domingo, 29 de agosto de 2021

TEMPOS MODERNOS: O OUVIR EQUIVOCADO, O USO INADEQUADO E AS REPRODUÇÕES INEXISTENTES NO LÉXICO DA LÍNGUA PORTUGUESA.

 

Boa noite amigos,


Não precisa ser velho, com elevado déficit auditivo para que o nosso cérebro, muitas vezes,  faça a leitura incorreta da audição.   Aquela velha surda, personagem do antigo humorístico televisivo  A Praça da Alegria, do saudoso Manoel da Nóbrega e, depois, de  A Praça é Nossa, de seu herdeiro e filho, Carlos Alberto da Nóbrega, se popularizou e, assim, se tornou um ícone,  em função dessa possibilidade que, como eu disse, não é exclusiva dos deficientes auditivos. E que, em função disso, a nossa memória acabe gravando frases inteiras ou expressões isoladas erroneamente.  Lendo constantemente, por força das minhas carreiras de juiz, advogado e professor de Direito, escritos de advogados, Promotores, clientes e alunos, conservo ainda na retina, um rol de expressões incorretas e engraçadas. Algumas reproduzidas inúmeras vezes, o que comprova a tese de que tanto o certo, quanto o errado, em tempos de redes sociais, se espalham como pólvora. Dezenas de vezes ouvi o registro da expressão “é ponto passivo” no lugar de “é ponto pacífico”[1]:  O estagiário ou advogado que não muito familiarizado com os inventários da vida, pede ao cartorário o “formol de partilha”, em vez de “formal de partilha”. Ouvi dizer (não vi, nem li) que um Juiz do Trabalho Classista, erigido à condição de Desembargador de um Tribunal Trabalhista, lá pela década de 80 do século passado, durante uma sessão pública de julgamento, teria dito que o reclamante não se desincumbira do “ânus da prova” pretendendo, na verdade, referir-se a “ônus da prova”.  Ah, mas li muitas vezes, em tempos de máquinas de escrever, mas também de computadores, a palavra “peido” no lugar de “pedido”, bastando para tal que se tenha engolido o “d” que vem antes do “i”. E olha que “pedido” é um termo constantemente usado na linguagem forense escrita e falada. Se ninguém, na linguagem oral, diz peido quando quer dizer pedido,   pode perfeita e inadvertidamente anotar, em petições não revisadas depois de elaboradas, a expressão, pensando ter anotado “pedido”. Ouvi algumas vezes advogados nervosos, forçados pelo Magistrado (no caso euzinho),  a elaborar suas razões finais orais e  em plena audiência, limitarem-se a pronunciar, a esse título, a seguinte e lacônica frase: “Excelência, o autor reintera a inicial”. Hum, Reintera? (O verbo é reiterar). Infinitas vezes li e ouvi que “o réu reconviu” por “reconveio”, a lei vigiu, ao invés de “viger”, assim como vigindo em lugar de “vigendo”. Orações como “A  polícia deteu o réu”, no lugar de “deteve” e outros equívocos que, se devem ser censurados de todos os que possuem curso superior, dentre os quais engenheiros e médicos, são absolutamente imperdoáveis no Bacharel em Direito, no advogado, no Juiz, no Promotor, no Delegado, os quais têm como instrumento principal do exercício da função, a palavra escrita, a correção da linguagem, a comunicação direta, objetiva,  culta e adequada. Pois é. Há ainda “invenções” que se espalham prodigamente e se lê em petições, arrazoados e Acórdãos  aos montes, como “Inobstante” no lugar de “não obstante”[2] ou “nada obstante”, além da permanente dúvida sobre quando usar “onde”  ou “aonde”[3]. E o que dizer das intermináveis dúvidas sobre o uso da crase. Quanto a esta felizes os ingleses que não precisam se preocupar com acentuação para distinguir palavras homônimas, ditongos ou hiatos e essa tal crase com a qual muitos tem uma verdadeira relação de amor e ódio.[4]

Abraço amigos e bom domingo.



[1]  Por exemplo: “Saiba Vossa Excelência que o réu sempre foi bom pai e bom marido. Isso é ponto passivo...”

[2] O Dr. José Maria Costa, meu colega primeiro colocado no 153º. Concurso de Ingresso na Magistratura do Estado de São Paulo, professor de Língua Portuguesa, oferece completa explicação sobre essa praxe forense no uso do termo “inobstante”, respondendo a uma das indagações no tradicional jornal eletrônico forense “Migalhas”. Conferir se tiver interesse no site https://www.migalhas.com.br/coluna/gramatigalhas/29791/inobstante

[3] Sobre a diferença entre as expressões e quando deve ser utilizada uma e outra cf. excelente artigo em  https://ead.uri.br/blog/aprenda-usar-onde-aonde

[4] Há os que resolvem crasear todos os “as” sejam meros artigos femininos, sejam isoladas preposições ou a junção de ambas. Outros que preferem ignorar completamente a sua existência na língua portuguesa.

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