sábado, 1 de outubro de 2016

ADEUS VELHO CHICO.

Amigos,

foto do ator Domingos Montagner, protagonista de Velho 

Chico, morto por afogamento no Rio São Francisco, em -

acidente que sensibilizou todo o Brasil (imagem em-

prestada de famososnoweb.com.).

Terminou, ontem, de forma emocionante para o elenco, a direção e para o  espectador da categoria, a novela Velho Chico, que uma equipe comandada por Benedito Ruy Barbosa escreveu e a TV Globo produziu e mandou ao ar, no horário nobre das 21,00 horas, entre 14 de março e 30 de setembro de 2.016.  E o que dizer dessa telenovela, no vasto rol  da rica dramaturgia da emissora, que já não tenha sido dito anteriormente de produções que arrancaram emoções, suspenses, suspiros e elogios de toda ordem, do público e da imprensa, no país e no exterior, de que é insuspeitada testemunha a conquista, por várias vezes,  de prêmios internacionais de realce, como o Grammy, equivalente ao Oscar da Televisão. Diferente das últimas produções do horário, Velho Chico não se preocupou em prender o telespectador com entretenimento. Ao contrário, não havia um só núcleo da novela voltado para o humor, a caricatura ou a exploração da já consagrada cultura do escracho, do deixa a vida me levar, da malandragem brasileira,  ou de qualquer forma de  leveza ou alívio ao telespectador, que vive dias difíceis com a estagnação da economia e  seus nefastos efeitos, como inflação e desemprego. 
A atriz e cantora, Lucy Alves, com sua inseparável sanfo-
na, um dos destaques da trama, como Luzia, mulher de
Santo dos Anjos, apesar de seu noviciado na arte de
interpretação (imagem emprestada de www.detonatv.
com.br)

Séria,  e por vezes sombria, a novela registrou pesados diálogos entre os personagens para marcar a intenção das mensagens explícitas ou sublineares: a ditadura dos coronéis no sertão do nordeste brasileiro, a exploração predatória da terra e das águas,  o desapreço pelos recursos da natureza, tendo como pano de fundo o Rio São Francisco e o intrincado projeto de sua transposição,  isso tudo intrometido com a corrupção institucionalizada nos meios políticos. Esses temas, não dispensaram, porém, aqueles ligados à natureza humana e suas contradições: vida e morte, arbítrio e humildade, vingança e perdão e a vitória do amor para além do tempo e da vida.  Por fim, uma colher de chá à esperança, com a prisão dos políticos corruptos comandados até então pelo Coronel Saruê (Antonio Fagundes), convertido no seu alter-ego, Afrânio,  e sua delação premiada à Polícia Federal, esta no foco da principal, senão única instituição com credibilidade no país, neste momento, para combater eficazmente o crime organizado e levar à prisão figuras exponenciais da política brasileira ou em torno dela.  No folhetim, papel destinado ao deputado federal, Dr. Carlos Alberto (Marcelo Serrado), personagem emblemático do parlamentar que se sustenta no crime e na corrupção, morto por fim, sufocado na própria gana de poder. Embora tais temas não sejam, nem de longe, virgens na dramaturgia[1] foram tratados com atualidade e realismo, talvez com a deliberada intenção de levar o espectador a uma reflexão sobre a sua própria vida e o seu papel de cidadão dentro da comunidade. Intenções à parte, a novela termina com crédito e com uma audiência  média dentro dos padrões da emissora para o horário. 

O veterano ator Umberto Magnani, participou dos primeiros
capítulos da novela, encarnando o Padre Romão. Morto no 
começo das gravações, seu personagem deu lugar a ou-
tro padre, o Benício, interpretado por Carlos Vereza -
(imagem emprestada de www.tvshow.com.br.).
Foi impulsionada, por certo, pela morte de dois dos atores durante as gravações: Umberto Magnani, em abril de 2.016, de causas naturais,  obrigando os escritores a trocar o seu personagem (o Padre Romão), por outro padre (o Padre Benício), na pele do excelente ator, Carlos Vereza. Muito mais sentida, porém, foi a inesperada morte de um dos protagonistas, o ator Domingos Montagner (Santo dos Anjos), que se deu no último dia 15 de setembro, no município de Canindé de São Francisco,  Estado de Sergipe, aos 54 anos de idade, afogado nas águas do próprio Rio São Francisco, o mesmo manancial que carregou  seu personagem Santo, ferido à bala, até próximo a uma aldeia, onde foi resgatado e socorrido pelos indígenas. O episódio comoveu todo o país, por diversas razões, dentre as quais: a) o ator era muito querido pelo seu temperamento ameno, sua generosidade e o seu elogiado caráter; b) estava no frescor de sua carreira como ator e no seu principal papel até então; c) contava apenas 54 anos, estava bonito e saudável; d) deixou mulher e três filhos menores e era considerado bom marido e pai presente e dedicado à prole: e) foi tragado pelas águas traiçoeiras daquela praia, embora soubesse nadar e estivesse próximo à atriz e companheira de elenco,  Camila Pitanga que, tendo logrado abrigar-se numa pedra no meio do rio, nada pode fazer para salvar o companheiro, senão gritar inutilmente por socorro e vê-lo afundar no rio, sem voltar à superfície, para ser resgatado, quatro horas depois, já falecido; f) a praia em questão era considerada perigosa e imprópria para banho, por causa da formação de redemoinhos, invisíveis na superfície, que dificultavam a movimentação de banhistas, arrastando-os perigosamente para o ferimento ou o afogamento.O acidente porém não alterou os rumos que os escritores tinham dado à novela, já nos últimos capítulos, nem o destino do personagem Santo dos Anjos. Em homenagem a Domingos, não houve substituição do ator e seu personagem termina casando com sua amada, Tereza (Camila Pitanga). Foi representado nas cenas faltantes, subjetivamente,  por sua voz sobreposta e uma câmera para a qual o seu interlocutor falava. Uma solução técnica que agradou a todos e fez emocionada homenagem póstuma ao ator.


Até mais amigos,


Outra veterana, a atriz Selma Egrei participou das duas
fases da novela, como Encarnação de Sá Ribeiro, an-
cestral da tradicional família de coronéis. Na segunda
fase, com um excelente truque de maquiagem, seu -
personagem completou 100 anos, sem perder a-
força de seu forte temperamento (imagem em--
prestada de fonosidade.com.br.).
P.S. (1) O elenco fixo foi um dos menores, senão o menor, das novelas das nove. Apenas 30. E,  à medida em que os capítulos iam se desenvolvendo, era nítido o crescimento dos atores, nos respectivos papéis. Tanto dos veteranos, como Fagundes (Afrânio ou Coronel Saruê), Christiane Torlone (Iolanda de Sá Ribeiro), Dira Paes (Beatriz, a professora que se elegeu Prefeita no final da trama), Irandhir Santos (Bento dos Anjos), com destaques para as sensacionais interpretações de Selma Egrei ( como a centenária, Encarnação de Sá Ribeiro) e de Marcos Palmeira (o matuto Ciço), como dos iniciantes, Lucas Veloso (Lucas),  Giullia Buscácio (a graciosa e determinada Olívia) e destaque para Lucy Alves (no difícil e rançoso papel de Luzia e sua inseparável sanfona) e de Gabriel Leone (o idealista e revolucionário Miguel, filho de Santo dos Anjos e neto do Coronel Saruê Afrânio, a quem couberam as mais profundas reflexões, diálogos e mensagens que os autores pretenderam enviar). Loas.

P.S. (2) A trama teve 173 capítulos, desenvolvidos em duas fases.  Na primeira fase contou com Rodrigo Santoro, Carol Castro, Selma Egrei, Tarcísio Meira, Rodrigo Lombardi, Fabiula Nascimento, Cyria Coentro,Chico Diaz, Marina Nery, Júlio Machado, Bárbara Reis, Rafael Vitti, Pablo Morais, Larissa Góes, Julia Dalavia e Renato Góes nos papéis principais.





[1] A chamada “politicagem” ou a demagogia na política brasileira foi explorada, com retumbante sucesso e de forma bem humorada, na novela “O Bem Amado” de 1.973, tendo como protagonista o saudoso ator Paulo Gracindo, num de seus mais memoráveis papéis, o do Prefeito Odorico Paraguaçu.

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