Boa noite:
Rua, lugar
De Ver Gente
Divergente.
(Eu).
A Deusa da minha rua
Tem os olhos onde a lua
Costuma se embriagar
Nos seus olhos eu suponho
Que o sol, num dourado sonho
Vai claridade buscar.
(Jorge Farah/Newton
Teixeira).
Se essa rua
Se essa rua fosse minha
Eu mandava
Eu mandava ladrilhar
Com pedrinhas
Com pedrinhas de brilhante
Para o meu
Para o meu amor passar
(Mário Lago/Chocolate).
Ode à rua.
Apresento-lhes, senhoras e senhores, sua majestade, a rua, o lugar
onde se experimenta a democracia
absoluta, espontaneamente, em qualquer lugar do planeta. É o espaço onde a vida acontece, sem pedir
licença. O ponto de partida e de encerramento da comédia e da tragédia do
homem. É a alma e o encanto do
mundo. Desde cedo, soube disso. Ou intuí.
Fui batizado de “rueiro”. Não sei se os dicionários registram esse
substantivo, que também pode ser simplesmente adjetivo. Gostava da rua. É nela
que eu buscava me situar e me entender no meu contexto e no do outro, dos
outros. É nela que fiz amigos que, como eu, eram também “rueiros”, ávidos pelo cheiro múltiplo, pelo
jeito, e pela sabedoria da rua. Em busca,
talvez, do inusitado. Do que existe além de mim, diferente de mim, apesar de
mim. A rua me ensinou a importância da
humildade e dos limites. Ensinou-me, especialmente, que o mundo girava além do meu umbigo; o sentido da imensidão e da pequenez, o amor e o respeito
pela natureza e a necessidade da solidariedade para a
subsistência biológica e afetiva. Ensinou-me que precisamos desde cedo abrir a
porta da casa e com ela abrir a porta da alma.
Experimentar a sensação da liberdade, de viver a vida no palco do
universo. Sem nenhuma garantia, sem a precisão,
como na poesia de Fernando Pessoa.[1]
Amigos,
Saí neste sábado de manhã, pelo Cambuí, o velho e charmoso espaço da cidade de Campinas, batizado em homenagem à árvore do mesmo nome e que
antigamente, muito mais que hoje, em
grande número,se espalhava pelo bairro, oferecendo a trégua de sombra e encanto
a moradores e visitantes. Caminhei pela Avenida
Julio de Mesquita, a mais imponente do bairro. Lá adiante, perto do Hospital Irmãos Penteado, me detive,
num ponto de ônibus. Um daqueles mais modernos erguidos pela Administração
Pública para abrigar os passageiros, protegendo-os do sol e da chuva. Apesar de
aparentemente novo notei que servia, além da finalidade pela qual foi erguido, de
uma espécie de tribuna livre, onde as pessoas, ávidas de manifestação, buscavam
comunicar-se com o mundo, mandando as suas mensagens gratuitas e dirigidas ao
público em geral, ou a alguns, em particular, numa espécie de vale tudo. Vi e li
as coisas mais diversas possíveis. Incríveis. Inusitadas.
Ofereciam-se
“maridos de aluguel” que, ao contrário do que possa sugerir a proposta, não é
um convite de suprimento sexual, mas a oferta de serviços domésticos,
atribuídos, no passado, por excelência, ao marido, a quem
incumbiam tais tarefas no protótipo que dele fazia a sociedade machista e
patriarcal. Atividades como conserto de ferro, manutenção hidráulica e elétrica
e outras que o homem moderno não executa mais, por inabilidade, ignorância ou
preguiça, ressalvadas as exceções, que só confirmam a regra. Ao lado, outra
oferta, agora de venda e financiamento de imóvel. Tinha mais. Um convite para
que, num certo site, todo e qualquer usuário do ônibus urbano, se queixasse das
dificuldades e deficiências desse sistema de transporte na cidade. Pichações clássicas encobriam parte do
registro das linhas e bairros atendidos naquele ponto e, dividindo o mesmo
espaço, suficiente para todos, um protesto de alguém com um “Fora Temer”.
Finalmente, para as mulheres carentes, não interessadas em protestos políticos,
nem em ônibus urbanos, nem em financiamentos de casa própria, um certo cidadão,
que se dizia cheio de amor para dar, fazia propaganda de seu dote, jurando
carinho e satisfação sexual para solteiras ou casadas interessadas, com
promessa de sigilo absoluto “ É a rua, lugar de todos, para todos.
Até mais amigos.
[1]“ Navegar é preciso, viver não é preciso”,
trecho de poema de Fernando Pessoa, que tem sua origem, segundo uma das fontes
consideradas confiáveis, em frase dita por
Pompeu, general romano (106-48 a.C.),
aos marinheiros amedrontados, que recusavam viajar durante a guerra,
segundo Plutarco.
Nenhum comentário:
Postar um comentário