domingo, 23 de outubro de 2016

"VIAJANDO" SOBRE DETERMINISMOS E LIVRES ARBÍTRIOS.

Meus caros,

Pintura retratando com fidelidade e competência 
o filósofo e escritor espanhol, Ortega y Gasset.-
Imagem emprestada de www.viagemlenta.com.
Outro dia,  numa das minhas viagens mentais pelo passado, me lembrei de uma afirmação do penalista ANÍBAL BRUNO, o qual, discorrendo sobre o fundamento da sanção penal  considerava ser bastante para justificá-la a “ilusão do livre arbítrio”. E há de se convir que a explicação é conveniente, "quebra todos os galhos" e não entra em seara filosófica nenhuma. Certamente,  o dogma resolve a questão do ponto de vista operacional, pois a convivência em sociedade exige de cada cidadão a abstenção da prática de atos que ofendam a honra, a dignidade, a indenidade e o patrimônio de cada um dos integrantes daquela coletividade, vendo-se, na transgressão, culpabilidade para punir o agente, baseada na crença da possibilidade de conduta diversa[1]. Filosoficamente, no entanto, a polêmica continua e não há mais quem possa sustentar a ocorrência cem por cento, de cada uma das vetustas teorias, a dirigir ou presidir a vida humana. Não pedimos para nascer e não temos como evitar a morte, cedo ou tarde. Sobre esses dois extremos da vida humana, não temos qualquer livre arbítrio. Em todas as situações em que circunstâncias subjetivas ou objetivas, excluem a chamada conduta diversa, o livre arbítrio fica igualmente excluído ou comprometido, assim como a Ética fundada numa moral que supõe fundamentalmente escolha entre duas ou mais condutas.  O “sou eu e minha circunstância” do grande filósofo espanhol Ortega y Gasset ilustra o feixe de condicionantes de ordem subjetiva e objetiva, interferindo no comportamento humano, condicionantes de quem ninguém, em sã consciência, pode duvidar[2].  E o que dizer, então, da herança genética e sua importância preponderante, cada vez mais a ditar as várias espécies de “insanidade mental”, como a civilização batiza pensamentos e comportamentos excêntricos em relação aos “padrões” de normalidade?[3] Agora a neurociência tem estabelecido novos parâmetros para a liberdade humana, colocando em xeque  a noção clássica de culpabilidade.[4] Quando visitou o Brasil o Papa Francisco foi questionado sobre o fato de ter se unido à multidão, driblando imprudentemente o aparato de segurança. E sem pestanejar, tentando justificar a sua conduta  mandou um clichê sobre o qual não deve ter refletido: -  Ninguém morre na véspera. Ora, se não se morre na véspera, temos um dia certo para morrer. E nada do que fizermos durante a trajetória, vai mudar o dia da nossa morte. Então é o Chefe do Vaticano fazendo apologia do determinismo? Mas determinismo e pecado não combinam. E aí? Nietzsche ao criticar  toda a produção filosófica anterior ao iluminismo,  contestou os lógicos e a base de sua fundamentação. A afirmação cartesiana do Penso logo existo, para o filósofo alemão não é uma constatação válida, pois nada indica que sou eu que penso  ou se é o pensamento que se impõe a mim.  “Um pensamento vem quando “Ele” quer, não quando “Eu” quero”.[5] Certo? Errado? Sei lá.  Sei lá também porque me veio toda essa questão, nem porque resolvi escrever a respeito.  Ah! Acho que sei sim. Estava lembrando  de uma piada que me contaram semana passada: “O marido no restaurante, ao lado da esposa de 40 anos de vida em comum, depois de sorver 3 garrafas grandes de cerveja, com o copo ainda cheio e os olhos distantes diz em alto e bom som: Eu te amo, eu te adoro, eu não vivo sem você. A esposa ergue a sobrancelha direita, olha de soslaio para as mesas no entorno com um ar de desculpa, e num gesto de desconfiança e censura, sem dó, nem piedade, manda essa no ouvido do marido -  Eu já  não sei a esta altura se é você quem está falando, ou se é a cerveja. Ao que o distinto, também sem dó, nem piedade, respondeu: - Não estou falando com você. Estou falando com a cerveja.” 


Bom final de semana meus amigos.

P.S. (1) Enquanto o mundo gira, as ciências antigas e modernas tentam explicar os mistérios da vida e da morte, vamos tomando a nossa cervejinha, acreditando que o fazemos no pleno exercício do livre arbítrio, longe dos olhares censores da patroa, se possível, e das advertências do médico de plantão.  E ainda fazendo apologia do tal princípio da autodeterminação.




[1] "De maneira mais ou menos pacífica, juristas e filósofos sustentam que a finalidade do Direito é a paz social e não a realização da Justiça, porque esta, enquanto valor etéreo e absoluto,  só pode existir no plano ideal, jamais passível de redução a uma unanimidade, em situação concreta.
[2] “Desde que publicou as Meditações do Quixote Ortega y Gasset entende circunstância como parte da realidade pessoal. Nos livros de El espectador amadurece o conceito de circunstância que usará nos últimos trabalhos das décadas de quarenta e cinquenta. A mudança significa a ampliação do sentido para além das sugestões da Biologia. O conceito alargado nos livros de El espectador inclui o entorno ao eu, isto é, o meio exterior e as características do organismo: tanto físicas quanto psicológicas que envolvem o eu. Circunstância passa a ser tudo o que rodeia o eu: a realidade cósmica, a corporalidade, a vida psíquica, a cultura em que se vive, nela incluída também as experiências acumuladas no tempo . Ortega y Gasset denominará habitação a circunstância que o eu reconhece como seu ambiente familiar. Edmund Husserl já denominara Uexküll a este entorno reconhecido pelo eu, mas para o alemão o entorno tinha um caráter restrito ao temporal. Apesar de próximo do proposto por Husserl, o conceito orteguiano é mais amplo”.  O conceito de circunstância em Ortega y Gasset -  José Mauricio de Carvalho Universidade Federal de São João Del-Rei.
[3]  E é um tal de criar ou suprimir doenças no chamado Código Internacional de Doenças, ao sabor das valorações que a sociedade necessita fazer para proteção de padrões morais e sociais de ocasião.
[4] Afirma Klaus Gunther, com base nas descobertas da neurociência queSe nossas decisões e ações são predeterminadas de maneira absolutamente causal por meio de processos neurológicos, não resta nenhum espaço para o livre-arbítrio. E se a vontade não é livre, então um autor também não pode ser responsável por um crime, pois ele não poderia agir de outra forma naquela mesma situação e, portanto, também não poderia ter omitido o crime. Se a tão fundamental liberdade da pessoa é colocada em questão, sem dúvida o Direito, como um todo, é colocado na mesma situação”. Responsável pelos próprios atos? O direito penal e o conceito de culpabilidade – uma velha discussão com novos impulsos. In: Forschung Frankfurt 4/2005, p. 26.

[5]  ASSIM FALOU ZARASTRUTA, famoso romance psico-filosófico do escritor.

Nenhum comentário:

Postar um comentário