Boa noite amigos,
A
consideração de que o princípio da dignidade da pessoa humana é, na verdade, na
esfera de nossa Constituição Federal de 1.988, um dos fundamentos da própria República Federativa do
Brasil (art. 1° III), tem provocado verdadeira revolução na doutrina e na
jurisprudência conservadoras, no campo
da responsabilidade civil. Um dos
aspectos que ilustram essa conclusão é o reconhecimento, de algum tempo para
cá, da possibilidade de extensão de indenizações por danos morais, além daquela
conferida à vítima direta, também àqueles que, indiretamente, se sintam
atingidos pelo efeito reflexo do ato
ilícito praticado pelo agente. A doutrina francesa, reconhecendo a possibilidade
de reflexo do ato danoso também no patrimônio moral de terceiros, passou a
admitir o que nominou de dano “par ricochet”, ou seja, o que, derivado do
mesmo ato do ofensor, atinge, reflexamente, pessoas que mantém, com a ofendida, estreita relação de afetividade. Tanto
na Justiça Comum, como na
Justiça do Trabalho, que
passou a ter competência para julgar ações que derivem da relação de trabalho, mesmo
quando propostas não pelo empregado, mas por outras pessoas de sua família ou rol
de amizade, há inúmeros precedentes importantes, nesse sentido. O Superior Tribunal de Justiça, confirmando decisão de Tribunal Estadual, manteve
a condenação do patrão a compensar mulher e filho de empregado, vitimado por acidente do trabalho, observando que: “no caso em apreço, não pairam dúvidas que a
esposa e o filho foram moralmente abalados com o acidente que vitimou seu
esposo e pai, atualmente sobrevivendo em estado vegetativo, preso em uma cama,
devendo se alimentar por sonda, respirando por traqueostomia e em estado
permanente de tetraplegia, sendo que “a
esposa jamais poderá dividir com o marido as vicissitudes da vida cotidiana de
seu filho, ou a relação marital que se esvazia, ou ainda, o filho que não será
levado pelo pai ao colégio, ao jogo de futebol, ou até mesmo a colar as
figurinhas da Copa do Mundo.” E o Ministro Relator, referindo-se a inúmeras situações que devem merecer compensação pelo dano moral,
assim prosseguiu: “Dessa forma, não cabe
a este Relator ficar enumerando as milhões de razões que atestam as perdas
irreparáveis que sofreram essas pessoas (esposa e filho), podendo qualquer um
que já perdeu um ente querido escolher suas razões, todas poderosamente
dolorosas; o julgamento de situações como esta não deve ficar preso a conceitos
jurídicos ou pré-compreensões processuais mas levar em conta a realidade das
coisas e o peso da natureza da adversidade suportada” (Agravo Regimental em
Recurso Especial n. 1212322-SP 2010/0166978-7). Ainda recentemente, o Tribunal
Regional do Trabalho da 15ª. Região, sediado aqui em Campinas, deferiu
pleito do marido de empregada que sofreu acidente do trabalho, em virtude do
qual experimentou lesão estética considerável, conferindo indenização a ele,
independentemente daquela devida à mulher, vítima direta. Há também precedentes
beneficiando cônjuge de empregado que sofre assédio moral ou sexual no trabalho;
de marido de empregada que foi acusada da prática de furto; de cônjuge e filho
de empregada que sofreu revista corporal
abusiva, etc.. Note-se que, segundo esses julgados, para
reclamar indenização ou compensação, a pessoa não precisa ser cônjuge,
companheiro ou filha dependente do ofendido, bastando que possa demonstrar a
existência de relação de afeto capaz de fazer presumir o sofrimento com o ato
ilícito praticado. A diferença
consistirá apenas no ônus da prova, pois enquanto os parentes próximos não
precisam demonstrar o dano moral ou o sofrimento, no caso sempre presumido,
pessoa que não mantenha essa relação com o ofendido, deverá, se contestado o vínculo
de afinidade, fazer a comprovação desse elo excepcional. São avanços compreensíveis
e desejáveis da jurisprudência que, no entanto, deve sempre estar atenta a cada
caso concreto para verificar se não há abuso e se existe razoabilidade e fundamento para atendimento desses pleitos.
Até amanhã amigos.
P.S. (1) Esclarece o jurista Yussef Said Cahali, em sua obra DANO MORAL, Editora RT, que “embora
o dano deva ser direto, tendo como titulares da ação aqueles que sofrem, de
frente, os reflexos danosos, acolhe-se também o dano derivado ou reflexo “le
dommage par ricochet”, de que são os titulares que sofrem, por consequência,
aqueles efeitos, como no caso de dano moral sofrido pelo filho diante
da morte de seus genitores e vice-versa”;
P.S. (2) Alguns
precedentes do STJ admitindo a compensação do dano moral reflexo ou por
ricochete: REsp.
1.041.715/ES, Rel. Min. MASSAMI UYEDA, DJe 13/06/2008; AgRg no AREsp.
104.925/SP, Rel. Min. MARCO BUZZI, DJU 26/06/2012; e AgRg no Ag 1.413.481/RJ, Rel.
Min. RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, DJe 19/03/2012;
P.S. (3) A imagem caricatural
da coluna de hoje foi emprestada de www.concurseirosligadosnotrt.com.