sexta-feira, 17 de outubro de 2014

DIREITOS FUNDAMENTAIS X CENSURA.

Bom dia amigos,


Mais de uma vez, como advogado, recorri aos Tribunais em favor de clientes que se julgavam ofendidos em sua honra, por publicações ou mensagens, visando impedir que tais manifestações continuassem a ser veiculadas. Em todas as vezes, ainda que invocasse texto expresso de lei em prol da tese[1],  fiquei vencido,  ao argumento de vedação constitucional à censura prévia, tão em voga e abusivamente praticada, diga-se de passagem, na época da ditadura militar[2]. A verdade é que a nossa democracia ainda está em fase embrionária de construção e são grandes os riscos da prevalência de raciocínios  que, extremamente liberalizantes, possam  nos conduzir a uma reversão do processo. A polêmica recentemente estabelecida sobre as biografias autorizadas promete revolucionar o entendimento jurisprudencial a respeito de como os diversos princípios, expressos ou implícitos na Constituição Federal de 88, poderão se harmonizar, ou de como estabelecer critérios, objetivos se possível, para que um prevaleça sobre o outro, quando contrastados[3]. Tramita no Supremo Tribunal Federal, a ação direta de inconstitucionalidade dos artigos 20[4] e 21[5] do Código Civil de 2.002  (ADIN n. 4.815),  proposta pela Associação Nacional dos Editores de Livros e a nossa Corte Suprema já realizou e encerrou  audiências públicas que a  Ministra Carmen Lúcia, Relatora do processo, houve por bem realizar,  não havendo ainda data designada para a sessão de julgamento.   O ex-Ministro, Joaquim Barbosa, hoje aposentado,  entra na polêmica, declarando publicamente ser favorável às biografias liberadas, não sujeitas a qualquer autorização prévia. Confessou, inclusive,  ter presenteado um amigo com uma biografia do cantor e compositor Roberto Carlos, ainda antes da obra ter sido tirada de circulação, a pedido do artista. No plano legislativo tramita o PL (Projeto de Lei) n. 393/11, de autoria do deputado Newton Lima (PT-SP), que prevê a execução de filmes e publicação de livros biográficos, sem a necessidade de autorização prévia do biografado ou de sua família. O Projeto atualmente se encontra no Senado Federal. Convido assim os amigos, de formação jurídica ou não, a entrar nessa discussão,  cada qual oferecendo subsídios, dentro de sua área de formação, que possam contribuir ou enriquecer o debate, em busca de uma solução ideal do ponto de vista de conciliação dos interesses em conflito. De minha parte acredito que a melhor solução seria a de se permitir a publicação, independentemente de autorização, facultado ao biografado o direito de solicitar judicialmente a exclusão de qualquer trecho, expressão, desenho ou imagem, sem valor histórico ou que lhe ofenda a honra subjetiva ou objetiva, ou a privacidade. Afinal, como afirmava  Gabriel Garcia Marques, morto recentemente, todos tem “uma vida pública, uma privada e uma secreta. E esta última, integrando o direito personalíssimo do titular, não pode ser devassada, sob pretexto algum, desde que não envolva a prática de ilícito ou delito em desfavor de terceiro, do Estado ou da sociedade.

Até amanhã amigos.

P.S. (1) A imagem da coluna de hoje é da capa do livro  Anjo Pornográfico de autoria de Ruy CastroEditora Cia. Das Letras, focalizando a vida do polêmico escritor, poeta, jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues e foi emprestada de todolivro.blogspot.com;

P.S. (2) A Associação Procure Saber, que se define como “um grupo de autores, artistas e pessoas ligadas à música, dedicado a estudar e informar os interessados e a população em geral sobre regras, leis e funcionamento da indústria no Brasil”, defende a necessidade de que as biografias sejam previamente autorizadas.  Em contrapartida, outros artistas como Alceu Valença vieram a público defender a livre publicação de biografias.

P.S. (3) Tendo como Presidente a produtora Paula Lavigne e o apoio de alguns artistas de peso do cenário nacional (Caetano Veloso, Chico Buarque de Holanda, Roberto e Erasmo Carlos, Djavan, Milton Nascimento, Gilberto Gil),  a associação poderá participar do julgamento da Adin na condição de amicus curae, termo jurídico utilizado para denominar pessoas ou entidades legalmente constituídas, interessadas no julgamento do tema em análise.

P.S. (4) A motivação também é polêmica, na medida em que a Presidente da Ong, Procure Saber, a produtora Paula Lavigne, ter declarado, em certa feita, que a entidade e seus precursores não visam se opor à publicação, desde que gratuita, se feita, por exemplo, pela Internet, e sim evitar que os escritores e editores lucrem  com as publicações, sem dividir o resultado com o biografado. As infelizes declarações de Paula tem desagradado  muitos dos integrantes da aludida associação. Alguns se desligaram por discordar delas.

P.S. (5) Ruy Castro, antigo biógrafo, responsável por grandes biografias publicadas (Estrela Solitária sobre o jogador Garrincha; O Anjo Pornográfico, sobre a vida de Nelson Rodrigues; Carmen, sobre Carmem Miranda), justificando a sua posição pela liberdade de publicação, considera que a autorização do biografado para publicação da obra, implica numa espécie de monopólio da história, típico de regimes totalitários.








[1] Dispõe o artigo 12 do Código Civil Brasileiro: “Pode-se exigir que cesse a ameaça ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.”
[2] “... A tutela inibitória prevista no art. 12 do Código Civil não poderia afastar a garantia estabelecida na Lei Maior, como deixou claro o acórdão, e nem viola outra garantia constitucional de menor gradação” (Embargos de Declaração nº 394.186.4/4-01 – TJSP – 2ª. Câmara de Direito Privado – Rel. Desembargador Boris Kauffmann, v.u., 04 de outubro de 2.005).
[3]  Dispõe o art. 220 da Constituição Federal: “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. § 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X e XIV. § 2º - É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
[4] Dispões o art. 20 do Código Civil Brasileiro: “Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da Justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser  proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que lhe couber, se lhe atingirem a honra, a boa-fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais
[5] Art. 21: “A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.”

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