segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

CAUSO - ELEIÇÕES MUNICIPAIS II

Boa noite amigos,

Já relatei nesta coluna o causo que chamei de "Eleições Municipais I". Agora há outro, o "Eleições Municipais II", assunto da coluna de hoje. Ambos estão publicados no meu livro CAUSAS & CAUSOS N. II, da Editora Millenium. Vai lá:


                                 

“Uma garrafa de vinho meio vazia também está meio cheia. Porém, uma meia mentira nunca será uma meia verdade” (Jean Cocteau)


- Doutor esse voto também é para anular?
- É, sem dúvida. A regra do TRE é clara, como diria o Arnaldo César Coelho. Escreveu palavrão, o voto é anulado.
 Eleição à moda antiga, nem se cogitava de urna eletrônica.
Voto manual, contagem manual.
Tudo artesanal, demorado.
Foram se sucedendo alguns votos para um mesmo suposto indivíduo chamado “Zé Buceta”.
Todos anulados por ordem do Meritíssimo Juiz, em estrita consonância com as normas então vigentes.
Mas o fato era intrigante.
Teriam os eleitores combinado a mesma sacanagem?
Em dado momento enquanto se procedia a demorada apuração aproxima-se do Magistrado o Pedro Miranda,  um antigo funcionário do Cartório Eleitoral:
- Doutor o Senhor José, Presidente da Câmara, pede para falar com o senhor por um momento.
- Pois não.
Aproxima-se o Senhor José de Arimatéia Correa, Vereador Presidente da Câmara Municipal.
Tratava-se de pessoa extremamente elegante tanto no trajar, como no andar, no comportamento geral, incluindo a polidez com que, cerimonioso, sempre se dirigia ao Juiz de Direito, que já o conhecia de solenidades e outros encontros em que se faziam presentes, por questão protocolar,  as autoridades locais.
Aparentando certo nervosismo, o que contrastava com o seu jeito ordinariamente calmo e estudado, ar glacial, começa a cantilena:
- Doutor, me desculpe a intromissão. O senhor sabe como as coisas acontecem em cidade pequena. Há muita fofoca, muito mexerico, muita maldade. Mas o povo não é mal, é apenas simplório, fácil de ser levado. De boa fé até.
O Juiz não estava entendendo muito bem onde pretendia chegar o tal Presidente da Câmara, com esse interminável prólogo.
Mas continuou ouvindo atentamente por respeito e consideração, pois a tinha – e muito – em relação ao interlocutor, até por justificável reciprocidade.
- O Senhor é um homem experiente, vivido, sabe muito bem até onde chegam as maledicências, ponderou.
O Magistrado continuou ouvindo atenciosamente.
- Alguém resolveu fazer uma brincadeira, de certa feita, há muito tempo, achando que eu, veja bem, eu, senhor juiz,  pessoa sempre delicada e respeitosa, me aproveitava das moças que por mim se apaixonavam. Devia ser algum despeitado, pois eu sempre fui educado, de cidade, estudado, o senhor sabe como é. Andava de terno e gravata e isso causa ciúme, principalmente nos moços do sítio que rivalizam, nos ignorantes.
A coisa, pensou o Juiz, vai longe. Mas para onde vai?
- Assim, eu quero dizer pro doutor que o tal desavergonhado até me deu apelido muito feio, coisa que não se diz, mas acho até que não foi por mal, não.
Pronto, o Juiz entendera tudo:
O ilustre Vereador, Advogado formado, Presidente da Câmara, pessoa afável e cerimoniosa, fino no trato era nada mais, nada menos, que o tal Zé Buceta.
Quis confirmação.
Para poupar o coitado do candidato que já tinha mudado de cor várias  vezes durante a arrojada intervenção,  salientou que já entendera a pretensão e pediu que o ilustre edil aguardasse por um instante.
Foi conferir com o Pedro Miranda, do Cartório Eleitoral:
- Pedro, venha cá um instante. Me diga uma coisa. O Zé Buceta é ele, apontando para o candidato que estava distante.
- Ah, é ele sim, sem dúvida nenhuma. É assim que o povo conhece ele doutor.
- E por quê, você sabe?
- Por causa da fama de comedor do bicho. Com essa conversinha mole dele, o senhor percebeu, dizem as más línguas que é o “come queto”. Vestiu saia o bicho não perdoa.
- É mesmo? Exclamou o Magistrado, achando aquilo engraçado e surrealista.
- É, sim senhor.
- Obrigado.
Discretamente o Magistrado dirigiu-se à mesa de apuração e,  ao pé do ouvido do Presidente, determinou:
- Seu João, por favor. Pegue de novo aqueles votos anulados dados ao tal do Zé da tal...  “Vagina” o senhor sabe,  e conte para o senhor Presidente da Câmara, por favor.
E o Seu João, por pura sacanagem,  com um riso miúdo no canto da boca:
- Vagina ou Buceta doutor?
- O senhor entendeu, não é?
- Acho que sim senhor, poupou. E obedeceu.
Ato contínuo, foi ter com o candidato dizendo que a decisão anterior estava reconsiderada e que  tudo estava resolvido a seu favor, pela aplicação de outra regra eleitoral, segundo a qual, O QUE VALE É A INTENÇÃO DO ELEITOR.
O político saiu dali envergonhado, mas profundamente aliviado.
Afinal, entre perder a eleição e o vexame de dizer pro Juiz que os tais votos eram dele ou para ele, escolhera a última hipótese.
E graças à profunda generosidade do Magistrado, foi o candidato poupado da última oração que teria que ser dita depois de todo o  trololó.
Algo assim, naquela voz grave, respeitosa e solene:
- Doutor, desculpe, mas o Zé Buceta sou eu. Pode perguntar pro pessoal do eleitoral.
Coisa de eleição acontecida  no interior."

Forte abraço e até a próxima.

 P.S. A imagem caricatural da coluna de hoje foi emprestada de essentialiconsultoria.wordpress.com.


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