"A simplicidade
é a medida exata entre o de menos e o demasiado” Joshua Reynolds.
Boa tarde amigos,
Como hoje é sábado, dia de pegar leve, mando um conto que satiriza a linguagem rebuscada dos Tribunais, em confronto com a simplicidade do linguajar coloquial, do dia-a-dia da população brasileira, destinatária das decisões judiciais. O "causo" foi publicado no meu livro "Causas & Causos" n. 1, em 2.006, pela Editora Millenium, de Campinas (SP). Aí vai:
Como hoje é sábado, dia de pegar leve, mando um conto que satiriza a linguagem rebuscada dos Tribunais, em confronto com a simplicidade do linguajar coloquial, do dia-a-dia da população brasileira, destinatária das decisões judiciais. O "causo" foi publicado no meu livro "Causas & Causos" n. 1, em 2.006, pela Editora Millenium, de Campinas (SP). Aí vai:
" Não bastasse o movimento geral e cada vez mais
intenso pela chamada “efetividade” da Justiça Brasileira, num país em que se
reclama tanto de sua morosidade, agora cresce o apelo pela simplificação da linguagem
jurídica.
A Associação Brasileira da Magistratura (AMB) saiu à
frente e já pensa num projeto de lei que proíba, em todo território nacional, a
utilização de termos técnicos complexos, principalmente quando vertidos no
saudoso e bom latim, ou em outra língua estrangeira contemporânea.
Acredito que a proibição não vai incluir o inglês que
é uma espécie de segunda língua-mãe, pelas implicações que o veto traria
(dificuldades, sobretudo para substituir palavras novas que se usam e se grafam
como no Reino Unido ou em Nova York).
Ao invés de “delete”, você terá que usar o “apague” ou
“mate”, ou talvez “mande para o espaço”. E como será dar um download em
português (aguarde, estou baixando o arquivo). Feio né?
É possível até que se estabeleça alguma penalidade
para a transgressão, mas eu sugiro que, se houver mesmo sanção, ela possa, como
no direito penal, variar de acordo com a natureza da infração, isto é, dever-se-á
(mesóclise?) admitir as formas dolosa e culposa do
delito.
Ipso facto
(???), deverão ser inseridos num novo capítulo
a ser aberto na parte especial do Código Penal, sob o rótulo de algo assim como “Dos crimes contra a Inteligibilidade”.
Gente da minha
idade e da minha área de atuação, viciada nessas expressões, por certo vai
cometer involuntários deslizes, mormente (olha aí, alguém fala mormente hoje em
dia?), em encontros de advogados, juízes, promotores e outros tantos
profissionais hoje chamados de operadores do direito.
Convenhamos! O movimento tem fundamento. É muito mais
lógico e compreensível dizer “com
respeito ao seu ponto de vista”, ou
“em princípio” aceito a sua argumentação, do que “data venia” de Vossa
Excelência, ou “a priori”, não se pode concluir tal coisa.
Mas como toda boa tradução, é preciso redobrado
cuidado para que as palavras ou texto
não sejam maculados (seria melhor eivados?). Será indispensável, creio, que o
sentido técnico seja preservado.
Afinal, “fundo de comércio” não pode ser
confundido com “quintal de armazém”, “vara de menor” com
“pinto de criança” e nem fica bem tomar
“retificação de assento” por “plástica de bunda”.
Não sei se todo esse movimento vai mesmo dar certo e se
a gente comum, o povão da comunidade, a galera, como se diz no vasto
vocabulário da juventude, será capaz de entender que, apesar da simplificação
da linguagem, isso não vai, por si só, resolver a questão da lentidão da
justiça e suas causas crônicas.
Estou convencido, no entanto, que muitas surpresas e
perplexidades devam desaparecer.
Há menos de duas semanas deu-se um caso curioso e
engraçado. E comigo mesmo. Era tarde de segunda-feira e eu, religiosamente, cumprindo compromisso moral assumido com um dos Juízes Cíveis da Comarca de
Campinas, servia como conciliador nas audiências designadas para aquela
data.
O primeiro processo era simples. Tratava-se de uma
ação de cobrança de taxas de condomínio em atraso.
O advogado do condomínio, zeloso, ciente de que,
embora o apartamento tivesse sido vendido, há muitos anos, pelo casal que o
adquirira primitivamente, não se
outorgara escritura definitiva, intentou a ação contra os dois
casais, os promitentes vendedores, tecnicamente ainda condôminos, e os promissários compradores.
É que havia entendimento jurisprudencial que, nesse
caso, de contrato de compromisso não convertido em escritura pública, o condômino continuava a ser o titular do domínio, como consta do Registro de Imóveis.
O casal vendedor foi citado às vésperas da audiência e
compareceu desacompanhado de advogado.
Era um fisioterapeuta e uma dentista, os quais não
conseguiam entender a razão de terem sido convocados. Ora, o tal apartamento já não era deles há uma década.
Fiz um gesto no sentido de dar a almejada explicação.
Mas o referido advogado, muito solícito, pediu licença
para me interromper e, dirigindo-se a eles, disse em bom tom:
- Olhe meu senhor, eu fui obrigado a colocar o senhor e
a sua mulher no pólo passivo da relação processual...
O homem levantou as sobrancelhas.
E por um instante tentei adivinhar o que se passava na
sua mente.
Deve ter
pensado – Será que isso dói?
Ou então:
- Eu vou pedir
a gentileza de tirarem a minha mulher desse negócio.
Mas antes que da surpresa se passasse ao pânico,
intervim:
- Com licença, doutor. Não assuste o homem.
E agora voltando para o casal de vendedores:
- O doutor quer dizer que foi obrigado a mover a ação
também contra vocês dois, porque não houve escritura passada e nem registro no
registro de Imóveis. Mas fique tranqüilo. Os ocupantes do apartamento, os
adquirentes, já se propuseram a pagar as taxas em atraso, mediante acordo.
- É só isso? Indagou o fisioterapeuta evidenciando
alívio.
- É.
Riso geral e
descontração no até então sisudo ambiente da sala de audiências.
Mas eu acho que esse homem e essa mulher vão pedir
para subscrever um eventual abaixo-assinado que aparecer por aí, pedindo o tal
projeto de lei, que proíba, sob sanção severa, o uso de termos jurídicos
estranhos."
Até mais amigos,
P.S. (1) Honoré Victorien Daimier (1.808/l.879) foi um caricaturista, chargista, pintor e ilustrador francês, considerado o "Michelângelo da Caricatura". A linguagem de sua charge e caricatura foi caracterizada pela crítica social e política de sua época e lugar. Por elas denunciava os grandes detentores do Poder (reis, Juízes, Clero) e o despotismo contra o povo em geral, o que lhe rendeu condenações e prisões.
Até mais amigos,
P.S. (1) Honoré Victorien Daimier (1.808/l.879) foi um caricaturista, chargista, pintor e ilustrador francês, considerado o "Michelângelo da Caricatura". A linguagem de sua charge e caricatura foi caracterizada pela crítica social e política de sua época e lugar. Por elas denunciava os grandes detentores do Poder (reis, Juízes, Clero) e o despotismo contra o povo em geral, o que lhe rendeu condenações e prisões.