Meus caros,
Pintura retratando com fidelidade e competência
o filósofo e escritor espanhol, Ortega y Gasset.-
Imagem emprestada de www.viagemlenta.com.
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Outro dia, numa das minhas viagens mentais pelo passado, me lembrei de uma afirmação do penalista
ANÍBAL BRUNO, o qual, discorrendo sobre o fundamento da sanção penal considerava
ser bastante para justificá-la a “ilusão do livre arbítrio”. E há de se
convir que a explicação é conveniente, "quebra todos os galhos" e não entra em
seara filosófica nenhuma. Certamente, o dogma resolve a
questão do ponto de vista operacional, pois a convivência em sociedade exige de cada cidadão a
abstenção da prática de atos que ofendam a honra, a dignidade, a indenidade e o
patrimônio de cada um dos integrantes daquela coletividade, vendo-se, na transgressão, culpabilidade para punir o agente, baseada na crença da possibilidade de conduta diversa[1]. Filosoficamente, no entanto, a polêmica
continua e não há mais quem possa sustentar a ocorrência cem por cento, de cada
uma das vetustas teorias, a dirigir ou presidir a vida humana. Não pedimos para
nascer e não temos como evitar a morte, cedo ou tarde. Sobre esses dois
extremos da vida humana, não temos qualquer livre arbítrio. Em todas as
situações em que circunstâncias subjetivas ou objetivas, excluem a chamada
conduta diversa, o livre arbítrio fica igualmente excluído ou comprometido,
assim como a Ética fundada numa moral que supõe fundamentalmente escolha entre duas ou mais condutas. O “sou
eu e minha circunstância” do grande filósofo espanhol Ortega y Gasset ilustra o feixe de condicionantes de ordem subjetiva e objetiva, interferindo no comportamento humano, condicionantes de quem ninguém, em sã consciência, pode duvidar[2]. E o que dizer, então, da herança genética e sua
importância preponderante, cada vez mais a ditar as várias espécies de
“insanidade mental”, como a civilização batiza pensamentos e comportamentos
excêntricos em relação aos “padrões” de normalidade?[3] Agora a neurociência tem estabelecido novos
parâmetros para a liberdade humana, colocando em xeque a noção clássica de culpabilidade.[4] Quando
visitou o Brasil o Papa Francisco foi questionado sobre o
fato de ter se unido à multidão, driblando imprudentemente o aparato de
segurança. E sem pestanejar, tentando justificar a sua conduta mandou um clichê sobre o qual não deve ter
refletido: - Ninguém morre na véspera. Ora, se não se morre na véspera, temos um
dia certo para morrer. E nada do que fizermos durante a trajetória, vai mudar o
dia da nossa morte. Então é o Chefe do Vaticano fazendo apologia do
determinismo? Mas determinismo e pecado não combinam. E aí? Nietzsche ao criticar toda a produção filosófica anterior ao
iluminismo, contestou os lógicos e a
base de sua fundamentação. A afirmação cartesiana
do Penso
logo existo, para o filósofo alemão não é uma constatação válida,
pois nada indica que sou eu que
penso ou se é o pensamento que se impõe
a mim. “Um pensamento vem
quando “Ele” quer, não quando “Eu” quero”.[5]
Certo? Errado? Sei lá. Sei lá também
porque me veio toda essa questão, nem porque resolvi escrever a respeito. Ah! Acho que sei sim. Estava lembrando de uma piada que me contaram semana passada: “O
marido no restaurante, ao lado da esposa de 40 anos de vida em comum, depois de
sorver 3 garrafas grandes de cerveja, com o copo ainda cheio e os olhos
distantes diz em alto e bom som: Eu te amo, eu te adoro, eu não vivo sem
você. A esposa ergue a sobrancelha direita, olha de soslaio para as
mesas no entorno com um ar de desculpa, e num gesto de desconfiança e censura,
sem dó, nem piedade, manda essa no ouvido do marido - Eu já não sei a esta altura se é você quem está falando, ou se é a
cerveja. Ao que o distinto, também sem dó, nem piedade, respondeu: - Não estou
falando com você. Estou falando com a cerveja.”
Bom final de semana
meus amigos.
P.S. (1) Enquanto o mundo gira, as ciências antigas e modernas tentam explicar os mistérios da vida e da morte, vamos tomando a nossa cervejinha, acreditando que o fazemos no pleno exercício do livre arbítrio, longe dos olhares censores da patroa, se possível, e das advertências do médico de plantão. E ainda fazendo apologia do tal princípio da autodeterminação.
[1] "De maneira mais ou menos pacífica,
juristas e filósofos sustentam que a finalidade do Direito é a paz social e não
a realização da Justiça, porque esta, enquanto valor etéreo e absoluto, só pode existir no plano ideal, jamais
passível de redução a uma unanimidade, em situação concreta.
[2] “Desde que publicou as Meditações
do Quixote Ortega y Gasset entende circunstância como parte da realidade
pessoal. Nos livros de El espectador amadurece o conceito de circunstância que
usará nos últimos trabalhos das décadas de quarenta e cinquenta. A mudança
significa a ampliação do sentido para além das sugestões da Biologia. O
conceito alargado nos livros de El espectador inclui o entorno ao eu, isto é, o
meio exterior e as características do organismo: tanto físicas quanto
psicológicas que envolvem o eu. Circunstância passa a ser tudo o que rodeia o
eu: a realidade cósmica, a corporalidade, a vida psíquica, a cultura em que se
vive, nela incluída também as experiências acumuladas no tempo . Ortega y
Gasset denominará habitação a circunstância que o eu reconhece como seu
ambiente familiar. Edmund Husserl já denominara Uexküll a este entorno
reconhecido pelo eu, mas para o alemão o entorno tinha um caráter restrito ao
temporal. Apesar de próximo do proposto por Husserl, o conceito orteguiano é
mais amplo”. O conceito de
circunstância em Ortega y Gasset - José
Mauricio de Carvalho Universidade Federal de São João Del-Rei.
<.https://periodicos.ufsc.br/index.php/revistacfh/article/viewFile/2178-4582.2009v43n2p331/12438>
Acesso em 22 de outubro de 2.016.
[3] E é
um tal de criar ou suprimir doenças no chamado Código Internacional de Doenças,
ao sabor das valorações que a sociedade necessita fazer para proteção de
padrões morais e sociais de ocasião.
[4] Afirma Klaus
Gunther, com base nas descobertas da neurociência que“Se nossas decisões e ações são predeterminadas
de maneira absolutamente causal por meio de processos neurológicos, não resta
nenhum espaço para o livre-arbítrio. E se a vontade não é livre, então um autor
também não pode ser responsável por um crime, pois ele não poderia agir de
outra forma naquela mesma situação e, portanto, também não poderia ter omitido
o crime. Se a tão fundamental liberdade da pessoa é colocada em questão, sem
dúvida o Direito, como um todo, é colocado na mesma situação”. Responsável pelos próprios atos? O direito
penal e o conceito de culpabilidade – uma velha discussão com novos impulsos. In:
Forschung Frankfurt 4/2005, p. 26.
[5] ASSIM FALOU ZARASTRUTA, famoso romance
psico-filosófico do escritor.
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