Boa tarde amigos,
Edson Arantes do
Nascimento é
seu nome de batismo. Pelé, o epíteto pelo qual se tornou
conhecido no mundo inteiro, num tempo em que as comunicações ainda se revelavam
difíceis e precárias. Considerado o atleta do século, o jogador foi objeto de
muitos estudos e vários documentários.
Criado e dirigido pelo cineasta
Anibal Massaine Neto, com roteiro de José
Roberto Torero e colaboração do saudoso jornalista Armando Nogueira, Pelé Eterno, é sem dúvida um dos melhores filmes que já se produziu sobre a
vida e a carreira daquele que se tornou um mito, muito além do esporte que o
revelou para o mundo. Foram 5 anos de extensa pesquisa e separação de toda a
documentação que compõe o longa de 125 minutos, concebido e realizado com um
orçamento de seis milhões de reais, em 2.004. São entrevistas feitas com familiares, amigos,
ex-jogadores, jornalistas, especialistas e celebridades, dentre as quais, o ex-técnico da seleção argentina, Cesar Menotti. E além disso,
passagens e fatos pitorescos narrados por seus companheiros e pelo próprio
ídolo. E o mais importante: cerca de 400 gols dos 1.284 que o atleta fez durante sua prodigiosa carreira, envolvendo todos os
campeonatos que disputou (regionais, nacionais, internacionais, mundiais e de
quatro Copas do Mundo). Gols de todos os
tipos, jogadas de gênio, dribles, gols com os dois pés (era ambidestro), de cabeça, de cobrança de falta, de
pênalti, assim como as magníficas tabelas e as assistências que fazia para que
seus companheiros de equipe pudessem concluir à meta. Curiosamente, aquele que foi considerado o gol
mais bonito de sua carreira não foi documentado. Nenhum fotógrafo, nenhuma câmera de televisão esteve presente no acanhado estádio da Rua Javari, em São Paulo, no qual jogavam, pelo campeonato
paulista, Santos e Juventus, para
eternizar a sua mais genial jogada, que no longa é ilustrado com uma simulação de bonecos. Feliz foi o saudoso
poeta Carlos Drumond de Andrade, ao sintetizar a diferença entre os gols de Pelé e outros de autoria alheia: “Difícil
não é fazer mil gols como Pelé. Difícil é fazer um gol como Pelé”. O
documentário em grande parte também registra para a história a ascensão do Santos
Futebol Clube das décadas de 60 e 70, a melhor equipe do Brasil, e suas esquadras maravilhosas,com Clodoaldo, Coutinho, Pepe, Zito, Formiga, e outros craques inesquecíveis. O Santos bicampeão da Libertadores e de Mundial de Clubes. O Santos, oito vezes campeão
paulista em 10 anos. Para quem, como eu, conheceu parte da obra de Pelé, mas muito, muito menos do que se
imagina, foi obrigatório ver o documentário com que um amigo me presenteou um
dia do ano de 2.009. Um documentário que eu só vi agora, com calma, com a solidão necessária para ver, entender e sentir. E vibrar como nunca. Para os jovens que nunca
viram Pelé jogar, é também obrigatório. Para todo brasileiro, qualquer que seja
sua profissão ou vocação, mesmo para aqueles que não gostam de futebol, é
também impositivo conhecer, em nome da história ou antologia deste país, o
desempenho desse craque que encantou plateias do mundo inteiro, que se tornou
conhecido em cada pedacinho do planeta, mais que o carnaval, que o samba, que o
próprio Brasil. Um ídolo admirado
por crianças, jovens, adultos e velhos. Um jogador negro que venceu todos os
preconceitos e desafiou os limites; que mostrou categoria em todos os fundamentos do futebol; que aprendeu a vencer
e a se livrar de quem quer que buscasse conter os seus avanços, os seus ataques,
as suas mirabolantes jogadas, saltando ou se desvencilhando como um acrobata e
levando consigo, sempre, colada ao pé, a bola, a sua
eterna e obediente paixão. Pelé que injustamente expulso em partida fora do país, teve que
voltar logo após, por imposição de toda a torcida que pagara para ver
o seu espetáculo em campo, a despeito da partida e da rivalidade em si. Pelé
que foi enaltecido pelos humildes e poderosos; que recebeu o reconhecimento e
titulo de nobreza até da Rainha da
Inglaterra. Pelé, cuja arte foi capaz de parar uma guerra e outros fatos
impressionantes. Um documentário para ver, sem dúvida, nenhuma. Para admirar
ainda mais e compreender a importância do atleta para a sua raça, para a sua
família, para o futebol e o esporte em geral, e especialmente, para o nosso país,
que a ele deve muito mais do que se imagina. E um documentário para ter,
guardar e presentear os amigos e até, por generosidade, porque não, os inimigos. Em nome da arte. E da memória.
Até mais amigos,
Até mais amigos,
P.S. (1) Em 21 (vinte
e anos) de carreira, Pelé marcou 1.284 gols, em 1.375 jogos disputados. Foram
59 campeonatos e quatro Copas do Mundo (1.958, 1.962, 1.966 e 1.970), tendo
sido tricampeão mundial (58 na Suécia, 62 no Chile e 70 no México). Foi durante
dez anos consecutivos o artilheiro do campeonato paulista de futebol.
P.S. (2) Em 25 de março de 1.958, antes da Copa do Mundo na Suécia, em que o Brasil conquistaria seu primeiro
título, o jornalista, escritor e dramaturgo, Nelson Rodrigues, publicou sua primeira crônica sobre aquele menino
de 17 anos que tinha encantado o
Maracanã, num jogo com o América
carioca, pelo Rio-São Paulo.
Resultado Santos 5, América 3. Veja os seguintes trechos dessa crônica: “Depois do jogo América x Santos, seria uma crime não
fazer de Pelé o meu personagem da semana. Grande figura, que o meu confrade
Albert Laurence chama de “o Domingos da Guia do ataque”. Examino a ficha de
Pelé e tomo um susto: — dezessete anos! Há certas idades que são aberrantes,
inverossímeis. Uma delas é a de Pelé. Eu, com mais de quarenta, custo a crer
que alguém possa ter dezessete anos, jamais. Pois bem: — verdadeiro garoto, o
meu personagem anda em campo com uma dessas autoridades irresistíveis e fatais.
Dir-se-ia um rei, não sei se Lear, se imperador Jones, se etíope. Racionalmente
perfeito, do seu peito parecem pender mantos invisíveis. Em suma: — Ponham-no
em qualquer rancho e sua majestade dinástica há de ofuscar toda a corte em
derredor.”. E ao aludir à auto-confiança que marcou também
o atleta: “O que nós chamamos de realeza é, acima de todo, um
estado de alma. E Pelé leva sobre os demais jogadores uma vantagem
considerável: — a de se sentir rei, da cabeça aos pés. Quando ele apanha a bola
e dribla um adversário, é como quem enxota, quem escorraça um plebeu ignaro e
piolhento. E o meu personagem tem uma tal sensação de superioridade que não faz
cerimônias. Já lhe perguntaram: — “Quem é o maior meia do mundo?”. Ele
respondeu, com a ênfase das certezas eternas: — “Eu”. Insistiram: — “Qual é o
maior ponta do mundo?”. E Pelé: — “Eu”. Em outro qualquer, esse desplante faria
rir ou sorrir. Mas o fabuloso craque põe no que diz uma tal carga de convicção,
que ninguém reage e todos passam a admitir que ele seja, realmente, o maior de
todas as posições. Nas pontas, nas meias e no centro, há de ser o mesmo, isto
é, o incomparável Pelé.” Finalmente, ao falar sobre mais um gol
sensacional do atleta e ao exercer o seu vaticínio sobre o que aconteceria na
Suécia alguns meses depois: “Ora, para fazer um gol assim não basta
apenas o simples e puro futebol. É preciso algo mais, ou seja, essa plenitude
de confiança, certeza, de otimismo, que faz de Pelé o craque imbatível. Quero
crer que a sua maior virtude é, justamente, a imodéstia absoluta. Põe-se por
cima de tudo e de todos. E acaba intimidando a própria bola, que vem aos seus
pés com uma lambida docilidade de cadelinha. Hoje, até uma cambaxirra sabe que
Pelé é imprescindível em qualquer escrete. Na Suécia, ele não tremerá de
ninguém. Há de olhar os húngaros, os ingleses, os russos de alto a baixo. Não
se inferiorizará diante de ninguém. E é dessa atitude viril e mesmo insolente
que precisamos. Sim, amigos: — aposto minha cabeça como Pelé vai achar todos os
nossos adversários uns pernas-de-pau.”
P.S. (3) A insistência da imprensa mundial, especialmente da
argentina, de discutir quem foi o melhor jogador entre Pelé e Maradona é absolutamente irritante. São dois grandes
jogadores, mas que viveram épocas diferentes, em tempos diferentes, quando o
futebol tinha regras e concepções igualmente diversas. Além disso, Pelé não foi simplesmente um jogador
de futebol. Pelé é um mito para além
do futebol. Pelé, com sua arte e a
sua notoriedade, promoveu a revisão de conceitos, quebrou tabus e alavancou mudanças de valores
sociais e morais. Daí a irrelevância e a inutilidade idiota dessa discussão,
que absolutamente não leva a nada, nem faz jus aos atletas que merecem respeito
pela história que construíram nas respectivas carreiras. Guardadas, é claro e sempre, as devidas e necessárias proporções.
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