse. Faltava-lhe, na aurora da vida, a compreensão
do tempo e sua curva, da própria vida humana como ela se apresentava na
história da humanidade. O avô do menino
olhava tudo a curta distância, mas sem interferir
no diálogo. O velho, mais velho do que o
avô do menino, tinha sido - e ainda era, embora não o soubesse - um grande
amigo do avô do menino. Querido amigo. O avô então se aproximou, tomou a criança em seus braços e explicou,
ternamente, que o velho não se lembra de
coisas, de pessoas, muito menos de promessas feitas. Às vezes podia acontecer
de não saber nem quem era ele mesmo, ou algum amigo, ou familiar querido. O
menino mostrou surpresa e interesse na explicação do avô. E esperto,
como era, logo entendeu a mensagem. O avô completou, afirmando que o menino deveria
ajudá-lo, porque ele era mais jovem, mais forte e tinha uma memória muito boa.
Ele explicou que as pessoas, quando já envelhecidas e atingidas por doenças,
precisam ser entendidas, respeitadas e ajudadas. O garoto acreditou nas
verdades que o avô disse. O avô não dizia mentiras. O avô queria, mas não podia
explicar a seu neto que ele próprio pouco sabia da vida. E que repetia, nos
seus discursos de formatura, aos alunos da academia, a célebre frase do
escritor Jorge Luis Borges: “não sabemos
se nascemos para o conhecimento ou para o esquecimento”. E que a vida e a morte eram enigmas que nunca
foram explicados de forma a permitir apreensão pela razão humana. A cara do menino logo
mudou de semblante. Em lugar de impaciência e arrogância surgiu um rosto
plácido e um sorriso amistoso. E ele não cobrou mais o cumprimento da
promessa. Então chegou a meia-noite e as
sirenes anunciaram a chegada do ano novo.Todos se confraternizaram. E o velho e
o menino, os dois extremos da vida, também brindaram um com o outro. O velho
com uma taça de champanhe que lhe deram, com a ordem de ingerir apenas um gole.
O menino, com um copo de leite que ele tinha escolhido, investido no seu pleno
exercício do livre e precoce arbítrio. E
o amor fraterno reinou naquela sala, naquela noite, entre velhos e moços,
homens e mulheres, crianças e adultos, afastando, por momentos, as diferenças, a incompreensão, o desencontro
e a sensação de solidão que cada ser humano experimenta e carrega, por vezes, neste mundo."
P. S. (1) Que num futuro qualquer, a humanidade caminhe para o respeito, a confraternização e a solidariedade de que é tão reconhecidamente carente, entre povos e pessoas, nessas eras da chamada civilização.
P.S. (2) Essa é boa: "A criança diz o que faz, o velho diz o que fez e o idiota o que vai fazer."
(Barão de Itararé).
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