Boa tarde amigos,
Imagem de propaganda e de capa do caderno distri-
buído ao público na entrada do teatro, com explica
ções sobre a montagem e outras particularidades.
(www.ecult.com.br).
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Galileu
(1):
A heresia atribuída ao físico e matemático Galileu
Galilei (1.564-1.642) teria sido, o de pretender “transferir o homem do centro do universo, para algum lugar na
periferia”, provocando os teólogos da idade média para que “dessem
um jeito de recompor o céu”. Os textos entre aspas são do dramaturgo alemão
Bertolt Brecht (1.898-1.956) e de
sua peça Leben Des Galilei, que
adaptou para o teatro o drama vivido pelo personagem real, perseguido pela
Santa Inquisição por suas afirmações de que a Terra girava ao redor do sol e
que era o Astro-Rei que comandava o universo, enquanto a Terra era apenas um
planeta como muitos outros que por ele se espalhavam. Após uma investigação que
durou 13 anos, Galileu foi condenado
e obrigado a abjurar suas descobertas científicas para não ser queimado vivo e
permaneceu oito anos, até sua morte em 1.642, em prisão domiciliar, o que lhe
permitiu, na sobrevida obtida com a abjuração de suas descobertas, escrever o
seu livro mais importante (Discorsi e Dimonstrazioni Matematiche
Intorno Duo Nuove Scienze). Há
mais de uma versão para a peça considerada a obra-prima do escritor e que
revela, segundo os estudiosos, o seu
testamento filosófico, sintetizado na frase “Infeliz a terra que precisa de heróis”, com o que chama à reflexão
e questiona “o problema do herói, sua
discutível necessidade e o uso da razão como instrumento de luta contra a
barbárie”. Brecht, por um novo texto escrito em 1.945, modifica o desfecho da obra e o significado
do personagem, depois que, vivendo nos Estados Unidos, assiste o uso da bomba atômica contra os japoneses: “Eu te digo, aquele que não conhece a
verdade é simplesmente um ignorante, mas aquele que a conhece e diz que é mentira, este é um criminoso”,
afirma na readaptação.
Cena do espetáculo Galileu Galilei, com Denise Fraga e ta-
lentoso elenco. (imagem emprestada de www.funarj.rj.gov.
br.).
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Galileu
(2)
Há algum tempo assisti a uma entrevista da
consagrada atriz Denise Fraga,
no programa de Jô Soares. A atriz se
dizia na ocasião inteiramente apaixonada pela obra de Brecht, o que teria motivado a encenação da peça A Alma
Boa de Setsuan, que levou mais de 220.000 pessoas ao teatro, e a
criação de um grupo de leituras dos textos do dramaturgo. Numa das sessões em
que Galileu foi lido, a atriz se
disse invadida por uma vontade
incontrolável de dizer aquelas coisas relevantes, por meio de seu veículo de
comunicação mais importante: o Teatro.
Assim, nasceu o projeto de Galileu
Galilei, peça que correu o Brasil e
que esteve, mais uma temporada, no último fim de semana, no Teatro
Brasil Kirim, aqui em Campinas, no Shopping Iguatemi. Fui ver a peça no domingo. São duas horas e
vinte minutos de espetáculo contínuo. É muito? Absolutamente. Durante todo esse
tempo não me movi da cadeira. É raro isso acontecer comigo, sobretudo porque
sofro de uma espécie de incontinência urinária emocional hereditária que
me impõe a necessidade de visitar o banheiro muitas
vezes durante o dia. Às vezes no cinema, outras nos intervalos das aulas que
ainda ministro, com regularidade, por teimosia. O espetáculo é imperdível. Com Denise ao centro, no papel título de Galileu,
o elenco se completa com o veterano Ary
França, ótimo como sempre, Lúcia
Romano, Théo Werneck, Maristela Chelala, Vanderlei Bernardino, Jackie Obrigon,
Luis Mármora, Silvio Restiffe e Daniel Warren. As interpretações todas, sem
exceção, podem ser citadas como um dos muitos pontos altos do espetáculo. Os
atores, além de interpretarem, cantam, dançam e interagem com a platéia, quando
estão ou não estão em cena. No centro da mensagem, além do embate entre ciência
e religião e os seus desencontros, está
o prazer pelo conhecimento, um prazer inenarrável que se completa por um ato de
filantropia: chamar o outro para ver como eu vejo, para sentir como eu sinto. Numa palavra, ensinar, o ato mais nobre do ser humano e que torna algo divino a
atividade do professor. Denise reproduz
o que está no texto e que ela diz, como Galileu, com uma alegria imensa nos lábios: “Eu tenho que saber e depois passar adiante”. E no folheto que
apresenta e resume a intenção do
espetáculo, agora na voz e no corpo da própria Denise: “Aqui está o nosso Galileu. Dar comunicação as palavras de
Brecht é o que me move, me empurra para o palco. Como Galileu, não vejo a hora
de fazer vocês verem o que eu vi”;
Imagem de Bertold Brecht com trecho de sua
poesia em fase de amor pelo marxismo, provo-
cando o estado capítalista e sua filosofia priva-
dística (
(homoliteratus.
com).
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Galileu
(3)
Seria natural que Denise,
ao se apaixonar pelo texto de Brecht aceitasse nele um papel feminino secundário na montagem
da peça, destinando o do protagonista a um ator, dentre os muitos excelentes
deste país. Ou, então, permanecesse na direção ou co-direção do espetáculo,
atrás da boca de cena. Mas nem pensar. Denise
é essencialmente uma atriz de teatro que precisa estar à frente do palco,
dizendo um texto no qual ela acredita com sinceridade e profundeza de alma,
diretamente para o espectador e se possível conversar com ele, olhando nos
olhos, desafiando-o eventualmente para um embate. Ela é assim. Ou pelo menos é
assim que eu a vejo em cena. Isso
explica porque vai lá querendo e tomando
um personagem masculino, numa espécie de vingança de todas as mulheres
excluídas no passado do palco elisabetano sem atrizes, reservado todos os papéis exclusivamente aos
machos, fossem masculinos ou femininos os personagens. Ah! Meta-se nela uma
simples peruca preta ou branca e uma barriga falsa e ela se transforma
convincentemente num Galileu jovem
ou velho, esguio ou decadente, reproduzindo com entusiasmo ou conformismo
textos que revelam a personalidade e as crenças do físico da idade média, na
visão do mais importante dramaturgo alemão da era moderna. Resta agradecer aos céus, à direção
competente de Cibele Forjaz, ao
próprio Brecht, a Galileu, suas descobertas e suas
abjurações, a revelarem a dualidade da natureza humana e suas contradições
(coragem e heroísmo, medo e covardia), o que garante ser esse um tema universal e
atemporal, a inspirar poetas e escritores, artistas plásticos, filósofos, antropólogos,
sociólogos, psicólogos e todos aqueles que, direta ou indiretamente, trabalham
no mundo para refletir sobre a complexa natureza humana.
Foto tirada de celular com o excelente ator Ary França, que-
ao centro, ladeado por mim e pelo meu ex-aluno, advogado-
e colaborador na Faculdade de Direito, Evandro Tolentino- de Freitas. |
Galileu
(4) Algumas afirmações de Galileu, ou a
respeito dele: “A verdade
tem muitas partes”; “ao velho vinho e ao saber novo ele não diz não”; “vamos
por as nossas máscaras, mas o pobre Galileu não tem nenhuma”; “eu tenho que
saber e depois passar adiante”;
Galileu
(5)
Quando o discípulo se encontra com Galileu, na sua reclusão imposta pelo
regime de prisão domiciliar e recebe dele o original de seu novo livro, que
seria considerado depois uma relíquia, base das ciências modernas, busca
encontrar uma explicação nobre para a renúncia do professor. Então, o senhor é
um herói, o senhor cedeu à abjuração de suas descobertas para poder sobreviver
e escrever essa obra que servirá de base para a nova geração da ciência,
provoca o ex-aluno e admirador. O Professor,
contudo, responde com sinceridade e sem vaidade: Não, não. Abjurei, porque tive medo da fogueira.
Meu neto Rafael conferindo comigo,
no celular, notícia acerca do espetá
culo que ele não pôde assistir.
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Galileu
(6)
O equívoco na condenação imposta a Galileu Galilei pela Santa Inquisição, só foi admitida pela Igreja Católica, em 1.992, quando o
Papa João Paulo II, em moção formal, considerou que “os teólogos que condenaram Galilei não
souberam reconhecer a distinção formal entre a Bíblia e sua interpretação:
“Isso os levou a transpor indevidamente
o domínio da doutrina da fé, ao analisarem uma questão que de fato pertencia ao
domínio da investigação científica”, disse na ocasião, desculpando, no
entanto, os seus algozes,sob a ponderação de que os “teólogos do século 17 trabalhavam com o conhecimento disponível
naquela época” (New York Times, edição de 01 de novembro de 1.992);
Galileu
(7) - O paulista de Araraquara (SP), José Celso Martinez Corrêa, o
Zé Celso, surgiu nos anos 60 como um
dos mais revolucionários diretores teatrais do país, numa época em que o
Teatro Brasileiro de Comédia, o
tradicional TBC, se notabilizava pela encenação europeizada, e desde então
vem construindo um dos percursos mais originais dos palcos brasileiros, sempre
em busca e no aperfeiçoamento de uma
linguagem estética que provoque e revolucione o comportamento das pessoas. A
ele se deve o rompimento da histórica relação palco/platéia, em que esta
desempenha unicamente um papel passivo. O dramaturgo, que fundou em 1.958, o
lendário Teatro Oficina, ao lado de Renato
Boghi, Amir Haddad e Jorge da Cunha Lima entre outros, levou para os
palcos peças antológicas como o Rei de Vela (1967), de Oswald de Andrade, que
expressou as idéias do movimento tropicalista, Roda Viva (1968), de Chico
Buarque de Holanda e, no mesmo dia em que foi decretado o AI-5, estreou Galileu Galilei, a primeira encenação nos palcos brasileiros, e
inspiração da nova montagem de Cibele Forjaz e Denise Fraga, nele também
inspirada.
Até mais amigos.
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