Bom dia amigos,
Mais de uma vez, como advogado, recorri aos
Tribunais em
favor de clientes que se julgavam ofendidos em sua honra, por publicações ou
mensagens, visando impedir que tais manifestações continuassem a ser
veiculadas. Em todas as vezes, ainda que invocasse texto expresso
de lei em prol da tese[1], fiquei
vencido, ao argumento de vedação
constitucional à censura prévia, tão em voga e abusivamente praticada, diga-se
de passagem, na época da ditadura militar[2]. A verdade é que a nossa democracia ainda está em
fase embrionária de construção e são grandes os riscos da prevalência de raciocínios que, extremamente liberalizantes, possam
nos conduzir a uma reversão do processo. A polêmica recentemente
estabelecida sobre as biografias autorizadas promete revolucionar o entendimento jurisprudencial
a respeito de como os diversos princípios, expressos ou implícitos na Constituição Federal
de 88, poderão se harmonizar, ou
de como estabelecer critérios, objetivos se possível, para que um prevaleça
sobre o outro, quando contrastados[3]. Tramita no Supremo Tribunal
Federal, a ação direta de
inconstitucionalidade dos artigos 20[4] e 21[5] do Código Civil de 2.002 (ADIN n. 4.815), proposta
pela Associação Nacional dos Editores de Livros e a nossa Corte Suprema já realizou e encerrou audiências públicas que
a Ministra Carmen Lúcia, Relatora do processo, houve por bem realizar, não havendo ainda data designada para a sessão de julgamento. O ex-Ministro, Joaquim Barbosa, hoje aposentado,
entra na polêmica, declarando publicamente ser favorável às biografias
liberadas, não sujeitas a qualquer autorização prévia. Confessou, inclusive, ter
presenteado um amigo com uma biografia do cantor e compositor Roberto Carlos, ainda antes da obra ter sido
tirada de circulação, a pedido do artista. No plano legislativo tramita o PL (Projeto de Lei) n. 393/11, de autoria do
deputado Newton Lima (PT-SP), que prevê a
execução de filmes e publicação de livros biográficos, sem a necessidade de autorização prévia do
biografado ou de sua família. O Projeto atualmente se encontra no Senado Federal. Convido assim os amigos, de formação jurídica
ou não, a entrar nessa discussão, cada
qual oferecendo subsídios, dentro de sua área de formação, que
possam contribuir ou enriquecer o debate, em busca de uma solução ideal do
ponto de vista de conciliação dos interesses em conflito. De minha parte
acredito que a melhor solução seria a de se permitir a publicação,
independentemente de autorização, facultado ao biografado o direito de
solicitar judicialmente a exclusão de qualquer trecho, expressão, desenho ou
imagem, sem valor histórico ou que lhe
ofenda a honra subjetiva ou objetiva, ou a privacidade. Afinal, como afirmava Gabriel Garcia Marques, morto
recentemente, todos tem “uma vida pública, uma privada e uma secreta”. E esta última, integrando o
direito personalíssimo do titular, não pode ser devassada, sob pretexto algum, desde que não envolva a prática de ilícito ou delito em desfavor de terceiro, do Estado ou da sociedade.
Até amanhã amigos.
P.S. (1) A imagem da coluna de hoje é da
capa do livro Anjo Pornográfico de autoria de Ruy Castro, Editora
Cia. Das Letras, focalizando a vida do polêmico escritor, poeta,
jornalista e dramaturgo Nelson
Rodrigues e foi emprestada de todolivro.blogspot.com;
P.S. (2) A Associação
Procure Saber, que se define como “um
grupo de autores, artistas e pessoas ligadas à música, dedicado a estudar e informar os interessados
e a população em geral sobre regras, leis e funcionamento da indústria no
Brasil”, defende a necessidade de que
as biografias sejam previamente autorizadas. Em contrapartida, outros
artistas como Alceu Valença vieram a
público defender a livre publicação de biografias.
P.S.
(3) Tendo como Presidente a produtora Paula Lavigne e o apoio
de alguns artistas de peso do cenário nacional (Caetano Veloso, Chico Buarque de Holanda, Roberto e Erasmo Carlos,
Djavan, Milton Nascimento, Gilberto
Gil), a associação poderá participar
do julgamento da Adin na condição de
amicus
curae, termo jurídico utilizado para denominar pessoas ou entidades
legalmente constituídas, interessadas no julgamento do tema em análise.
P.S. (4) A motivação também é
polêmica, na medida em que a Presidente da Ong, Procure Saber, a produtora Paula Lavigne, ter declarado, em certa feita,
que a entidade e seus precursores não visam se opor à publicação, desde que
gratuita, se feita, por exemplo, pela Internet, e sim evitar que os escritores
e editores lucrem com as publicações,
sem dividir o resultado com o biografado. As infelizes declarações de Paula tem
desagradado muitos dos integrantes da
aludida associação. Alguns se desligaram por discordar delas.
P.S. (5) Ruy Castro, antigo biógrafo, responsável
por grandes biografias publicadas (Estrela Solitária sobre o jogador Garrincha;
O Anjo Pornográfico, sobre a vida de Nelson Rodrigues; Carmen, sobre Carmem Miranda),
justificando a sua posição pela liberdade de
publicação, considera que a
autorização do biografado para publicação da obra, implica numa espécie de
monopólio da história, típico de regimes totalitários.
[1] Dispõe o artigo 12 do Código Civil Brasileiro:
“Pode-se exigir que cesse a ameaça ou a lesão, a direito da personalidade, e
reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.”
[2] “... A tutela inibitória prevista no art.
12 do Código Civil não poderia afastar a garantia estabelecida na Lei Maior,
como deixou claro o acórdão, e nem viola outra garantia constitucional de menor
gradação” (Embargos de Declaração nº 394.186.4/4-01 – TJSP – 2ª. Câmara de
Direito Privado – Rel. Desembargador Boris Kauffmann, v.u., 04 de outubro de 2.005).
[3]
Dispõe o art. 220 da Constituição Federal: “A manifestação do
pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo
ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena
liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação,
observado o disposto no art. 5º, IV, V, X e XIV. § 2º - É vedada toda e
qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
[4] Dispões o art. 20 do Código Civil
Brasileiro: “Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da Justiça
ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da
palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa
poderão ser proibidas, a seu
requerimento e sem prejuízo da indenização que lhe couber, se lhe atingirem a
honra, a boa-fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais”
[5] Art. 21: “A vida privada da pessoa natural
é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências
necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.”
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