Boa noite amigos,
O apresentador pedia silêncio
absoluto. Rapazes e moças foram se sentar no chão, bem próximos do pequeno
palco improvisado no salão principal do Clube Fonte São Paulo, um dos mais
tradicionais aqui em Campinas, Estado de São Paulo. A cantora viajava pelo
Brasil, incluindo as capitais e os interiores dos estados, no chamado “Circuito
Universitário”, um de seus projetos populares, que lhe dava imensa satisfação,
como sempre admitiu. Eis que Elis Regina
surge no palco improvisado e logo o preenche com voz poderosa, a despeito de
1,53 m. de altura, a encantar todos os afortunados acadêmicos presentes. Não
sei como eu e minha namorada, depois esposa, tínhamos participado desse
encontro, pois não éramos sócios do clube, nem tínhamos dinheiro para pagar
ingresso. Provavelmente tenha sido
convite ou doação do Dr. Mário Stucchi, sócio e diretor do clube, pessoa muito
querida e que acompanhou a minha trajetória profissional, desde que eu era
simples auxiliar de cartório. Hoje falecido e saudoso, foi um dos nossos padrinhos de casamento no já
distante ano de 1.975. Era o ano de 1.973 e o Brasil continuava a conviver com a ditadura militar e a censura,
ano em que Elis lançava mais um álbum de
sua carreira (Elis, 1973) e participava do
Phono 73, um grande festival de música
popular promovido pela gravadora Phonogram no centro de Convenções do Anhembi
em São Paulo, que deu origem a três LPs. com as apresentações mais marcantes.
Para que se tenha ideia das celebridades participantes e da vastidão de suas
origens e ritmos, lá se apresentaram Caetano, Gil, Gal Costa, Jards Macalé, os Mutantes
com a então vocalista Rita Lee, além de Roberto e Erasmo Carlos, Wanderléa,
Milton Nascimento etc. etc. Elis havia
gravado, nesse disco de 1.973, uma faixa que virou música de trabalho, com uma regravação de antiga composição do
desconhecido Pedro Caetano, lançada como samba no carnaval de 1.948 e que, com a interpretação pessoal e o
novo arranjo de Cesar Camargo Mariano, virou um estrondoso sucesso nacional. O
samba-choro É com Esse que eu Vou, abriu o nosso encontro
naquela noite, e todos nós,
surpreendidos com a potência de voz, a forte presença cênica, a afinação e ginga da Pimentinha, tratamos de ir decorando
a letra, que dizia: /É com Esse Que eu
Vou/Sambar até cair no chão/Com esse que eu vou desabafar na multidão/Se
ninguém se animar eu vou quebrar meu tamborim/Mas se a turma gostar vai ser pra
mim (....). E seguia:“Quero ver o ronca-ronca
da cuíca/Gente pobre, gente rica/deputado, senador/quebra, quebra que eu quero
ver uma cabrocha boa/ No piano da patroa batucando/É com esse que eu vou/. Para terminar, com
toque de suingue, reproduzindo e misturando trechos da letra (Um Vamp?), criado espontaneamente
pela intérprete se ajustando ao arranjo (ou este a ela): /eu sei que vou/com esse
que vou/mas é com esse que eu vou, sambar na multidão/até cair no chão/ eu vou,
eu sei que vou, eu vou.....” Esse foi o meu
primeiro encontro pessoal com Elis que eu já conhecia do começo da carreira, especialmente
pela divulgação, pela mídia, da canção “Arrastão”, composição de Edu
Lobo e Vinícius de Moraes (com que ela venceu o I festival de MPB da extinta TV
Excelsior e documentada num compacto duplo que trazia, do lado B, Aleluia, um samba do mesmo Edu, com letra de Ruy Guerra). Do aludido
festival e dos gestos largos da menina de 19 anos, que girava os braços como se estivesse a voar,
foi chamada de Élis Regina (referência a hélice, uma maldade ou sacanagem
inventada por Ronaldo Bôscoli, que depois se tornou seu marido). Esse foi só o
começo de um encontro pessoal, dos poucos que ainda iriam acontecer ao vivo,
mas que projetou, para sempre, a minha crescente voragem antropofágica por essa
artista e tudo que ela cantava ou fazia e que se tornou minha maior inspiração,
insubstituível antes e depois de seu precoce passamento em 1.982, com apenas 36
anos de idade.
Até mais amigos.






