domingo, 1 de maio de 2016

HORAS MORTAS


Breve momento após comprido dia
De incômodos, de penas, de cansaço
Inda o corpo a sentir quebrado e lasso,
Posso a ti me entregar, doce Poesia.

Desta janela aberta, à luz tardia,
Do luar em cheio a clarear no espaço,
Vejo-te vir, ouço o leve passo
Na transparência azul da noite fria.

Chegas. O ósculo teu me vivifica
Mas é tão tarde! Rápido flutuas
Tornando logo à etérea imensidade.

E na mesa em que escrevo apenas fica
Sobre o papel – rastro das asas tuas,
Um verso, um pensamento, uma saudade.

( Horas Mortas - Alberto de Oliveira).


Boa noite amigos,

Registro aqui, nesta noite fria, reflexões que fiz e escrevi no final do ano passado, dentro de um quarto de hospital, sozinho, enquanto aguardava o retorno de minha companheira, submetida a delicada cirurgia.


"Não tenho espaço para escrever senão o verso de uma folha nas costas de uma ficha de visitas que a Portaria do hospital me forneceu,  com o regulamento impresso, pela minha condição de acompanhante. Estou sozinho no apartamento há horas, esperando o retorno da companheira, submetida a uma cirurgia. Pensei muitas vezes em ligar a TV para aplacar a solidão. Resisti, porém. Entendi nesse momento que precisava de uma reflexão interior, um encontro comigo mesmo, uma perscrutação da alma, que é para o que servem, suponho, as horas mortas. Mas acho que as horas mortas morreram! Em qualquer canto, em qualquer sala ou ante-sala de clínicas e escritórios, nos elevadores dos edifícios comerciais, nas placas de out-door espalhadas por paredes de arranha-céus nosso silêncio, nossa tentativa de interiorização  é invadida por imagens e sons, analógicos e digitais, todos dispostos a capturar a qualquer custo, a nossa atenção absoluta. A TV, enfática, repetitiva, superficial, com as mesmas notas e os mesmos sons, os mesmos tons e comentários é a mais implacavelmente invasiva.  Pensei em protestar. Para que? Ali não havia ninguém senão eu mesmo. Ah, e aquele aparelho que estava desligado. Imóvel. Calado, como eu desejei permanecesse  naquele momento, enfrentando a solidão. Desse encontro com o espírito e a alma aproveitei intensamente. Fiz uma retrospectiva rápida de minha vida. Das alegrias, tristezas, conquistas, frustrações. Eram imagens que permaneceram na minha retina lá no fundo da alma e que, resgatadas, me devolveram momentos do passado no presente e me contaram a minha história. A minha com a sua, com a de todos aqueles com os quais esbarrei pelos caminhos e veredas dessa vida, criando o que chamamos de convivência, troca de experiências, o meu no teu e o teu no meu, se preferirem.  Momentos raros, íntimos, únicos, meus, sem comentários, interpretações, invasões e outras interferências. A vida logo voltou ao normal, com a retorno de minha companheira de vida, recuperada e tranquila. Aproveitei o resto do dia para conversar com ela, cuidar dela com o carinho e a atenção que ela merece, dando, porém,  sempre uma espiadinha  naquele aparelho suspenso de TV para ver se ele continuava apagado e calado.  No final da tarde, ao sairmos pelo corredor, quando as primeiras luzes se acendiam  anunciando a noite, olhei toda aquela  gente entretida, com os celulares. Fiz menção de falar com elas, mas recuei. Elas não notavam a nossa presença e ignoravam certamente a própria.  Se tivessem notado, eu pediria em alto e bom som: Por favor, devolvam as minhas horas mortas. Preciso muito delas. E vocês também precisam, embora não o saibam ainda. E talvez, não venham a saber jamais."

Até amanhã amigos,

P.S. (1) O fluminense Antônio Mariano Alberto de Oliveira  (1.857-1.937) foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras e, ao lado de  Olavo Bilac e Raimundo Corrêa formou a tríade brasileira do parnasianismo;

P.S. (2) A imagem da coluna de hoje foi emprestada de diariosdesolidao.blogspot.com.

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