Breve momento após comprido dia
De incômodos, de penas, de cansaço
Inda o corpo a sentir quebrado e lasso,
Posso a ti me entregar, doce Poesia.
Desta
janela aberta, à luz tardia,
Do luar
em cheio a clarear no espaço,
Vejo-te vir, ouço o leve passo
Na
transparência azul da noite fria.
Chegas. O
ósculo teu me vivifica
Mas é tão
tarde! Rápido flutuas
Tornando logo à etérea imensidade.
E na mesa
em que escrevo apenas fica
Sobre o
papel – rastro das asas tuas,
Um verso,
um pensamento, uma saudade.
( Horas Mortas - Alberto de Oliveira).
Boa noite amigos,
Registro aqui, nesta noite fria, reflexões que fiz e escrevi no final do ano passado, dentro de um quarto de hospital, sozinho, enquanto aguardava o retorno de minha companheira, submetida a delicada cirurgia.
Registro aqui, nesta noite fria, reflexões que fiz e escrevi no final do ano passado, dentro de um quarto de hospital, sozinho, enquanto aguardava o retorno de minha companheira, submetida a delicada cirurgia.
"Não tenho espaço para
escrever senão o verso de uma folha nas costas de uma ficha de visitas que a
Portaria do hospital me forneceu, com o
regulamento impresso, pela minha condição de acompanhante. Estou sozinho no
apartamento há horas, esperando o retorno da companheira, submetida a uma
cirurgia. Pensei muitas vezes em ligar a TV para aplacar a solidão. Resisti,
porém. Entendi nesse momento que precisava de uma reflexão interior, um
encontro comigo mesmo, uma perscrutação da alma, que é para o que servem,
suponho, as horas mortas. Mas acho que as horas mortas morreram! Em qualquer
canto, em qualquer sala ou ante-sala de clínicas e escritórios, nos elevadores
dos edifícios comerciais, nas placas de out-door espalhadas por paredes de arranha-céus
nosso silêncio, nossa tentativa de interiorização é invadida por imagens e sons, analógicos e
digitais, todos dispostos a capturar a qualquer custo, a nossa atenção
absoluta. A TV, enfática, repetitiva, superficial, com as mesmas notas e os
mesmos sons, os mesmos tons e
comentários é a mais implacavelmente invasiva. Pensei em protestar. Para que? Ali não havia
ninguém senão eu mesmo. Ah, e aquele aparelho que estava desligado. Imóvel. Calado,
como eu desejei permanecesse naquele
momento, enfrentando a solidão. Desse encontro com o espírito e a alma
aproveitei intensamente. Fiz uma retrospectiva rápida de minha vida. Das
alegrias, tristezas, conquistas, frustrações. Eram imagens que permaneceram na
minha retina lá no fundo da alma e que, resgatadas, me devolveram momentos do
passado no presente e me contaram a minha história. A minha com a sua, com a de
todos aqueles com os quais esbarrei pelos caminhos e veredas dessa vida,
criando o que chamamos de convivência, troca de experiências, o meu no teu e o
teu no meu, se preferirem. Momentos
raros, íntimos, únicos, meus, sem comentários, interpretações, invasões e
outras interferências. A vida logo voltou ao normal, com a retorno de minha
companheira de vida, recuperada e tranquila. Aproveitei o resto do dia para
conversar com ela, cuidar dela com o carinho e a atenção que ela merece, dando, porém, sempre uma espiadinha naquele aparelho suspenso de TV para ver se
ele continuava apagado e calado. No
final da tarde, ao sairmos pelo corredor, quando as primeiras luzes se
acendiam anunciando a noite, olhei toda
aquela gente entretida, com os
celulares. Fiz menção de falar com elas, mas recuei. Elas não notavam a nossa
presença e ignoravam certamente a própria.
Se tivessem notado, eu pediria em alto e bom som: Por favor, devolvam as minhas horas mortas.
Preciso muito delas. E vocês também precisam, embora não o saibam ainda. E talvez, não venham a saber jamais."
Até amanhã amigos,
P.S. (1) O fluminense Antônio Mariano Alberto de Oliveira (1.857-1.937) foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras e, ao lado de Olavo Bilac e Raimundo Corrêa formou a tríade brasileira do parnasianismo;
P.S. (2) A imagem da coluna de hoje foi emprestada de diariosdesolidao.blogspot.com.
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