Boa noite amigos,
Imagem emprestada do site www.nanihumor.com. |
Posto hoje, um novo conto, que está no meu livro Causas & Causos n. II, publicado em 2.010, pela Editora Millennium. Vai lá:
"O
Diretor do Cartório foi falar com o juiz, logo que ele chegou, pela manhã, na
segunda feira.
Pediu
licença e disse que iria tratar de um assunto particular e delicado, se o juiz
admitisse.
O
Magistrado, afável, e que tinha grande consideração pelo seu auxiliar mais
graduado disse que estava às ordens para ouvi-lo.
-
Desculpe, doutor. A Bernardete nem queria que eu tocasse no assunto. Mas eu não
achei justo.
A
Bernardete era outra funcionária do Cartório. Escrevente Chefe. Competente e
correta.
-
É que aconteceu uma coisa com o irmão dela. O rapaz é casado,
trabalhador e gente boa. Nunca botô um pingo de arco na boca. Já no sábado
passado, parece que o rapaz bebeu, não tava costumado e fez aí umas besteira.
-
Que besteira?
-
Ah, parece que deu a louca no moço e ele andou acertando dois homens, com bola
de bilhar, um deles, inclusive, é cumpadre dele até.
-
Que coisa hein!
-
É doutor e o rapaz está preso desde sábado à noite. O Delegado já fez o
inquérito, o Dr. Promotor já denunciou e o processo tá na mesa do senhor para
tocar.
-
Separe o processo que eu vou examinar.
O
Juiz viu o processo, denúncia por crime de lesão corporal dolosa em concurso
formal.
Recebeu
a denúncia, concedeu, de ofício, ao réu o benefício da liberdade provisória, chamou o Diretor e disse que estava marcando o
interrogatório para o mesmo dia, mais tarde.
Determinou,
então, que o Diretor providenciasse a vinda do réu para o ato judicial.
Dito
e feito. Às 16,00 horas, um policial de plantão trouxe o distinto.
O
rapaz muito bem educado, pediu licença para sentar e foi respondendo as
perguntas do Magistrado:
-
Consta da denúncia deste processo que o senhor, no sábado passado, por volta
das 13,00 horas, no bar do Jairo, teria ofendido a integridade corporal de João
de Deus Vicente e Luis Antonio Barroso, atingindo-os com bolas de bilhar. Isso
é verdade?
-
Doutor, para lhe ser sincero eu não sei dizer ao senhor se isso é verdade ou
não, porque simplesmente eu não me lembro de nada.
-
Mas como?
-
Doutor, eu lhe conto direitinho o que aconteceu. O senhor acredite que eu nunca
tomei bebida arcoólica na minha vida. E óia
que eu já tô com 32 anos. Mas no sábado?
-
No sábado....
-
No sábado lá pelas 10 da manhã eu resorvi i no bar do Jairo. Fui lá pra
exprimentá uma cerveja. Pedi uma e tomei inteirinha. Aí eu pedi uma cachaça. O Jairo me botou num
copo e eu virei tudinho. Ardeu inté a arma. Depois eu falei que eu queria
prová um pouco de vinho. Ele serviu um copo e aí chegou meu cumpradre. Falei pra ele bebê
comigo. Ele num quis. Mas nóis pregamo a prosear um pouco. Daí pra frente eu
num lembro mai nada. Apaguei de uma vez. Eu só lembro que fiquei meio zonzo enquanto
cunversava com ele, mas depois eu não sei mais o que eu fiz. Os amigos falaram que eu fiz isso aí que está
no paper, mas eu num lembro de nada
mais, de jeito nenhum. Só sei que acordei depois no hospitar. Oi doutor estou
muito envergonhado, eu não sô home de relá a mão em ninguém. Acredite.
O
Juiz registrou os fatos tal como relatado, muito tocado com a situação do rapaz,
que efetivamente era primário e de excelentes antecedentes.
Marcou
data para ouvir as testemunhas de acusação.
Uma
delas, era o Joilso, um cabocro simpático e falante.
Testemunha
presencial do ocorrido.
Presentes
o Juiz, o Promotor, o réu e seu Defensor, o Magistrado foi logo ao assunto:
-
Senhor Joilso, o senhor é testemunha neste processo e como tal está obrigado a
dizer a verdade, sob pena de cometer crime de falso testemunho. O senhor viu o
acontecido?
-
É fato, dotô. Tava memo presente em todo o acontecido.
O
Promotor de Justiça se animou pois ao que constava se tratava, além das
vítimas, da única testemunha verdadeiramente presencial. Mesmo o Jairo, dono do
bar, tinha saído um instantinho quando o fato veio à tona.
Prosseguiu
o Magistrado:
-
Então, conte como foi.
-
Oi dotô. Era um domingo esse dia. A Gerarda, minha muié, falou pra mim ir no bar
buscá um pacote de macarrão pro armoço.
-
E daí?
-
E daí que eu fui.
-
E daí?
-
Daí eu cheguei lá e falei pro Jairo, Jairo você me dá um pacote de macarrão?
-
E aí?
-
Aí ele meu deu e eu disse pra ele: O Jairo me diz uma coisa, eu tenho uma
caderneta pra pagá procê do mês passado. Posso pagar metade hoje, metade semana
que vem.
O
Juiz foi ficando impaciente com o trololó que nada dizia respeito aos fatos
relevantes da demanda.
-
E daí seu Joilso, como foi o fato?
-
Carma dotô que eu preciso contá direitinho, sem pulá nada, porque me disse o
Promotor que eu sou testemunha chave. Eu num sei bem o que é isso, mas a tar da
chave é de abri coisa, né. Vai vê que é pra abri os óio do Juiz, né. Descurpe o
atrevimento.
-
Tá bem Sr. Joilso, vamos com esse assunto de uma vez.
- Aí o Jairo falô assim:- Ói pode me pagá, mai num passe da semana que vem que a coisa tá preta. Eu preciso comprá mais mantimento e tô sem grana.
- Aí o Jairo falô assim:- Ói pode me pagá, mai num passe da semana que vem que a coisa tá preta. Eu preciso comprá mais mantimento e tô sem grana.
-
E daí seu Joilso?
- Daí
né, eu falei pro Jairo: - Jairo posso usar o seu banheiro.
O
Juiz, o Promotor e o advogado já estavam prestes a roer as unhas de impaciência
e a tal história não desenrolava.
-
E daí seu Joilso?
-
Daí ele falô que podia. O senhor seu juiz sabe onde fica o banheiro lá no bar
do Jairo?
-
Não respondeu o Juiz já denotando mais irritação do que impaciência.
-
Fica lá no fundo e a gente tem que entrá
pra dentro do barcão, travessá um corredô e tar.
-
E daí?
-
Daí eu fui, usei o banheiro e quando eu ia vortando e tava lavando a mão na
piazinha que tem do lado de dentro, eu ouvi arguem gritá assim: - Abaixa que
vem bola.
-
E daí seu Joilson, o que o senhor viu.
-
Oi douto, pra dizer a verdade quando ouvi a gritaria, do jeito que eu tava, de
costa pro balcão lavando a mão na pia eu agachei rapidinho.
E
aí?
-
E aí memo douto eu só vi bola que voava por cima do barcão. Num vi mai nada. Sê besta.
O
Juiz começou a rir.
A
principal testemunha de acusação, depois de um interminável depoimento,
simplesmente não viu nada, pra alívio da defesa e desencanto da acusação.
E
o Joilso?
Ah, o Joilso contava pra Deus e todo mundo que
ele tinha testemunhado no Fórum. E que o Juiz tinha ficado muito impressionado
com o seu depoimento, porque ele tinha visto tudo. E dito TIM TIM por TIM TIM,
sem esconder nada.
Para
uns o Joilso ficou apelidado do “I daí” e para outros do “Abaixa que vem bola”.
Coisas
da Justiça.
E
da boa gente do interior."
Até mais amigos.
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