domingo, 27 de dezembro de 2015

O IRMÃO ALEMÃO - CHICO BUARQUE

Bom dia amigos,

Terminei, nesta madrugada, a leitura do recente livro do poeta, escritor, cantor, compositor, dramaturgo e um dos maiores intelectuais brasileiros, Francisco Buarque de Holanda, que já foi o jovem Chico, autor da popular A BANDA, vencedora de um dos festivais de música popular brasileira, nos idos de 60, quando surgiu,  e que,  agora, mais de cinquenta anos depois, é o velho Chico, epíteto que disputa com o milenar Rio São Francisco. O Irmão Alemão (Cia. das Letras, 2.014), dizem os críticos[1], é o seu melhor romance. A inspiração para a obra não poderia ser mais instigante. Nasceu de um fato real, relevante e ignorado pelo poeta até o dia em que, ocasionalmente, num encontro informal de que também  participavam Tom Jobim e Vinícius, na casa do saudoso Manuel Bandeira, descobre que tinha um irmão concebido e nascido em Berlim, na década de 30, fruto do relacionamento de seu pai, o então diplomata brasileiro, Sérgio Buarque de Hollanda, com Anne Margrit Ernst. Esse irmão germano unilateral[2], cuja existência, omitida por seus pais, se traduzia em um assunto delicado, um verdadeiro tabu,  no qual não se tocava na família, desperta no poeta o interesse por saber notícias acerca da vida e do destino do mano mais velho, busca que teria levado finalmente o escritor, com a contribuição da filha Sílvia Buarque, a encontrar, em Berlim, no ano 2.013,  Kerstin Prügel, Josepha Prügel e Monika Knebel, respectivamente,  filha, neta e  ex-mulher de seu  irmão alemão,  Sérgio, falecido no ano de 1.981. O grande desafio para o escritor, conforme adverte nota de orelha do livro[3] foi mesclar o fato real com o ingrediente indispensável a todo romance  que se preze como tal,  ou seja, com a ficção, num mix que o autor manipula com extrema habilidade. Aí está talvez o maior mérito da obra: manter o leitor atento a cada detalhe, a cada descrição de ambiente ou de personagem, a cada fato histórico ou ficcional a que se refere o autor, nessa busca pelo irmão alemão,  cujo elo nunca foi estabelecido nesta vida. Muitas são as indagações subliminares dos leitores: As referências ao pai e à mãe são efetivamente reais? Em que medida a descrição do temperamento, do comportamento, das sensações  e do relacionamento entre o casal, e deles com os filhos é verdadeira? Existe um terceiro irmão, vagabundo e conquistador, dileto do pai, de quem o autor teria relativa inveja e  que desaparecera na época da ditadura, sem deixar vestígio, para desconsolo eterno da mãe extremosa e tolerante? E no tocante às namoradas, às conquistas, às buscas efetivas às quais o romance se refere, o que têm de real e o que há de fictício? Teria o autor descrito pessoas reais e alterado apenas os nomes, as referências?  Bem, se o mote para a obra foi efetivamente inspirador, o autor, no seu desiderato,  consegue atrair o leitor durante todo o tempo, para  um possível desfecho,  pela habilidade com que vai construindo o  roteiro cronológico dessa busca,  sem descurar do cotidiano do protagonista, de suas dúvidas, anseios, frustrações, relacionamentos com familiares, amigos e estranhos, com a profundidade de um bom romance psicológico, inclusive. De sobra um rápido, mas interessante, panorama de São Paulo e da Berlim dos anos 30 e dessas mesmas metrópoles, com suas arquiteturas e culturas, nesta época da chamada pós-modernidade. O respeitado autor, internacionalmente consagrado pela sua vasta e variada obra artística, cultural e estética, com o romance escrito na sua adiantada maturidade cronológica e intelectual, pretendeu explicitamente homenagear, a um só tempo e postumamente, o pai e o irmão alemão, ambos de prenome Sérgio,  como registra na lacônica, mas induvidosa dedicatória: Para Sérgios. O resultado é uma bela homenagem.


Até amanhã amigos.

P.S. (1) O romance psicológico é um gênero literário centrado mais no ânimo dos personagens, nos motivos íntimos de suas escolhas, no campo de afetos e memórias do inconsciente para o consciente e  menos nos condicionantes exteriores do meio ambiente social e cultural. A primeira obra representativa do chamado Romance Psicológico é “Les Liaisons Dangereuses” (As Relações Perigosas) do general francês Choderlos Laclos de 1.782. Porém, só no final do século XIX,  o gênero foi efetivamente reconhecido como tal, a partir da tradução do russo para outras línguas,  das obras de Dostoiévski, especialmente Crime e Castigo, de 1.866, que apresenta um personagem atormentado por sua memória após cometer um assassinato. São obras representativas do gênero no Brasil, Dom Casmurro, de Machado de Assis;  Laços de Família e Perto do Coração Selvagem, de Clarice Lispector, e, São Bernardo, de Graciliano Ramos;

P.S. (2) A primeira imagem da coluna de hoje é de Chico Buarque recente, aos setenta anos, com o seu último romance, O Irmão Alemão e foi emprestada de louge.obviousmag.org. A segunda é de Chico jovem, ainda nos primeiros anos de sua carreira (imagem emprestada de musicariabrasil.blogspot.com).




[1] Publicou as peças de teatro RODA VIVA (1.968); CALABAR, em parceria com RUY GUERRA (1.973); GOTA D’ÁGUA, com PAULO PONTES (1.975), e ÓPERA DO MALANDRO (1.979). Autor da novela, FAZENDA MODELO (1.974) e dos romances, ESTORVO (1.991); BENJAMIN (1.995), BUDAPESTE (2.003) E LEITE DERRAMADO (2.009).
[2] A pág. 36, o autor brinca com as palavras,  lembrando que irmãos germanos, na língua portuguesa são os filhos do mesmo pai e da mesma mãe, uns com relação aos outros, portanto, sempre bilaterais. No caso acima o “germano”, obviamente,  significa "alemão", sentido que também e mais usualmente, inclusive, tem o verbete na língua portuguesa culta (cf. AURÉLIO BUARQUE DE HOLLANDA. NOVO DICIONÁRIO DA LÍNGUA PORTUGUESA).
[3] “O que o leitor tem em mãos, no entanto, não é um relato histórico. Realidade e ficção estão aqui entranhadas numa narrativa que embaralha sem cessar memória biográfica e invenção. O romance se constrói na tensão permanente entre o que foi, o que poderia ter sido e a pura fantasia.”

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