terça-feira, 16 de maio de 2017

O APARTAMENTO É UM GRANDE FILME DO BOM CINEMA IRANIANO

Boa noite amigos,

Cena do filme focalizando o professor Emad e sua mulher,
a atriz Rana, no drama, fiel representante do cinema exis-
tencialista do Irã. 

O Apartamento,  nome no Brasil do bom filme, Foushande,  do diretor, Asghar Farhadi, que conquistou, com méritos, o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2.017, é um legítimo representante do cinema iraniano moderno. Trata-se de um cinema maduro e denso, com memoráveis exemplares, tais como, Um Instante de Inocência (1.996), Close Up (1.990), Gosto de Cereja (1.997),  Cópia Fiel (2.010), e mais recentemente, A Separação (2.011), do próprio Asghar. O drama vivido por Emad Elesami (Shahab Hossein) , um professor de literatura e ator de teatro e sua mulher,  a atriz Rana Elesami (Taraneh Alidoosti), vítima de agressão e estupro, arrebata o espectador, transmitindo, com intensidade, sensações de  ódio, medo, trauma, insegurança,  suspense, emoção e os valores do perdão e generosidade, ou ainda, de sua impossibilidade, alimentada pela força de uma cultura de machismo e, sobretudo, de discriminação da mulher, para além da questão religiosa. Mas essas sensações, como sóe acontecer em outros clássicos do cinema do Irã, não são comuns. A interpretação dos atores, os cenários, o jogo de câmeras, as questões sutis e subliminares que surgem nos longos períodos de silêncio e solidão dos personagens tornam tudo muito particular, específico e superior. E o mais importante: verossímil, a ponto do espectador imaginar que tudo está acontecendo ali, entre pessoas conhecidas, no prédio vizinho ou na esquina de sua casa, talvez. A universalidade dos temas explorados  e o comum dos sentimentos, reduz a distância entre Oriente e Ocidente, tão distintos, e na briga entre valores abandonados pelo imediatismo do mundo da pós-modernidade. E é justamente essa verossimilhança que faz a diferença de outro ou outros roteiros iguais ou similares. O dilema entre a impunidade ao estuprador e a denúncia pública do estupro, a censura pública, a dúvida, o ciúme, o perdão, tudo isso se mistura e se dosa bem no jeito de fazer cinema existencialista desse talentoso cineasta iraniano. Não deixe de ver.

Até breve amigos.  


segunda-feira, 1 de maio de 2017

CAUSO - A RAPIDEZ DA DOUTORA ELZA

Boa tarde amigos,


Imagem e charge emprestada de GGC.

Nesse primeiro de maio, dia do trabalho, depois de um gostoso passeio pelo suave sol de outono, mando aos amigos um causo que escrevi e publiquei no livro "Causas & Causos" n. 1, pela Editora Millenium, no já distante ano de 2.006.


                                             

"Doutora Elza ganhara o conceito de competente  e combativa advogada criminal no foro de Campinas.

Especializara-se em relaxamentos de prisões em flagrantes, flagrantes esses que lhe chegavam de forma rápida ao conhecimento, juntamente com a identidade do preso e o nome e endereço de parente próximo, tudo por obra e graça de conhecido investigador do Distrito Policial, por ela regiamente gratificado.

A par da fama de advogada, corria à boca pequena que ela também gostava de prestar, digamos, uma certa “assistência” além da judiciária, aos mais necessitados, sobretudo se fossem jovens, homens e bonitos, sem exigir atestado de pobreza, presumindo mesmo o estado de necessidade e de carência.

Com escritório montado a menos de duas quadras do fórum, tinha fácil e rápido acesso aos Juízes e Cartórios Criminais.

Deu-se em certa ocasião, que: um conhecido lhe pedira, embora com certo temor, para empregar um filho menor, pois a família passava dificuldades financeiras, diante da inesperada perda de emprego do seu chefe e arrimo.

O temor quase não tinha procedência, pois não constava da fama da Dra. Elza qualquer preferência pela prática de pedofilia.

 Havida por autoritária e mau humorada, na verdade a causídica tinha o coração mole e, ainda que achasse que não ia dar certo, concordou em receber, a título experimental, o tal moleque, um guardinha de treze anos, atribuindo-lhe serviços gerais e corriqueiros do escritório.

Eis que na segunda-feira ele se apresenta, e a advogada explica rapidamente a natureza das tarefas, exigindo que tudo fosse feito com presteza e qualidade.

Em seguida, lhe dá o seguinte aviso e advertência:

- Olhe, deve me telefonar o Senhor Fulano, pai de um cliente meu. Diga-lhe que eu fui ao fórum e que volto logo. Peça que ele deixe recado e o telefone de onde pode ser encontrado, que eu ligo logo que puder.

Ato contínuo, sai com o objetivo de ir ao Palácio da Justiça.

Não demoraram dois minutos e veio o telefonema esperado.

Ao receber a notícia de que a doutora não se encontrava no escritório, o Fulano, nervoso, diz ao moleque:

- Como? A doutora não está? Eu combinei com ela que ligaria nesta hora. Meu filho está preso e eu preciso falar imediatamente com ela.

Pouco adiantou ao menino tentar acalmar o cliente, garantindo que a doutora logo estaria de volta.

O homem insistia e exigia que ele fosse imediatamente chamá-la, onde quer que se encontrasse, tudo sob ameaça explícita de denunciá-la numa tal de “OAB”, coisa que o menino não fazia a menor idéia do que fosse, mas que não devia ser coisa boa, isso lá não devia.

Desligando o telefone, atônito e apavorado, o guardinha saí à rua,  pouco sabendo como se dirigir ao fórum.

Parando numa praça avista um policial e dele se socorre:

- O Senhor sabe onde é que fica o fórum?

- Sim, siga em frente, vire à direita e depois outra vez, primeira à esquerda. Pronto, você vai avistar um prédio de quatro andares. É ali.

Orientação cumprida.

Ao entrar no pomposo edifício, meio constrangido, ressabiado, dirige-se ao balcão de informações:

- Senhor! O Senhor conhece a doutora Elza de Tal?

- Conheço, sim.

-  O Senhor sabe onde ela está?

 -  Sei  sim, ela está na Quarta Vara.

O moleque tomou um susto e num misto de surpresa e incredulidade, não se conteve:

- Já? Será? Na quarta Vara? Pô, mas num faz nem cinco minutos que ela saiu do escritório.