Bom dia amigos,
Terminei, nesta
madrugada, a leitura do recente livro do poeta, escritor, cantor, compositor,
dramaturgo e um dos maiores intelectuais brasileiros, Francisco Buarque de Holanda, que já foi o jovem Chico, autor da popular A
BANDA, vencedora de um dos festivais de música popular brasileira, nos idos de 60, quando surgiu, e que, agora, mais de cinquenta anos depois, é o velho Chico,
epíteto que disputa com o milenar Rio
São Francisco. O Irmão Alemão (Cia. das Letras, 2.014), dizem os
críticos[1], é o seu melhor romance. A inspiração para a
obra não poderia ser mais instigante. Nasceu de um fato real, relevante e
ignorado pelo poeta até o dia em que, ocasionalmente, num encontro informal de
que também participavam Tom Jobim e Vinícius, na casa do saudoso Manuel
Bandeira, descobre que tinha um irmão concebido e nascido em Berlim, na década de 30, fruto do
relacionamento de seu pai, o então diplomata brasileiro, Sérgio Buarque de Hollanda, com Anne Margrit Ernst. Esse irmão germano unilateral[2], cuja
existência, omitida por seus pais, se traduzia em um assunto delicado, um verdadeiro tabu, no qual não se tocava na família, desperta
no poeta o interesse por saber notícias acerca da vida e do destino do mano
mais velho, busca que teria levado finalmente o escritor, com a contribuição da
filha Sílvia Buarque, a encontrar,
em Berlim, no ano 2.013, Kerstin
Prügel, Josepha Prügel e Monika Knebel, respectivamente, filha, neta e
ex-mulher de seu irmão alemão, Sérgio,
falecido no ano de 1.981. O grande desafio para o escritor, conforme adverte
nota de orelha do livro[3]
foi mesclar o fato real com o ingrediente indispensável a todo romance que se preze como tal, ou seja, com a ficção, num mix que o autor manipula com extrema habilidade. Aí está
talvez o maior mérito da obra: manter o leitor atento a cada detalhe, a cada
descrição de ambiente ou de personagem, a cada fato histórico ou ficcional a
que se refere o autor, nessa busca pelo irmão alemão, cujo elo nunca foi estabelecido nesta vida. Muitas são as indagações subliminares dos leitores: As referências ao pai e à mãe são efetivamente reais? Em que medida a descrição
do temperamento, do comportamento, das sensações e do relacionamento entre o casal, e deles com os
filhos é verdadeira? Existe um terceiro irmão, vagabundo e conquistador, dileto
do pai, de quem o autor teria relativa inveja e
que desaparecera na época da ditadura, sem deixar vestígio, para
desconsolo eterno da mãe extremosa e tolerante? E no tocante às namoradas, às
conquistas, às buscas efetivas às quais o romance se refere, o que têm de real
e o que há de fictício? Teria o autor descrito pessoas reais e alterado apenas
os nomes, as referências? Bem, se o mote
para a obra foi efetivamente inspirador, o autor, no seu desiderato, consegue atrair o leitor durante todo o tempo,
para um possível desfecho, pela habilidade com que vai construindo o roteiro cronológico dessa busca, sem descurar do cotidiano do protagonista, de
suas dúvidas, anseios, frustrações, relacionamentos com familiares, amigos e
estranhos, com a profundidade de um bom romance psicológico, inclusive. De sobra
um rápido, mas interessante, panorama de São
Paulo e da Berlim dos anos 30 e dessas mesmas metrópoles, com suas
arquiteturas e culturas, nesta época da chamada pós-modernidade. O
respeitado autor, internacionalmente consagrado pela sua vasta e variada obra
artística, cultural e estética, com o romance escrito na sua adiantada
maturidade cronológica e intelectual, pretendeu explicitamente homenagear, a um só
tempo e postumamente, o pai e o irmão alemão, ambos de prenome Sérgio, como registra na lacônica, mas induvidosa dedicatória: Para Sérgios. O resultado é uma bela homenagem.
Até amanhã amigos.
P.S. (1) O romance
psicológico é um gênero literário centrado mais no ânimo dos
personagens, nos motivos íntimos de suas escolhas, no campo de afetos e
memórias do inconsciente para o consciente e
menos nos condicionantes exteriores do meio ambiente social e cultural.
A primeira obra representativa do chamado Romance Psicológico é “Les
Liaisons Dangereuses” (As
Relações Perigosas) do general francês Choderlos
Laclos de 1.782. Porém, só no final do século XIX, o gênero foi efetivamente reconhecido como
tal, a partir da tradução do russo para outras línguas, das obras de Dostoiévski, especialmente Crime
e Castigo, de 1.866, que apresenta um personagem atormentado por sua
memória após cometer um assassinato. São obras representativas do gênero no
Brasil, Dom Casmurro, de Machado de
Assis; Laços de Família e Perto do Coração Selvagem,
de Clarice Lispector, e, São Bernardo, de
Graciliano Ramos;
P.S. (2) A primeira
imagem da coluna de hoje é de Chico
Buarque recente, aos setenta anos, com o seu último romance, O Irmão Alemão e foi emprestada de louge.obviousmag.org.
A segunda é de Chico jovem, ainda nos primeiros anos de sua carreira
(imagem emprestada de musicariabrasil.blogspot.com).
[1] Publicou as peças de teatro RODA VIVA
(1.968); CALABAR, em parceria com RUY GUERRA (1.973); GOTA D’ÁGUA, com PAULO
PONTES (1.975), e ÓPERA DO MALANDRO (1.979). Autor da novela, FAZENDA MODELO
(1.974) e dos romances, ESTORVO (1.991); BENJAMIN (1.995), BUDAPESTE (2.003) E
LEITE DERRAMADO (2.009).
[2]
A pág. 36, o autor brinca com as palavras, lembrando que irmãos germanos, na língua
portuguesa são os filhos do mesmo pai e da mesma mãe, uns com relação aos
outros, portanto, sempre bilaterais. No caso acima o “germano”, obviamente, significa "alemão", sentido que também e mais usualmente, inclusive, tem o verbete na língua portuguesa culta (cf.
AURÉLIO BUARQUE DE HOLLANDA. NOVO DICIONÁRIO DA LÍNGUA PORTUGUESA).
[3] “O que o leitor tem em mãos, no entanto,
não é um relato histórico. Realidade e ficção estão aqui entranhadas numa
narrativa que embaralha sem cessar memória biográfica e invenção. O romance se
constrói na tensão permanente entre o que foi, o que poderia ter sido e a pura
fantasia.”
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