quarta-feira, 25 de maio de 2016

ABAIXA QUE VEM BOLA - CAUSAS & CAUSOS


Boa noite amigos,

Imagem emprestada do site www.nanihumor.com.
                               Posto hoje,  um novo conto, que está no meu livro Causas & Causos n. II, publicado em 2.010, pela Editora Millennium. Vai lá:

"O Diretor do Cartório foi falar com o juiz, logo que ele chegou, pela manhã, na segunda feira.
Pediu licença e disse que iria tratar de um assunto particular e delicado, se o juiz admitisse.
O Magistrado, afável, e que tinha grande consideração pelo seu auxiliar mais graduado disse que estava às ordens para ouvi-lo.
- Desculpe, doutor. A Bernardete nem queria que eu tocasse no assunto. Mas eu não achei justo.
A Bernardete era outra funcionária do Cartório. Escrevente Chefe. Competente e correta.
- É que aconteceu uma coisa com o irmão dela. O rapaz é casado, trabalhador e gente boa. Nunca botô um pingo de arco na boca. Já no sábado passado, parece que o rapaz bebeu, não tava costumado e fez aí umas besteira.
- Que besteira?
- Ah, parece que deu a louca no moço e ele andou acertando dois homens, com bola de bilhar, um deles, inclusive, é cumpadre dele até.
- Que coisa hein!
- É doutor e o rapaz está preso desde sábado à noite. O Delegado já fez o inquérito, o Dr. Promotor já denunciou e o processo tá na mesa do senhor para tocar.
- Separe o processo que eu vou examinar.
O Juiz viu o processo, denúncia por crime de lesão corporal dolosa em concurso formal.
Recebeu a denúncia, concedeu, de ofício, ao réu o benefício da liberdade provisória,  chamou o Diretor e disse que estava marcando o interrogatório para o mesmo dia, mais tarde.
Determinou, então, que o Diretor providenciasse a vinda do réu para o ato  judicial.
Dito e feito. Às 16,00 horas, um policial de plantão trouxe o distinto.
O rapaz muito bem educado, pediu licença para sentar e foi respondendo as perguntas do Magistrado:
- Consta da denúncia deste processo que o senhor, no sábado passado, por volta das 13,00 horas, no bar do Jairo, teria ofendido a integridade corporal de João de Deus Vicente e Luis Antonio Barroso, atingindo-os com bolas de bilhar. Isso é verdade?
- Doutor, para lhe ser sincero eu não sei dizer ao senhor se isso é verdade ou não, porque simplesmente eu não me lembro de nada.
- Mas como?
- Doutor, eu lhe conto direitinho o que aconteceu. O senhor acredite que eu nunca tomei bebida arcoólica na minha vida. E óia  que eu já  com 32 anos. Mas no sábado?
- No sábado....
- No sábado lá pelas 10 da manhã eu resorvi  no bar do Jairo. Fui lá pra exprimentá uma cerveja. Pedi uma e tomei inteirinha.  Aí eu pedi uma cachaça. O Jairo me botou num copo e eu virei tudinho. Ardeu inté a arma. Depois eu falei que eu queria prová um pouco de vinho. Ele serviu um copo e aí  chegou meu cumpradre. Falei pra ele bebê comigo. Ele num quis. Mas nóis pregamo a prosear um pouco. Daí pra frente eu num lembro mai nada. Apaguei de uma vez.  Eu só lembro que fiquei meio zonzo enquanto cunversava com ele, mas depois eu não sei mais o           que eu fiz. Os amigos falaram que eu fiz isso aí que está no paper, mas eu num lembro de nada mais, de jeito nenhum. Só sei que acordei depois no hospitar. Oi doutor estou muito envergonhado, eu não sô home de relá a mão em ninguém. Acredite.
O Juiz registrou os fatos tal como relatado, muito tocado com a situação do rapaz, que efetivamente era primário e de excelentes antecedentes.
Marcou data para ouvir as testemunhas de acusação.
Uma delas, era o Joilso, um cabocro simpático e falante.
Testemunha presencial do ocorrido.
Presentes o Juiz, o Promotor, o réu e seu Defensor, o Magistrado foi logo ao assunto:
- Senhor Joilso, o senhor é testemunha neste processo e como tal está obrigado a dizer a verdade, sob pena de cometer crime de falso testemunho. O senhor viu o acontecido?
- É fato, dotô. Tava memo presente em todo o acontecido.
O Promotor de Justiça se animou pois ao que constava se tratava, além das vítimas, da única testemunha verdadeiramente presencial. Mesmo o Jairo, dono do bar, tinha saído um instantinho quando o fato veio à tona.
Prosseguiu o Magistrado:
-  Então, conte como foi.
- Oi dotô. Era um domingo esse dia. A Gerarda, minha muié, falou pra mim ir no bar buscá um pacote de macarrão pro armoço.
- E daí?
- E daí que eu fui.
- E daí?
- Daí eu cheguei lá e falei pro Jairo, Jairo você me dá um pacote de macarrão?
- E aí?
- Aí ele meu deu e eu disse pra ele: O Jairo me diz uma coisa, eu tenho uma caderneta pra pagá procê do mês passado. Posso pagar metade hoje, metade semana que vem.
O Juiz foi ficando impaciente com o trololó que nada dizia respeito aos fatos relevantes da demanda.
- E daí seu Joilso, como foi o fato?
- Carma dotô que eu preciso contá direitinho, sem pulá nada, porque me disse o Promotor que eu sou testemunha chave. Eu num sei bem o que é isso, mas a tar da chave é de abri coisa, né. Vai vê que é pra abri os óio do Juiz, né. Descurpe o atrevimento.
- Tá bem Sr. Joilso, vamos com esse assunto de uma vez.
                                        - Aí o Jairo falô assim:- Ói pode me pagá, mai num passe da semana que vem que a coisa tá preta. Eu preciso comprá mais mantimento e sem grana.
- E daí seu Joilso?
- Daí né, eu falei pro Jairo: - Jairo posso usar o seu banheiro.
O Juiz, o Promotor e o advogado já estavam prestes a roer as unhas de impaciência e a tal história não desenrolava.
- E daí seu Joilso?
- Daí ele falô que podia. O senhor seu juiz sabe onde fica o banheiro lá no bar do Jairo?
- Não respondeu o Juiz já denotando mais irritação do que impaciência.
- Fica  lá no fundo e a gente tem que entrá pra dentro do barcão, travessá um corredô e tar.
- E daí?
- Daí eu fui, usei o banheiro e quando eu ia vortando e tava lavando a mão na piazinha que tem do lado de dentro, eu ouvi arguem gritá assim: - Abaixa que vem bola.
- E daí seu Joilson, o que o senhor viu.
- Oi douto, pra dizer a verdade quando ouvi a gritaria, do jeito que eu tava, de costa pro balcão lavando a mão na pia eu agachei rapidinho.
E aí?
- E aí memo douto eu só vi bola que voava por cima do barcão. Num vi  mai nada. Sê besta.
O Juiz começou a rir.
A principal testemunha de acusação, depois de um interminável depoimento, simplesmente não viu nada, pra alívio da defesa e desencanto da acusação.
E o Joilso?
 Ah, o Joilso contava pra Deus e todo mundo que ele tinha testemunhado no Fórum. E que o Juiz tinha ficado muito impressionado com o seu depoimento, porque ele tinha visto tudo. E dito TIM TIM por TIM TIM, sem esconder nada.
Para uns o Joilso ficou apelidado do “I daí” e para outros do “Abaixa que vem bola”.

Coisas da Justiça.

E da boa gente do interior."


Até mais amigos.

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