domingo, 24 de outubro de 2021

SERÁ?

 

   Boa noite amigos,


Os parcos fios de cabelos ainda negros, por teimosia do destino ou raça ruim, como diria a minha avó, totalmente revoltos e amassados pelos atritos constantes com o travesseiro, em várias direções, durante as tertúlias e embates que povoam os meus pesadelos das madrugadas, surgem todas as manhãs no meu espelho, no qual confiro sistematicamente os estragos do dia anterior e do tempo sobre a minha pele. Há tempos que apesar do desalinho absoluto desses ralos fios, que se embaraçam sem lógica, nem direção, no alto da cabeça, surge o desenho claro de um ponto de interrogação (a conferir nas imagens desta postagem).  Uma interrogação que já ganhou uma incrível autonomia em relação ao resto de mim e um significado que ainda estou procurando. Estaria ele a me indagar acerca de quem sou realmente? Estaria a me  lembrar que a minha vida, a partir daquela manhã, como em todas as manhãs que se avizinham,  anunciam mais um dia incerto?  Estaria a ilustrar que a minha e a sua vida estão condenadas à busca de respostas para todas as contingências inevitáveis que nos aguardam para o futuro, para as quais não adianta se preparar?  É  “O que será, que será, que todos os avisos não vão evitar....” na alegoria de Milton Nascimento e Chico Buarque? Será  amor? Indagam jovens e velhos em todos os tempos e lugares ao buscar explicação no gesto ou ternura do outro e na busca pela duvidosa existência desse sentimento tão abstrato, quanto polêmico, como fugaz? Fugaz? Será fugaz mesmo? Existe amor eterno? 


 Ah, será que é mentira ou é verdade? Taí, verdade ou mentira que se tornaram relativas e aborrecidas, mais um dilema criado pelas redes sociais, diminuindo a nossa possibilidade de separar o real dos fake news espalhados pelas mídias.  Minha filha logo me comparou com o Nino, personagem principal do seriado infantil “Castelo Rá Tin Bum”, que também trazia um ponto de interrogação formado com fios de seu cabelo. Vasto, diferente do meu. Fui pesquisar a respeito do personagem do ator Cássio Luiz de Souza Scarpin, que eu não conhecia. E imaginei uma certa explicação que viria de um terapeuta: - Se o Nino era um bruxo, que viveu 300 anos e por causa dessa idade não era aceito em escola nenhuma o ponto de interrogação pode significar um certo estranhamento seu com a consciência da velhice e o medo de ser rejeitado. Sei não? Nem arrisco.  E o nosso Bruxo do Cosme Velho, danado, que morreu sem revelar se Capitu traiu Bentinho ou a traição foi apenas uma dúvida, uma mentira, uma suposição falsa que a mente, culpada  por algum motivo, Bentinho enfiou na cabeça?  E assim caminha a minha imaginação sobre o enigma do tal ponto de interrogação do alto da minha cabeça todas as manhãs. Um “Será” cipoal de hipóteses que perpassa todos os dias e as noites, por quaisquer razões ou dúvidas, relevantes ou não, assim como todas as outras que trazemos desde o berço: Será que existe o inferno? Será que o inferno é o outro? Será que existe a reencarnação? Onde será que está agora o meu amigo que sumiu da minha vida? Será que ele volta? Será que é amigo?  Será que mentira? Será que é comédia? Será que é divina, a vida da atriz? Será que é cenário a casa da atriz?  Será Beatriz? Será Edu Lobo?  E será que adianta procurar uma cigana para saber o futuro?  Premonição ou charlatanismo?  Passo a escova bem firme pelo bendito ponto de interrogação. Mas ele insiste em não se desfazer. Apelo para a torneira. Passo sobre ele a mão molhada. Ele resiste. Eu aperto, aperto, aperto até fazê-lo desaparecer molhado e amassado sobre a calvície do meu “cocuruto”. Ritual de vingança e destruição a que o submeto, sádico, todos os dias.  Saio então para a rua. Vou ao café. Será que vou encontrar um amigo, ou uma alma iluminada para contar a história do meu incômodo ponto de interrogação? E será que aquele amigo, sabichão como o julgo, versado em todas as áreas do conhecimento, terá como me explicar o sentido do desenho? Ou a sua falta de sentido, sei lá?  Ah, minha avó, aquela do começo desta reflexão, essa eu posso adivinhar o que ela diria, sem dúvida alguma, se eu me atrevesse a lhe falar a respeito.  Olhando fixamente nos meus olhos,  de forma grave e objetiva, responderia com outra pergunta: - Escuta, você não tem o que fazer? Vai trabalhar, porra!

 Boa noite amigos.

P.S.(1) A primeira imagem compara a minha interrogação com a do personagem Nino do seriado infantil Castelo Ra Tin Bun;

P.S. (2) A segunda imagem simula entre as imagens ponto de interrogação como se usa na língua espanhola.

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