Boa noite amigos,
O Trem Italiano da
Felicidade (2024, Netflix) é uma das raras preciosidades do bom cinema
italiano, que, em alguns momentos, lembra o badalado “Cinema Paradiso” (1988) e
“O Carteiro e o Poeta” (1994), sem, porém, o acabamento e o primor de seus antecessores. As questões que se colocam não são fáceis de
responder: É possível perseverar na busca de uma vocação num mundo cruel e
impiedoso que rejeita todas as possibilidades de ascensão? Pode uma criança conviver com a repetida afirmação de que é "um castigo de Deus" para a família? O sentimento de amor
e cuidado é compatível com a aspereza, a agressão física e moral, em nome de
uma segurança hipotética ditada pelo sofrimento e desilusão? É ainda possível
converter em amor um ato de caridade de uma mãe “postiça”, que desconhece o
afeto, endurecida pela ideologia política de desprezo ao fascismo e amor ao
comunismo? Com adaptação do romance
CRIANÇAS DE GUERRA: A HISTÓRIA SOBRE O TREM ITALIANO DA FELICIDADE, de
Viola Ardone, o longa se passa no pós segunda guerra mundial, dando ênfase ao
movimento do Partido Comunista Italiano
e da Unione Donne Italiano, entre 1945 e 1.952, de enviar crianças do Sul da
Itália, para famílias do Norte, tendo em vista a absoluta precariedade e miséria em que elas
viviam nas famílias de origem, sem o mínimo para sobrevivência com alguma
dignidade. Nesse cenário, o menino Amerigo Spera (Christian Cervone) é enviado
ao Norte, onde é adotado provisoriamente por uma mulher solteira e passa a
receber o essencial como boa
alimentação, teto, roupas adequadas e educação, até retornar para o lar materno
onde encontra novamente a mãe biológica na mesma vida de penúria. Com direção
da italiana Cristina Comencini, o tempo
presente mostra um famoso maestro, já na
maturidade, recebendo a notícia do falecimento de sua mãe de sangue, antes de
uma de suas famosas apresentações públicas com teatro lotado, mas prefere
manter o espetáculo. Depois se dirige à humilde, quase miserável residência
daquela mãe, com quem teve grandes embates e desencontros e ali, enquanto revê objetos e fotos, vêm à
tona à sua memória episódios de sua vida e seus relacionamentos, desde a infância, a sua
transferência para a família adotiva e a luta para estudar música e se tornar
uma referência internacional na arte. Profundo, o longa transmite
comportamentos antagônicos dos
personagens que buscam subsistir no caos e na miséria, mesclando sentimentos de
amor e revolta, incompreensão e desrespeito, paixão, admiração, amizade,
lealdade e tudo o mais que a supressão do mínimo existencial possa provocar em
mães e filhos, ricos e pobres e a discussão sobre os rumos políticos da Itália
pós guerra com o crescimento do comunismo e a forte rejeição ao fascismo e ao
nazismo, derrotados no final da segunda guerra mundial. Sensível e delicado,
melancólico e, ao mesmo tempo, didático e humano, talvez sejam os adjetivos que melhor
expressem o que os ótimos atores, especialmente as crianças conseguem
transmitir. Não deixe de ver!
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