“E
o Juiz dirigindo-se ao divorciando indagou: É o senhor o cônjuge varão? O
distinto, meio encabulado, respondeu: Não doutor, infelizmente eu sou é o
marido traído.”
Boa noite amigos,
Outro dia a
opositora de um cliente nosso, não satisfeita com a minuta de redação do acordo
que celebramos relativamente à partilha dos bens do casal, discordou das
expressões que se referiam a ela como “divorcianda” ou simplesmente “mulher”,
pleiteando a substituição por “cônjuge virago”. Pois bem, atendida a
exigência, dando tratos à bola, viajei no tempo e fui me recordando das antigas
tertúlias de especialistas ou não, a respeito de certas expressões que se
tornaram comuns na linguagem coloquial e sua aceitação pelos tradicionais
dicionários e regras gramaticais dessa complexa língua portuguesa. Como advogado, atuando com grande
ênfase no direito de família, fui me acostumando com palavras até então ignoradas,
mas que lia em petições, pareceres, despachos e sentenças. É que, nos processos
de desquite, posteriormente de divórcio, era comum ver referência tanto a varão
(substantivo masculino para designar o marido), quanto à varoa
ou virago,
relativas à mulher ou esposa. Em certa ocasião, porém, fui advertido para que
não usasse cônjuge virago, mas sempre cônjuge varoa. E a explicação me
veio de forma simples e direta: - virago
é mulher macho, mulher que tem hábitos masculinos. Daí por diante tentei
evitar o seu uso. Agora, novamente instado a alterar a redação, por exigência
da parte adversária no processo, para substituir mulher e divorcianda por cônjuge
virago fui consultar os meus dicionários. No volume V do Dicionário Contemporâneo
da Língua Portuguesa de CAUDAS AULETE,
VAROA é registrada como sinônimo de mulher, fêmea de varão. E
no sentido figurativo como mulher esforçada, destemida. Finalmente, por extensão como Heroína
e feminino de varão[1].
E para VIRAGO como mulher que tem estatura, voz, aspecto,
maneiras de homem.[2]
Colhe-se de trecho da obra MARIA
DA FONTE: “Foi a Maria da Fonte a personificação fantástica de uma
coletividade de amazonas de tamancos, ou realmente existiu, em corpo e fouce
roçadoura, uma virago revolucionária com aquele nome e apelido?[3]
Já no Dicionário da Língua Portuguesa de MICHAELIS, o termo VIRAGO,
é registrado como (1) feminino de varão; (2) mulher esforçada,
destemida; (3) mulher muito forte e
de maneira varonis; marimacho.[4] Acredito, assim, que, a partir de uma
praxe equivocada na utilização de virago
como feminino de varão, o léxico passou a ser ampliado para admissão
dessa forma como equivalente ao feminino tradicional de varão, embora continue o termo também a se referir ao seu sentido
originário, destacado pelos dicionários antigos. O leitor haverá de fazer a
distinção unicamente em função do texto e contexto. Por isso o Dr. Paulo Ladeira, em artigo recente
(outubro de 2.0020), ressalta, com pertinência, que “Na linguagem forense,
“cônjuge virago” é uma expressão usada para designar a mulher do casal, em
oposição a cônjuge varão. Note-se que é uma questão que se refere
exclusivamente à prática jurídica já que o sentido trazido pelos dicionários (Houaiss,
Aurélio, etc.) é outro totalmente diferente, ou seja, o de “mulher com hábitos
masculinos”[5]A
incorporação, ao léxico, de expressões e sentidos de verbetes desvirtuados pela
sociedade, não é fenômeno novo, nem de todo indesejado, na medida em que a
língua é um dos importantes elementos culturais de um povo e tem como
finalidade basilar facilitar a comunicação.Sou contra, porém, essa flexibilidade
generalizada defendida por aqueles que advogam a incorporação, à linguagem
culta, de termos coloquiais, como gírias em voga, com data de validade para
desaparecer, e de incorporação, ao
léxico, de significados deturpados de sua significação tradicional. É uma
discussão interminável, na qual cada lado dispõe de argumentos igualmente
válidos e ponderáveis. À minha cara parte contrária, que inspirou esse texto,
quero dizer que melhor teria sido deixar os termos mulher e divorcianda,
insuscetíveis de outras conotações, do que insistir para substituí-las por cônjuge virago, palavra de sentido
dúbio e que, convenhamos, para usar uma expressão coloquial e chula, é feia
pra caralho.
Até mais amigos.