domingo, 28 de fevereiro de 2021

A VIDA E A MORTE EM TEMPOS DE PANDEMIA

 

Boa tarde amigos,


Em tempos de pandemia recrudescida com o surgimento de variantes do coronavírus, o lento andamento da vacinação, mesmo entre os grupos considerados prioritários, e a trágica contagem  de mais de dois milhões e meio de mortos no mundo todo, vítimas do ataque desse novo inimigo da saúde pública, não temos como nos isolar completamente e não pensar na vida que levamos. E também no fenômeno da morte que, na sabedoria dos antigos, é “a única certeza da vida”, já que “ninguém fica para semente.”

Outrora, sempre que, numa roda, tocávamos no tema “morte” alguém pedia para mudar de assunto. Pesquisas revelam que o brasileiro de hoje, de maneira geral, não gosta de pensar na morte, como natural consequência da vida. Raramente, cogita de deixar registrada  autorização para doação de órgãos e tecidos, embora tenha esse desejo íntimo, pela sua natural inclinação para a fraternidade.  De resto, não cuida de adquirir antecipadamente túmulo em cemitérios e, a elaboração de testamento, como ato de última vontade, continua sendo exceção no Brasil, ao contrário do que acontecia no Direito Romano, em que o cidadão tinha horror de morrer, sem deixar testamento ou descendência.[1] Talvez esse comportamento explique a advertência de Sêneca no sentido de que  “Não é da morte que temos medo, mas de pensar nela”. A permanente especulação do homus sapiens quanto à razão e o sentido da vida e, se e para onde vamos depois da morte, temas jamais desvendados, tem, na história da humanidade, reunido ou dividido cientistas, filósofos e escritores, em torno de movimentos, correntes e religiões, que defendem o mesmo ou diverso entendimento sobre os dois extremos, na origem e no destino (de onde viemos? para que viemos? e para onde vamos, ou não vamos?).

William Shakespeare, separa os homens em “corajosos” e “covardes”, advertindo que “Os covardes morrem várias vezes antes de sua morte, mas o homem corajoso experimenta a morte apenas uma vez”. Sócrates nos convida a refletir sobre o ceticismo, debitando  unicamente aos deuses a possibilidade de conhecimento quanto aos mistérios da vida e da morte: “Mas eis a hora de partir: eu para a morte, vós para a vida. Quem de nos segue o melhor rumo ninguém o sabe, exceto os deuses”. Na poesia “A Esperança” de Augusto dos Anjos, a morte é o descanso, fim da procura, do desalento e do tormento da vida: “E eu, que vivo atrelado ao desalento. Também espero o fim do meu tormento. Na voz da morte a me bradar; descansa!”  Epicuro aposta que a morte do sujeito simplesmente inexiste na vida dele, apelando para o paradoxo: “A morte não é nada para nós, pois, quando existimos, não existe a morte e, quando existe a morte, não existimos mais.”  Para muitos a ideia permanente da morte nos dá a dimensão da finitude, nos convencendo de que o melhor é a vida intensa, participativa, uma oportunidade do “aqui” e “agora”. Chico Xavier, reportando-se a um admirador, afirmou que “Gostaria de dizer para você que viva como quem sabe que vai morrer um dia, e que morra como quem soube viver direito”, o que não deixa de ser curioso, diante da doutrina que professava, a sustentar a existência de várias vidas e uma espécie de “livre arbítrio controlado” pela  purgação de atos de vidas passadas. Os maiores e mais precisos conselhos sobre a vida e a morte, segundo minha percepção, estão naqueles que vinculam esses dois momentos antagônicos  na existência do homem, ao amor e à fraternidade, como vetores eticamente mais aceitáveis para a vida boa e justa,  na sua dimensão realística, religiosa ou lírica, como sugere a canção Pais e Filhos, de Renato Russo: “´E preciso amar as pessoas como se não houvesse o amanhã. Por que se você parar pra pensar, na verdade não há”  (Renato Russo). E  Vinícius de Moraes, o nosso “poetinha”, depois que desistiu de buscar a “eternidade” como o sentido da vida, volta sua vasta obra para admitir a sua inexistência, substituindo essa “ eternidade” pelo amor vivido com intensidade absoluta no “aqui e agora”:  São versos de sua conhecida “Poética”: “A oeste é a morte, contra quem vivo, pelo sul cativo. O este é o meu norte. Outros que contem, passo por passo, eu morro ontem, nasço amanhã, Ando onde há espaço, Meu tempo é quando.” E ainda no  “Soneto da Fidelidade” “... Assim quando mais tarde me procure quem sabe a morte, angústia de quem vive quem sabe a solidão, fim de quem ama. Eu possa lhe dizer do amor (que tive): que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure.”  De minha parte prefiro tratar o assunto com leveza, como o fazem os humoristas e comediantes, capazes de transformar um assunto tão denso, pesado, que somos incapazes de decifrar, assimilar e entender, na nossa mísera condição de humanos, em algo leve e palatável. Na linha, digamos, do humor genial do diretor e ator Woody Allen: “Não é que eu tenha medo de morrer. E que eu não quero estar lá quanto isto acontecer.” Domingo, 28 de fevereiro de 2.021, ano não bissexto, 13,30 horas. Vão chegar filha, genro e neto. Aqui em casa vai ter churrasco de picanha argentina da marca “La Anonima”, boa pra cacete, batidinha com Vodka “Absolut” e cerva geladinha. As 15,30 horas vamos vibrar com os “velhinhos”  do The Voice + e tirar uma soneca, talvez, antes do primeiro jogo da final da Copa do Brasil. Esse dia eu conto, os de outrora também,  os que se seguirem ao dia da minha morte “outros que contem”, não tenho nada com isso. Não quero saber de “filosofia de como eu cheguei aqui, nem quando, nem porque vou partir dessa para outra ou para nenhuma”. Ah,  lembrei de uma piadinha que eu vivo contando e que bem ilustra o meu momento: “A freirinha sentada em tarde ensolarada debaixo de uma árvore, tricotando e entoando canções sacras. De repente, com a agulha de tricô pica o dedo e solta um palavrão: -“Puta que pariu”. Imediatamente o arrependimento: - “Caralho, falei palavrão” E em seguida, quase que instantaneamente: “Merda, de novo”. E se recriminando: - “Cacete outra vez”.  Finalmente, extenuada e vencida por si mesma, conclui, com certo alívio:: “Também foda-se, eu não queria ser freira mesmo”.  

Bom domingo amigos.



[1] Nove entre dez sucessões que ocorrem no Brasil são “ab intestato”, isto é, abertas sem que o falecido tenha deixado testamento ou disposição de ultima vontade.

Um comentário:

  1. Kkkkkkkkk boa noite dor Jamil, obrigada por mais um ótimo bate-papo com nosco.

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