Amigos.
Caricatura de Juiz,emprestada de Elo7. |
Vamos
combinar: se a Constituição, de forma soberana, é que diz o que pode e o que
não pode, é o Supremo Tribunal Federal que diz o que é que a Constituição diz
que pode e o que ela garante que não pode. E ponto final. Li que dois
dispositivos do pacote anticorrupção do Ministro da Justiça Sérgio Moro
enfrentam forte oposição no Congresso para aprovação. Um deles se refere à
exclusão de ilicitude em favor dos agentes de segurança por homicídios
praticados no desempenho de suas funções. A outra é o do início do cumprimento
da pena privativa de liberdade, logo com a condenação em segunda instância.
Quanto ao primeiro ponto, mais complexo e polêmico, vou verificar exatamente o teor do texto
sugerido e me atreverei posteriormente a declarar minha opinião, conquanto não seja
um especialista no assunto. Registro, porém, que minha condição antiga de
Bacharel em Direito, advogado por mais de 03 décadas e, especialmente, juiz
hoje aposentado, conheci, na teoria e na prática, as agruras da aplicação da
lei penal num país em que faltam educação, preparo e recursos de toda ordem
para o enfrentamento eficiente da
criminalidade, com o objetivo de fazer justiça tanto a algozes, quanto a vítimas.
Relativamente ao segundo tema, li que juristas e especialistas em Direito
Constitucional alertam que para inserção, em texto de lei ordinária, da recente
posição da Suprema Corte no sentido de permitir o cumprimento da pena já com a
decisão de 2ª. Instância, demandaria emenda constitucional. Concordo
integralmente. Com efeito, qualquer pessoa razoavelmente alfabetizada que leia
o artigo 5º, inciso LVII,[1]
da Carta Constitucional de 1.988, vai entender claramente, que antes do
trânsito em julgado de sentença penal condenatória ninguém pode iniciar
cumprimento de pena. E cumprimento de pena criminal antes do trânsito em
julgado não combina com presunção de inocência, de jeito nenhum.
Argumentar-se-ia que o Supremo Tribunal Federal diz o contrário com apoio
popular e das instituições, por razões reputadas relevantes do ponto de vista
social. A necessidade de vedar estímulo à impunidade, os inúmeros recursos
previstos de natureza constitucional e processual que dão, sobretudo aos réus
ricos, largo tempo e vantagens para nunca iniciarem o cumprimento da pena
privativa de liberdade durante o período
mais saudável da vida, senão quando já se encontram velhos e doentes e podem invocar os benefícios legais, como a
conversão da pena de reclusão ou detenção em
prisão domiciliar, tratamento
hospitalar e outras regalias,
certamente exerceram influência sobre os Ministros da Augusta Corte, que, por
maioria embora, já firmaram jurisprudência quanto à constitucionalidade dessas prisões,
após condenação em instâncias ordinárias. Mas essa posição, longe de ser
pacífica e que, a todo momento, é ameaçada
de modificação, não infirmam,
absolutamente, a preocupação dos doutores quanto à necessidade da tal emenda.
Vivemos hoje, no Brasil, um momento histórico peculiar. O protagonismo do
Supremo Tribunal Federal na definição dos rumos políticos da Nação é manifesto.
Os jornalistas que cobrem política em Brasília correm diariamente do Palácio do
Planalto, da Esplanada dos Ministérios e do Congresso Nacional para o Supremo,
bastando que surja alguma sugestão de mudança. E os nossos Ministros, com
honrosas exceções, não se privam de tecer considerações sobre oportunidade e
conveniência de medidas cogitadas, a legalidade delas etc., ainda que possam,
com os comentários, atingir decisões monocráticas de seus próprios colegas, tomadas, em regra,
em caráter liminar, gerando profunda instabilidade jurídica e política. Até os partidos políticos costumam correr para o
Tribunal, buscando ora interpretação do regimento interno das Casas
Legislativas, ora a vedação de voto
assim ou assado, inconformados com decisões dos órgãos intestinos competentes.
Não questiono as decisões do Supremo Tribunal Federal no que concerne ao mérito
e a importância delas para a solução de temas ligados aos direitos fundamentais
e sociais do cidadão, diante da inércia do Poder Legislativo de prover e
regulamentar esses institutos, caros a categorias, grupos ou à totalidade do
povo brasileiro. Mas que essa prática, conquanto justificada até mesmo na
Constituição, ao conferir instrumentos como as ações afirmativas e os mandados
de injunção, mediante os quais a mais alta corte da Nação pode e deve prover
direitos concretos, cuja regulamentação faltou, por desídia e negligência do
Congresso, tem perturbado a normalidade
política da Nação e, bem assim, a segurança jurídica, não se tem dúvida[2]. A prática da chamada judicialização
exacerbada coloca o Judiciário como um superpoder que, a pretexto de obedecer
meros princípios, praticamente recusa ou ignora a existência de muitas leis
formalmente vigentes no país, ainda que possam ser consideradas ultrapassadas[3].
De qualquer forma se vamos ter lei agora que possibilite a prisão com a
condenação em segunda instância, o mais adequado, o desejável é que se busque
emenda constitucional para alterar a Constituição Federal, dela excluindo a tal
presunção de inocência antes do trânsito em julgado, para limitá-la expressamente
às condenações em instâncias ordinárias, ou coisa que o valha. Vamos repetir:
Segundo a Carta Magna, o Legislativo faz
lei. A lei, por sua vez, diz o
que pode e o que não pode. E o Supremo Tribunal Federal diz o que é que a lei quer dizer quando ela
diz que pode ou quando ela diz que não pode[4].
E chamam isso de hermenêutica, certo. Portanto, a interpretação atual da Corte
de Justiça sobre a garantia constitucional referida não afasta, senão
aconselha, que o pretendido início do cumprimento da pena já com condenação em
2ª. Instância, seja introduzido no nosso
sistema jurídico, por via de emenda
constitucional. E se ela for clara, clara mesmo, não há risco de que o
entendimento atual do Supremo, seja alterado por mudança de um ou outro
Ministro, ou, ainda, ao sabor dos interesses e do humor de respeitáveis
cidadãos que não foram eleitos pelo povo
para mandatos políticos. Entenderam agora ou preciso desenhar?
Abraço
amigos.
[1] Constituição
Federal, art. 5º, inciso LVII –“ ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de
sentença penal condenatória”
[2]
Para o Professor de Direito Processual Civil da
Puc do Rio Grande do Sul e Desembargador Aposentado, .José Maria Rosa
Teisheiner, “Tornou-se corrente a crítica à idéia do juiz como “boca da lei”. (....
) Mas a crítica está longe de ser justa. A ideia de Montesquieu decorre
naturalmente do princípio da legalidade que, embora enfraquecido, continua a
integrar nosso sistema constitucional. Subjacente a essa ideia há est’outra que
não pode ser desprezada: a de que uma sociedade de homens livres deve ser
governada por leis, e não por homens, ainda que juízes. Trata-se, em suma, de
substituir as decisões judiciais discricionárias (decisões predominantemente
políticas) por decisões vinculadas ao sistema jurídico (decisões
predominantemente jurídicas). Observe-se que “poder” no sentido mais próprio da expressão, é poder
discricionário. O juiz que obedece à lei não exerce verdadeiro poder. Defere ou
indefere o pedido do autor, em obediência a um dever. O juiz que, abusando da
hermenêutica, faz a lei dizer o que ele quer, este sim exerce poder: defere ao
amigo o que nega ao inimigo.” Juiz Bouche de La Loi, Disponível em
https://www.paginasdedireito.com.br/index.php/artigos/64-artigos-jun-2008/5975-juiz-bouche-de-la-loi--em-defesa-de-montesquieu Acesso em 20 de agosto de 2.018.
[3]
Praticamente todo o Capítulo referente
ao Direito de Família do Código Civil de 2.002 está superado por novos
institutos e conceitos que doutrina e jurisprudência criaram ou introduzirem,
em nome da garantia da aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana.
[4]
No direito medieval já vigorava a máxima
segundo a qual “a coisa julgada faz do branco preto; origina e cria as coisas,
transforma o quadrado em redondo; altera os laços de sangue e transforma o
falso em verdadeiro”. Posteriormente, simplificou-se a fórmula para: “A coisa
julgada faz do branco, preto, e do quadrado, redondo.”
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