Boa noite amigos,
Os parcos fios de cabelos ainda
negros, por teimosia do destino ou raça ruim, como diria a minha avó,
totalmente revoltos e amassados pelos atritos constantes com o travesseiro, em
várias direções, durante as tertúlias e embates que povoam os meus pesadelos das
madrugadas, surgem todas as manhãs no meu espelho, no qual confiro
sistematicamente os estragos do dia anterior e do tempo sobre a minha pele. Há
tempos que apesar do desalinho absoluto desses ralos fios, que se embaraçam sem
lógica, nem direção, no alto da cabeça, surge o desenho claro de um ponto de
interrogação (a conferir nas imagens desta postagem). Uma interrogação que já ganhou uma incrível
autonomia em relação ao resto de mim e um significado que ainda estou
procurando. Estaria ele a me indagar acerca de quem sou realmente? Estaria a me
lembrar que a minha vida, a partir
daquela manhã, como em todas as manhãs que se avizinham, anunciam mais um dia incerto? Estaria a ilustrar que a minha e a sua vida
estão condenadas à busca de respostas para todas as contingências inevitáveis
que nos aguardam para o futuro, para as quais não adianta se preparar? É “O
que será, que será, que todos os avisos não vão evitar....” na alegoria de
Milton Nascimento e Chico Buarque? Será
amor? Indagam jovens e velhos em todos os tempos e lugares ao buscar
explicação no gesto ou ternura do outro e na busca pela duvidosa existência
desse sentimento tão abstrato, quanto polêmico, como fugaz? Fugaz? Será fugaz
mesmo? Existe amor eterno?
Ah, será que
é mentira ou é verdade? Taí, verdade ou mentira que se tornaram relativas e
aborrecidas, mais um dilema criado pelas redes sociais, diminuindo a nossa
possibilidade de separar o real dos fake news espalhados pelas mídias. Minha filha logo me comparou com o Nino,
personagem principal do seriado infantil “Castelo Rá Tin Bum”, que também
trazia um ponto de interrogação formado com fios de seu cabelo. Vasto,
diferente do meu. Fui pesquisar a respeito do personagem do ator Cássio Luiz de
Souza Scarpin, que eu não conhecia. E imaginei uma certa explicação que viria
de um terapeuta: - Se o Nino era um bruxo, que viveu 300 anos e por causa dessa
idade não era aceito em escola nenhuma o ponto de interrogação pode significar
um certo estranhamento seu com a consciência da velhice e o medo de ser
rejeitado. Sei não? Nem arrisco. E o
nosso Bruxo do Cosme Velho, danado, que morreu sem revelar se Capitu traiu
Bentinho ou a traição foi apenas uma dúvida, uma mentira, uma suposição falsa
que a mente, culpada por algum motivo,
Bentinho enfiou na cabeça? E assim
caminha a minha imaginação sobre o enigma do tal ponto de interrogação do alto
da minha cabeça todas as manhãs. Um “Será” cipoal de hipóteses que perpassa
todos os dias e as noites, por quaisquer razões ou dúvidas, relevantes ou não,
assim como todas as outras que trazemos desde o berço: Será que existe o
inferno? Será que o inferno é o outro? Será que existe a reencarnação? Onde
será que está agora o meu amigo que sumiu da minha vida? Será que ele volta?
Será que é amigo? Será que mentira? Será
que é comédia? Será que é divina, a vida da atriz? Será que é cenário a casa da
atriz? Será Beatriz? Será Edu
Lobo? E será que adianta procurar uma
cigana para saber o futuro? Premonição
ou charlatanismo? Passo a escova bem
firme pelo bendito ponto de interrogação. Mas ele insiste em não se desfazer.
Apelo para a torneira. Passo sobre ele a mão molhada. Ele resiste. Eu aperto,
aperto, aperto até fazê-lo desaparecer molhado e amassado sobre a calvície do
meu “cocuruto”. Ritual de vingança e destruição a que o submeto, sádico, todos
os dias. Saio então para a rua. Vou ao
café. Será que vou encontrar um amigo, ou uma alma iluminada para contar a
história do meu incômodo ponto de interrogação? E será que aquele amigo,
sabichão como o julgo, versado em todas as áreas do conhecimento, terá como me
explicar o sentido do desenho? Ou a sua falta de sentido, sei lá? Ah, minha avó, aquela do começo desta
reflexão, essa eu posso adivinhar o que ela diria, sem dúvida alguma, se eu me
atrevesse a lhe falar a respeito. Olhando
fixamente nos meus olhos, de forma grave
e objetiva, responderia com outra pergunta: - Escuta, você não tem o que fazer?
Vai trabalhar, porra!
Boa noite amigos.
P.S.(1) A primeira imagem compara
a minha interrogação com a do personagem Nino do seriado infantil Castelo Ra
Tin Bun;
P.S. (2) A segunda imagem simula
entre as imagens ponto de interrogação como se usa na língua espanhola.
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