Bom dia amigos,
Imagem emprestada de Mega Curioso. |
Este conto foi escrito há algum tempo, quando a gente podia sair, respirar o ar das manhãs, sentir a liberdade de correr pelas ruas, cumprimentar todos os que encontrávamos pelo caminho, sem máscaras, sem medo, sem medir distância.. Resolvi hoje postar esse conto, que não está em nenhum dos meus livros, como forma de enganar a tristeza e a melancolia e, sobretudo, um jeito possível de saudar os amigos nesses tempos e lembrá-los de que nos resta mais do que nunca paciência e a esperança de que tudo vai passar e de que um dia voltaremos a nos encontrar sem medo, resgatando o gesto mais autêntico de manifestação de carinho, amor e amizade que nutrimos uns pelos outros e reciprocamente: um saudoso, caloroso, demorado e destemido abraço!
"Mais de 40 anos exercendo, dentre outras atividades, a minha amada docência é algo de que me orgulho.
Não fiz pedagogia, não tenho formação específica na área, mas, como é comum em
cursos de Direito e Medicina, por exemplo, os docentes são escolhidos não pelo
seus dotes pedagógicos, mas pelo seu presumível conhecimento e experiência na área
específica. E se tiver algum dom de comunicação, algo assim intuitivo,
demonstrar certa empatia pela disciplina, carreira e pelos alunos, a coisa, em regra, fica bem resolvida. Do contrário, haverá um movimento para mandá-lo para casa, ou para o
escritório, o Fórum, o Ministério Público ou à UTI de algum hospital público.
Assim é a vida na universidade brasileira. Não posso me queixar da minha
trajetória na docência universitária. Sempre demonstrei muito compromisso com a
disciplina e o aprendizado efetivo dos alunos, revelando os segredos da
profissão e alardeando a necessidade de envolvimento, caráter, disciplina,
honestidade, ética e comprometimento. Os alunos que não são bobos nem nada,
sentiam a minha franqueza e sinceridade no que tentava lhes transmitir. Minhas
atividades paralelas, como advogado e Magistrado, depois
aposentado, mostravam certa coerência com o discurso. E é isso que o jovem quer. É
isso que ele sente, pressente e retribui, tenham certeza. Mas o assunto do
“causo” não é esse. Vinha eu, certo dia de semana, voltando do Shopping
Iguatemi aqui em Campinas. Paguei o cartão do estacionamento e me dirigi para uma das portas do
andar térreo, que me projetava para a área externa, onde se situam as entradas
de dois restaurantes, um italiano, ora em reforma, outro o tradicional Outback.
Neste último, naquela época existia uma área externa, onde costumavam acomodar
grupos numerosos que marcavam comemorações de várias espécies. Era disso
que se tratava naquele dia. Uma grande mesa reunia muitas pessoas, de diversas
idades, a maioria absoluta de mulheres. Ao sair pela porta de acesso e olhar de
lado para o restaurante, observei que o pessoal mostrou alguma agitação e uma
das senhoras se levantou e em altos brados começou uma saudação: Oi Teacher.
Parabéns Teacher. Não era meu aniversário, mas imaginei que os parabéns tinham
outra conotação. Abri logo um vasto sorriso para aquela platéia e fui me
aproximando com gestos de agradecimento efusivos. Fui tentando reconhecer
aqueles rostos que me pareciam de alunos do passado, de pelo menos uns 10
ou 15 anos atrás. Não consegui identificar naquele momento ninguém em especial.
As pessoas passaram a sorrir para mim, mas a coisa estava meio esquisita. Foi
quando notei que a comemoração não era para mim e sim para uma senhora que saíra imediatamente atrás de mim por aquela
porta e que era a professora de inglês, fazia aniversário e estava sendo saudada pelos
seus alunos. Virei para trás e me desculpei com a docente. Ela sorriu com
elegância e complacência. Expliquei que eu também era professor de mais de 4
décadas e que, imprudente, achei que se tratava de algum evento dirigido a mim
por alunos com os quais sempre tive bom relacionamento e que, em muitas oportunidades,
cometiam a delicadeza de me saudar, de me homenagear. A docente se mostrou compreensiva. Os alunos
também. Desculpei-me e tratei de “puxar o carro”. O pessoal me convidou para
ficar, comer um pedacinho de bolo, tomar uma coca-cola. Agradeci demonstrando
gratidão pela compreensão de minha falha. Aliás, eu devia ter desconfiado.
Nunca fui bom em inglês. Não havia razão para que cantassem o “parabéns a você”
na língua de Shakeaspeare e de Elton John. Ainda se fosse em latim, algo assim
como “res inter allios acta” ou "quod abundat non nocet". Aviso aos navegantes: se alguém vier de frente e abrir aquele sorriso, levantar
os braços e demonstrar aquela grande satisfação em te encontrar, olhe para trás
para ter certeza que não vem ninguém, no caso o real destinatário dessa manifestação.
Senão, você corre o risco de abrir os braços e abraçar o vento, vendo o
interlocutor passar por você, te ignorar e se dirigir ao cidadão que caminha,
em fila indiana, às suas costas. Afinal você não está sozinho no mundo. E nem é
o único cara legal para quem as pessoas
sorriem e querem abraçar quando encontram, né! Chato né? Me senti meio besta, meio cabotino.
P.S. "Se eu pudesse te abraçar com toda a força e a intensidade do meu afeto eu lhe quebraria todos os ossos"