sábado, 13 de fevereiro de 2021

TREM DAS ONZE - BRASILEIRA OU ITALIANA?

Boa noite amigos, 


"NÃO POSSO FICAR NEM MAIS UM MINUTO COM VOCÊ.

SINTO MUITO AMOR, MAS NÃO PODE SER.

MORO EM JAÇANÃ, SE EU PERDER ESSE TREM QUE SAI –

AGORA ÀS 11 HORAS, SÓ AMANHÃ DE MANHÃ.”

 


“NON POSSO RESTARE ANCORA UM MINUTO ACCANTO A

TE. ANCHE SE IL MIO AMOR, SAI, È SOLO PER TE

MUOIO SE NON CI SEI, MAS DEVO PRENDERE IL TRENO

CHE MI PORTERÀ LONTANO, TANTO LONTANO DA TE”

                                                 

I JUST CANNOT STAY ANY MINUTE LONGER HERE WITH YOU,

I’M SO SORRY, DEAR, BUT IT CANNOT BE. I LIVE IN JAÇANÃ, IF

I DO MISS THIS TRAIN WHICH LEAVES THE STATION BY ELEVEN

I’II HAVE TO WAIT’ TIL TOMORROW.”

 

JE NE PEUX PAS RESTER UNE MINUTE DE PLUS AVEC TOI.

TOUTES MES EXCUSES, AMOUR, MAIS C’EST IMPOSSIBLE.

J’HABITE À JAÇANÃ. Si JE RATE CE TRAIN QUI PART MAINTENANT

Á 11 HEURES. SERA SEULEMENT DEMAIN MATIN”.

 

 

 

Gênova, Itália, 2004.       


Eles nos receberam com extrema simpatia. Já na entrada a alegre anfitriã nos brindou com uma genuína “Veuve clicquot”. Sentados na ampla sala de visitas, os anfitriões faziam as honras da casa, enquanto, da cozinha, chegavam odores dos pratos que ali se preparavam para o jantar. O amplo apartamento era a residência do médico Gino Santini, de sua mulher, Mirella Macchelli e de duas filhas do casal, as  gêmeas adolescentes, Paola e Laura. Os convidados diretos eram os nossos amigos, Cármino Antonio de Souza e sua mulher, Célia Vasconcelos de Souza. Eu, Mara e Samira, como acompanhantes deles na viagem para a  Europa, claro, éramos igualmente convidados. Samira  tinha razoável domínio da língua italiana e logo se entrosou com as meninas. Deixando o ambiente dos adultos, as três  foram dialogar no quarto das jovens. Da vitrola (não sei se era uma vitrola, um toca-discos ou uma estação de rádio) passamos a identificar um som conhecido. Às primeiras notas já reconhecemos tratar-se do nosso antológico Trem das Onze, do saudoso Adoniran Barbosa. Se não me engano estava tocando apenas a música, sem letra. Imediata e orgulhosamente a  Mara vira-se para Mirella e afirma peremptoriamente: - Questa canzone è brasiliana e si chiama “Trem das Onze”  (“Treno delle Undici”), del compositore   Adoniran Barbosa. A dona da casa, com o seu jeitão eloquente, mostrando delicada discordância, obtempera: - No, no, questa canzone è italiana, de cantante Riccardo Del Turco.  No, no, objetou mais uma vez a Mara, inconformada. Seria um plágio descarado? Fiz um sinal no sentido de que ela não estendesse a discussão, porque seria indelicado e inútil.  Continuamos ali tomando a deliciosa champagne, enquanto Mirella requebrava os quadris duros e desajeitados,  tentando acompanhar o ritmo do samba. Samba italiano, porra? Onde se viu?  “Non ci accontentiamo” ou “nois não se conformemo”,  como diria o Adoniran. Engolimos seco e assumimos o nosso fatalístico “complexo de vira-lata”, com que nos rotulou um dia, Nelson Rodrigues. O episódio foi esquecido por certo. Continuamos a nos relacionar com o casal e à nossa anfitriã,  Mirella devemos, dentre outras gentilezas,  a indicação de um dos passeios mais interessantes que  fizemos nessa viagem, incluindo na nossa programação, por sua sugestão, a pequena cidade de Volterra, situada no coração da Toscana e onde se encontra um Museu, com  o maior acervo da arquitetura etrusca da Europa. Uma maravilha, que não pode deixar de ser vista por quem esteja eventualmente ou propositadamente naquela região italiana.

O NOSSO TREM DAS ONZE É UMA VERSÃO BRASILEIRA DE MÚSICA ITALIANA?


Bem, com a revolução da Internet, com a facilidade de consulta às suas várias plataformas e aplicativos, posteriormente descobrimos que aquela divergência não tinha nenhum sentido. Adoniran Barbosa nasceu no Brasil e quem nasce no Brasil é brasileiro, segundo a Constituição Federal de 1.988 e, igualmente,  as anteriores . Mas Adoniran (nome fantasia, como esclareci no post anterior de João Rubinato) é filho de italianos que migraram para o Brasil. E filho de italiano é italiano, segundo o critério do jus sanguinis adotado na Itália. Adoniran compôs o seu Trem das Onze em língua portuguesa em 1.964, ano que a canção foi gravada pelos Demônios da Garoa.  E  autorizou a versão do samba para a língua italiana, com o nome de Figlio Único/Quanto Amore,  gravado por Riccardo Del Turco em um “single” ou “singolo” de 1.966. Curioso que o Trem das Onze, um samba paulista, fez sucesso antes no Rio de Janeiro, onde ganhou o prêmio de um festival, e só depois em São Paulo,  no Brasil e no mundo. O maior sucesso de Adoniran Barbosa fala de coisas simples, mas universais: do amor, do desejo de ficar com a amada, mas  da preocupação com a mãe de quem havia de cuidar, como filho único, e  da possibilidade de perder o trem, o tipo de transporte que o levaria para o Jaçanã, ave que dava e dá nome a um distrito situado na zona norte do Município de São Paulo

Salve o brasileiro-italiano Adoniran Barbosa/ João Rubinato. A Mirella infelizmente faleceu em 03 de março de 2.018. Não teve tempo de saber que o  Figlio Único era uma versão do nosso samba brasileiríssimo Trem das Onze, imortalizado por Adoniran, pelo conjunto Demônios da Garoa  e por gravações de inúmeros artistas brasileiros e estrangeiros, em português e italiano e traduções em inglês e francês,  como Zeca Pagodinho, Beth Carvalho, Caetano Veloso e Maria Gadú, Mina, Renzo Arbore e Stefano Bollani e até em versão roqueira do grupo paulistano Huaska.

Ah! O jantar naquela noite estava só começando.  Rolou muita coisa interessante que eu conto em nova postagem, qualquer dia desses.  

Baci virtuali amici.  

P.S.  As imagens desta postagens são, na ordem: 1 - Do nosso álbum de fotos e relatos de viagem à Itália em 2.004; 2 - Da saudosa Mirella e de nossa comadre, Célia Vasconcelos de Souza; 3 - Do bairro do Jaçana, zona norte de São Paulo, imortalizado na canção Trem das Onze; 4 - Dos médicos e amigos, Gino Santini e Cármino Antonio de Souza, meu compadre.

 

 

 

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