Amigos,
Na
sossegada rotina do interior da minha infância ouvi jargões e ditados que
carreguei pela vida afora. Essas pequenas frases,
adverte Rebeca Fuks,[1] “fazem parte da tradição oral da sabedoria popular e sintetizam ideias
sobre a convivência em sociedade, trazendo muitas vezes conselhos valiosos a
respeito das relações humanas”.
O “ladrão que rouba ladrão, tem cem
anos de perdão” revela uma espécie de tolerância e justificativa popular à ancestral aceitação
da vingança privada baseada no “olho
por olho, dente por dente”, da Lei do Talião. “Quem não tem competência não se estabelece”
é ditado invariavelmente usado
para censurar a petulância de quem sai de um casamento para outro e não
consegue ganhar o suficiente para
sustentar ou pagar pensão para duas
mulheres e uns tantos filhos menores. E
por aí se multiplicam: “O olho do dono é que engorda o boi”,
lembrando a necessidade do patrão estar à testa do negócio, vigiando como se
comportam os empregados perante os fregueses. E é nesse cipoal de clichês (por
que não?), que muitas pessoas repetem, ignorando muitas vezes o seu real significado, que se insere o conhecido
ditado que exalta a discrição e a esperteza como estratégias contra o adversário ou o oponente: “ dou uma de morto para entrar no cu dos vivos”. OK, morto é
morto, vivo é vivo. O morto morreu e dele nada se pode esperar. Nenhuma reação,
mas também nenhuma imputação pela singela razão de que ele não pode ser agente de ato algum, doloso ou culposo, por ação ou omissão. Mas não é
que ultimamente a criatividade dos larápios de plantão, defendendo seus
esquemas contra as expertises da segurança que, a todo tempo, o serviço de
inteligência do Estado e das instituições visam aprimorar, ameaçam esses
ditados, cunhados na longeva observação de tudo que acontece neste planeta
desde o tempo dos dinossauros. Ouvi agora há pouco na TV que uma quadrilha está
sendo desmantelada pela Polícia Federal, especializada em fazer migrar as
multas de trânsito e, bem assim, os pontos perdidos pelo motorista infrator,
para outras pessoas. Muito bem. E quem seriam essas pessoas? Acreditem os senhores
são
pessoas mortas. Não há no país qualquer esquema conjunto que permita o
compartilhamento dos óbitos ocorridos no território nacional com os arquivos
eletrônicos da segurança pública. Então, pensei cá comigo: O que esses caras tão fazendo é inverter o velho ditado. O larápio não dá uma
de morto para entrar no cu dos vivos. Dá uma de vivo (esperto) para entrar no cu
dos mortos. Sai fora, diria minha secretária Márcia. Seria nova modalidade de crime de vilipêndio a cadáver? Gente safada, filho da puta não?
Até mais amigos.
[1] 62 Ditados Populares e seus Significados, in < https://www.culturagenial.com/ditados-populares-e-seus-significados/> acesso em 18 de dezembro de 2.020.