sábado, 1 de junho de 2019

PACOTE ANTICORRUPÇÃO - PRISÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA


Amigos.

               Caricatura de Juiz,emprestada de Elo7.

Vamos combinar: se a Constituição, de forma soberana, é que diz o que pode e o que não pode, é o Supremo Tribunal Federal que diz o que é que a Constituição diz que pode e o que ela garante que não pode. E ponto final. Li que dois dispositivos do pacote anticorrupção do Ministro da Justiça Sérgio Moro enfrentam forte oposição no Congresso para aprovação. Um deles se refere à exclusão de ilicitude em favor dos agentes de segurança por homicídios praticados no desempenho de suas funções. A outra é o do início do cumprimento da pena privativa de liberdade, logo com a condenação em segunda instância. Quanto ao primeiro ponto, mais complexo e polêmico, vou verificar exatamente o teor do texto sugerido e me atreverei posteriormente a declarar minha opinião, conquanto não seja um especialista no assunto. Registro, porém, que minha condição antiga de Bacharel em Direito, advogado por mais de 03 décadas  e, especialmente, juiz hoje aposentado, conheci, na teoria e na prática, as agruras da aplicação da lei penal num país em que faltam educação, preparo e recursos de toda ordem para  o enfrentamento eficiente da criminalidade, com o objetivo de fazer  justiça tanto a algozes, quanto a vítimas. Relativamente ao segundo tema, li que juristas e especialistas em Direito Constitucional alertam que para inserção, em texto de lei ordinária, da recente posição da Suprema Corte no sentido de permitir o cumprimento da pena já com a decisão de 2ª. Instância, demandaria emenda constitucional. Concordo integralmente. Com efeito, qualquer pessoa razoavelmente alfabetizada que leia o artigo 5º, inciso LVII,[1] da Carta Constitucional de 1.988, vai entender claramente, que antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória ninguém pode iniciar cumprimento de pena. E cumprimento de pena criminal antes do trânsito em julgado não combina com presunção de inocência, de jeito nenhum. Argumentar-se-ia que o Supremo Tribunal Federal diz o contrário com apoio popular e das instituições, por razões reputadas relevantes do ponto de vista social. A necessidade de vedar estímulo à impunidade, os inúmeros recursos previstos de natureza constitucional e processual que dão, sobretudo aos réus ricos, largo tempo e vantagens para nunca iniciarem o cumprimento da pena privativa de liberdade durante o  período mais saudável da vida, senão quando já se encontram velhos e doentes  e podem invocar os benefícios legais, como a conversão da pena de reclusão ou detenção em  prisão domiciliar, tratamento  hospitalar  e outras regalias, certamente exerceram influência sobre os Ministros da Augusta Corte, que, por maioria embora, já firmaram jurisprudência quanto à constitucionalidade dessas prisões, após condenação em instâncias ordinárias. Mas essa posição, longe de ser pacífica e que, a todo momento,  é ameaçada  de modificação, não infirmam, absolutamente, a preocupação dos doutores quanto à necessidade da tal emenda. Vivemos hoje, no Brasil, um momento histórico peculiar. O protagonismo do Supremo Tribunal Federal na definição dos rumos políticos da Nação é manifesto. Os jornalistas que cobrem política em Brasília correm diariamente do Palácio do Planalto, da Esplanada dos Ministérios e do Congresso Nacional para o Supremo, bastando que surja alguma sugestão de mudança. E os nossos Ministros, com honrosas exceções, não se privam de tecer considerações sobre oportunidade e conveniência de medidas cogitadas, a legalidade delas etc., ainda que possam, com os comentários, atingir decisões monocráticas  de seus próprios colegas, tomadas, em regra, em caráter liminar, gerando profunda instabilidade jurídica e política. Até os  partidos políticos costumam correr para o Tribunal, buscando ora interpretação do regimento interno das Casas Legislativas,  ora a vedação de voto assim ou assado, inconformados com decisões dos órgãos intestinos competentes. Não questiono as decisões do Supremo Tribunal Federal no que concerne ao mérito e a importância delas para a solução de temas ligados aos direitos fundamentais e sociais do cidadão, diante da inércia do Poder Legislativo de prover e regulamentar esses institutos, caros a categorias, grupos ou à totalidade do povo brasileiro. Mas que essa prática, conquanto justificada até mesmo na Constituição, ao conferir instrumentos como as ações afirmativas e os mandados de injunção, mediante os quais a mais alta corte da Nação pode e deve prover direitos concretos, cuja regulamentação faltou, por desídia e negligência do Congresso,  tem perturbado a normalidade política da Nação e, bem assim, a segurança jurídica, não se tem dúvida[2].  A prática da chamada judicialização exacerbada coloca o Judiciário como um superpoder que, a pretexto de obedecer meros princípios, praticamente recusa ou ignora a existência de muitas leis formalmente vigentes no país, ainda que possam ser consideradas ultrapassadas[3]. De qualquer forma se vamos ter lei agora que possibilite a prisão com a condenação em segunda instância, o mais adequado, o desejável é que se busque emenda constitucional para alterar a Constituição Federal, dela excluindo a tal presunção de inocência antes do trânsito em julgado, para limitá-la expressamente às condenações em instâncias ordinárias, ou coisa que o valha. Vamos repetir: Segundo a Carta Magna,  o Legislativo  faz  lei. A lei, por sua vez,  diz o que pode e o que não pode. E o Supremo Tribunal Federal  diz o que é que a lei quer dizer quando ela diz que pode ou quando ela diz que não pode[4]. E chamam isso de hermenêutica, certo. Portanto, a interpretação atual da Corte de Justiça sobre a garantia constitucional referida não afasta, senão aconselha, que o pretendido início do cumprimento da pena já com condenação em 2ª. Instância,  seja introduzido no nosso sistema jurídico,  por via de emenda constitucional. E se ela for clara, clara mesmo, não há risco de que o entendimento atual do Supremo, seja alterado por mudança de um ou outro Ministro, ou, ainda, ao sabor dos interesses e do humor de respeitáveis cidadãos  que não foram eleitos pelo povo para mandatos políticos. Entenderam agora ou preciso desenhar?
Abraço amigos.




[1]  Constituição Federal, art. 5º, inciso  LVII –“ ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”
[2] Para o Professor de Direito Processual Civil da Puc do Rio Grande do Sul e Desembargador Aposentado, .José Maria Rosa Teisheiner,  Tornou-se corrente a crítica à idéia do juiz como “boca da lei”. (.... ) Mas a crítica está longe de ser justa. A ideia de Montesquieu decorre naturalmente do princípio da legalidade que, embora enfraquecido, continua a integrar nosso sistema constitucional. Subjacente a essa ideia há est’outra que não pode ser desprezada: a de que uma sociedade de homens livres deve ser governada por leis, e não por homens, ainda que juízes. Trata-se, em suma, de substituir as decisões judiciais discricionárias (decisões predominantemente políticas) por decisões vinculadas ao sistema jurídico (decisões predominantemente jurídicas). Observe-se que “poder” no sentido  mais próprio da expressão, é poder discricionário. O juiz que obedece à lei não exerce verdadeiro poder. Defere ou indefere o pedido do autor, em obediência a um dever. O juiz que, abusando da hermenêutica, faz a lei dizer o que ele quer, este sim exerce poder: defere ao amigo o que nega ao inimigo.”  Juiz Bouche de La Loi,     Disponível em  https://www.paginasdedireito.com.br/index.php/artigos/64-artigos-jun-2008/5975-juiz-bouche-de-la-loi--em-defesa-de-montesquieu Acesso em 20 de agosto de 2.018.

[3] Praticamente todo o Capítulo referente ao Direito de Família do Código Civil de 2.002 está superado por novos institutos e conceitos que doutrina e jurisprudência criaram ou introduzirem, em nome da garantia da aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana.
[4]  No direito medieval já vigorava a máxima segundo a qual “a coisa julgada faz do branco preto; origina e cria as coisas, transforma o quadrado em redondo; altera os laços de sangue e transforma o falso em verdadeiro”. Posteriormente, simplificou-se a fórmula para: “A coisa julgada faz do branco, preto, e do quadrado, redondo.”  

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