Boa noite amigos,
1. Outro dia na Império,
a novelinha atual das oito da Globo, que começa às 9,15, e quando tem
horário político, às 15 para as 10, a filha do personagem José Pedro (vivido pelo ator Alexandre
Nero), um nordestino que veio para
São Paulo sem lenço, nem documento, e que se tornou, por força de algumas coincidências
do destino, um dos mais famosos comerciantes de diamantes do Brasil, pergunta
ao pai, diante da afirmação dele que tem
projeto de se tornar mais rico e poderoso
à frente da empresa de jóias, se
ele já não se sente suficientemente rico e poderoso. Em resposta o empresário
afirma que esse objetivo visa apenas distraí-lo, fazendo-o esquecer que vai morrer como um homem comum. E remata: - Não acho certo, não acho justo ter
que morrer, não me conformo de ter que
morrer como um homem comum.
2. É isso, pensei. Realmente,
os homens têm dificuldade em aceitar a condição humana que os submete a um
viver temporal comum a todos da mesma espécie (o tempo, o envelhecimento, a
morte). Ser apenas comum. Unicamente um exemplar temporal de uma
espécie, dentre as milhões de espécies do reino animal existentes no
universo e na história da humanidade, e que um dia qualquer vai desaparecer, sem
deixar pistas, é uma possibilidade que
assusta cada um de nós e desconstrói todos os sonhos e o mito de uma vida
espiritual, para além da morte, onde seríamos nós, para sempre, relevantes.
Mas, afinal, não é também uma possibilidade?
3. Na minha infância e juventude ouvi muitas
explicações a respeito da importância da religião e da crença na existência de
uma vida eterna. Garantiam alguns que a crença em Deus, na espiritualidade, na
possibilidade de uma vida eterna no Reino dos Céus, destinada a
compensar as agruras de uma vida terrena que poderia ser pobre, sofrida e
injusta seria fundamental para o equilíbrio na vida social. Logo, a existência
das religiões e a profecia que elas, a seu modo, oferecem ao povo, aos que
vivem de fé e esperança, consistiria, no passado e para sempre, a garantia de uma
moral objetiva calcada em valores, na prática do bem em detrimento do mal.
Será? Sem a fé e o credo no merecido paraíso, os homens deixariam prevalecer os
seus instintos e muitos se dedicariam ao mal, à pratica de crimes, sem
compaixão, cientes de que teriam que ter o que mais pudessem, nessa única vida apenas, sem
volta. O que me intrigava é que o mito da Justiça Divina e do Reino dos Céus
servia para manter o conformismo de
milhões de homens submetidos às mais cruéis e desumanas condições de
existência. Ora, para servir a própria religião e aqueles que dela se
utilizavam de forma mercantilista e odiosa, ora, em nome e na defesa da Nação,
do Estado, da moral, do patrão, da família, do raio que o parta.
4. - Sempre
achei uma sacanagem aquela história de que, até a última hora, nós eternamente
pecadores, poderíamos nos arrepender de tudo o que fizemos de errado nessa
vida, lá no finzinho dela, que Deus nos
concederia o perdão incondicional. Sem nem uma passadinha rápida pelo
purgatório. Mas vá que a gente morra sem
dar tempo do arrependimento eficaz, sem dar tempo do padre ou o pastor chegar para ouvir a nossa confissão e nos conceder o perdão, em nome de Deus. Aí, negão, primários ou não
iríamos arder no fogo do inferno para o resto da eternidade. Resto? E
eternidade tem resto?
5. Não se trata de fazer apologia do ateísmo ou
do agnosticismo, nem de criticar a posição de quem quer que acredite ou
professe qualquer crença, seita ou religião.
Minha natureza liberal e de respeito à diversidade, me impediria, como me impede, tal. O que deixo claro é que acredito meus amigos,
na existência e validade de um humanismo laico ou secular, não inspirado no
divino ou no transcendental, preconizado por homens que, com talento, sensibilidade e obras
magníficas, disseminam o bem e os valores de um humanismo verdadeiramente
voltado para a solidariedade e a justiça social. Esses seres acreditam que o
compromisso de uma vida inteira voltada para o bem e as obras sociais, é um
objetivo que justifica, compensa e satisfaz, por si só, tornando feliz e plena a vida
de um homem. Como diz a canção popular: A gente leva da vida, a vida que a gente
leva.
Até amanhã amigos,
P.S. (1) O humanismo secular ou laico é uma postura
filosófica que abraça a razão humana, a ética, a justiça social e o naturalismo
filosófico, rejeitando o dogma religioso, sobrenatural, pseudociência ou
superstição como a base da moralidade e de tomada de decisões. Ele postula que
os seres humanos são capazes de ser éticos sem religião ou sem um deus.
Fundamental para o conceito de humanismo secular é o ponto de vista fortemente
defendido de que a ideologia, seja ela religiosa ou política, tem de ser
cuidadosamente examinada por cada indivíduo e não simplesmente aceita ou
rejeitada na fé. Junto com isso, uma parte essencial do humanismo secular é uma
busca contínua da verdade, principalmente através da ciência e da filosofia.
P.S.
(2) Alguns humanistas seculares notórios
apontados pela organização não governamental norte-americana Council for
Secular Humanism e outras fontes: Voltaire,
David Hume, John Lennon, Frank Zappa, Sam Harris, Bertrand Russel, Richard
Dawkins, Andrei Sakharov, Jeremy Bentham, Steve Allen;
P.S.
(3) No Brasil são apontados, o médico Drauzio Varella e Herbert de Souza, o Betinho.
P.S.
(4) A imagem da coluna de hoje (do meu celular) é da Estátua da Liberdade,
não a original que se acha em Nova York, mas a sua imponente réplica levantada
em um hotel de Las Vegas, que visitei recentemente e aqui ilustra o pensamento
da coluna de hoje, ou seja, da beleza da liberdade conferida a cada ser humano
de conduzir a sua vida e a sua fé, ou falta de fé, à sua própria maneira e
deliberação.
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