Boa noite amigos,
"NÃO POSSO FICAR NEM MAIS UM MINUTO COM VOCÊ.
SINTO MUITO AMOR, MAS
NÃO PODE SER.
MORO EM JAÇANÃ, SE EU
PERDER ESSE TREM QUE SAI –
AGORA ÀS 11 HORAS, SÓ
AMANHÃ DE MANHÃ.”
“NON POSSO RESTARE
ANCORA UM MINUTO ACCANTO A
TE. ANCHE SE IL MIO
AMOR, SAI, È SOLO PER TE
MUOIO SE NON CI SEI,
MAS DEVO PRENDERE IL TRENO
CHE MI PORTERÀ LONTANO,
TANTO LONTANO DA TE”
“I JUST CANNOT STAY ANY MINUTE LONGER HERE
WITH YOU,
I’M SO SORRY, DEAR, BUT IT CANNOT BE. I LIVE IN JAÇANÃ, IF
I DO MISS THIS TRAIN WHICH LEAVES THE STATION BY ELEVEN
I’II HAVE TO WAIT’ TIL TOMORROW.”
“JE NE PEUX PAS RESTER
UNE MINUTE DE PLUS AVEC TOI.
TOUTES MES EXCUSES, AMOUR, MAIS C’EST IMPOSSIBLE.
J’HABITE À JAÇANÃ. Si
JE RATE CE TRAIN QUI PART MAINTENANT
Á 11 HEURES. SERA
SEULEMENT DEMAIN MATIN”.
Gênova, Itália, 2004.
Eles nos receberam com extrema simpatia. Já na entrada a
alegre anfitriã nos brindou com uma genuína “Veuve clicquot”. Sentados na ampla sala de visitas, os anfitriões
faziam as honras da casa, enquanto, da cozinha, chegavam odores dos pratos que
ali se preparavam para o jantar. O amplo apartamento era a residência do médico
Gino Santini, de sua mulher, Mirella Macchelli e de duas filhas do casal, as gêmeas adolescentes, Paola e Laura. Os convidados diretos eram os nossos amigos, Cármino Antonio de Souza e sua mulher, Célia Vasconcelos de Souza. Eu, Mara e Samira, como acompanhantes
deles na viagem para a Europa, claro,
éramos igualmente convidados. Samira
tinha razoável domínio da língua
italiana e logo se entrosou com as meninas. Deixando o ambiente dos adultos, as
três foram dialogar no quarto das
jovens. Da vitrola (não sei se era uma vitrola, um toca-discos ou uma estação
de rádio) passamos a identificar um som conhecido. Às primeiras notas já reconhecemos
tratar-se do nosso antológico Trem das
Onze, do saudoso Adoniran Barbosa.
Se não me engano estava tocando apenas a música, sem letra. Imediata e
orgulhosamente a Mara vira-se para Mirella e afirma peremptoriamente: - Questa canzone è brasiliana e si chiama “Trem das Onze” (“Treno delle
Undici”), del compositore Adoniran Barbosa. A dona da casa, com o seu
jeitão eloquente, mostrando delicada discordância, obtempera: - No, no, questa canzone è italiana, de
cantante Riccardo Del Turco. No, no, objetou mais uma vez a Mara, inconformada. Seria um plágio
descarado? Fiz um sinal no sentido de que ela não estendesse a discussão,
porque seria indelicado e inútil. Continuamos ali tomando a deliciosa champagne,
enquanto Mirella requebrava os
quadris duros e desajeitados, tentando
acompanhar o ritmo do samba. Samba italiano, porra? Onde se viu? “Non
ci accontentiamo” ou “nois não se conformemo”, como diria o Adoniran. Engolimos seco e
assumimos o nosso fatalístico “complexo
de vira-lata”, com que nos rotulou um dia, Nelson Rodrigues. O episódio foi esquecido por certo. Continuamos a
nos relacionar com o casal e à nossa anfitriã, Mirella
devemos, dentre outras gentilezas, a
indicação de um dos passeios mais interessantes que fizemos nessa viagem, incluindo na nossa
programação, por sua sugestão, a pequena cidade de Volterra, situada no
coração da Toscana e onde se
encontra um Museu, com o maior acervo da
arquitetura etrusca da Europa. Uma
maravilha, que não pode deixar de ser vista por quem esteja eventualmente ou
propositadamente naquela região italiana.
O NOSSO TREM DAS ONZE É UMA VERSÃO BRASILEIRA DE
MÚSICA ITALIANA?
Bem, com a revolução da Internet, com a facilidade de consulta às suas várias plataformas e aplicativos, posteriormente descobrimos que aquela divergência não tinha nenhum sentido. Adoniran Barbosa nasceu no Brasil e quem nasce no Brasil é brasileiro, segundo a Constituição Federal de 1.988 e, igualmente, as anteriores . Mas Adoniran (nome fantasia, como esclareci no post anterior de João Rubinato) é filho de italianos que migraram para o Brasil. E filho de italiano é italiano, segundo o critério do jus sanguinis adotado na Itália. Adoniran compôs o seu Trem das Onze em língua portuguesa em 1.964, ano que a canção foi gravada pelos Demônios da Garoa. E autorizou a versão do samba para a língua italiana, com o nome de Figlio Único/Quanto Amore, gravado por Riccardo Del Turco em um “single” ou “singolo” de 1.966. Curioso que o Trem das Onze, um samba paulista, fez sucesso antes no Rio de Janeiro, onde ganhou o prêmio de um festival, e só depois em São Paulo, no Brasil e no mundo. O maior sucesso de Adoniran Barbosa fala de coisas simples, mas universais: do amor, do desejo de ficar com a amada, mas da preocupação com a mãe de quem havia de cuidar, como filho único, e da possibilidade de perder o trem, o tipo de transporte que o levaria para o Jaçanã, ave que dava e dá nome a um distrito situado na zona norte do Município de São Paulo.
Salve o brasileiro-italiano Adoniran Barbosa/ João Rubinato. A Mirella infelizmente faleceu em 03 de março de 2.018. Não teve tempo de saber que o Figlio Único era uma versão do nosso samba brasileiríssimo Trem das Onze, imortalizado por Adoniran, pelo conjunto Demônios da Garoa e por gravações de inúmeros artistas brasileiros e estrangeiros, em português e italiano e traduções em inglês e francês, como Zeca Pagodinho, Beth Carvalho, Caetano Veloso e Maria Gadú, Mina, Renzo Arbore e Stefano Bollani e até em versão roqueira do grupo paulistano Huaska.Ah! O jantar naquela noite estava só começando. Rolou muita coisa interessante que eu conto em
nova postagem, qualquer dia desses.
Baci virtuali amici.
P.S. As imagens desta postagens são, na ordem: 1 - Do nosso álbum de fotos e relatos de viagem à Itália em 2.004; 2 - Da saudosa Mirella e de nossa comadre, Célia Vasconcelos de Souza; 3 - Do bairro do Jaçana, zona norte de São Paulo, imortalizado na canção Trem das Onze; 4 - Dos médicos e amigos, Gino Santini e Cármino Antonio de Souza, meu compadre.
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