terça-feira, 20 de agosto de 2013

TESTAMENTO VITAL OU DIRETRIZES ANTECIPADAS


Amigos,
 I) O escritor francês Michel de Montaigne, discorrendo em sua obra “De como Filosofar é aprender a Morrer”  considera que “meditar sobre a morte é meditar sobre a liberdade”. A despeito dessa evocação à meditação sobre a inevitabilidade da morte e sua função redentora e libertadora, em todos os tempos o homem evita pensar que a sua vida chegará um dia ao final; que a vida é um ciclo e que a história da humanidade é a história de gerações que se sucedem. O escritor Luiz Fernando Veríssimo assinala que a morte dos outros, para nós, é um fato. A nossa morte, no entanto,  é algo absolutamente impensável. E aconselha: o melhor é esquecer dela;

II)   A sociedade moderna, ao contrário das grandes civilizações da antiguidade, transformou a doença e a morte em verdadeiros tabus. E enquanto o cidadão romano, durante o Império, tinha medo de morrer sem deixar testamento, sendo, pois, a sucessão testamentária a regra absoluta, no Brasil, hoje, a cada 10 sucessões, apenas 1 delas é  testamentária;

III)   Graças ao  extraordinário avanço da medicina e de suas ciências auxiliares, os homens estão vivendo mais e melhor.  Já no século XIX, com o aperfeiçoamento do sanitarismo, as causas das doenças infecciosas e fatais foram descobertas e, com isso, os doentes e as mortes foram confinadas ao ambiente hospitalar. E   a partir dos anos 50 do século passado, uma verdadeira revolução se experimentou nessa área, com a criação das primeiras unidades de terapia intensiva e o seu aparato tecnológico, permitindo que se sustentasse  a vida artificialmente, adiando, por assim dizer, a morte do paciente. Hoje com a sofisticação de exames de imagem (ultrassonografia, ecografia, tomografia computadorizada), os medicamentos de uso contínuo e a criação de máquinas para sustentação  da vida, as doenças graves se tornaram crônicas (vide a AIDS)  e os pacientes vivem pelo menos 10 anos mais do que na década de 80, garantem as estatísticas;

IV) A Resolução n. 1.995/2012, do Conselho Federal de Medicina, publicada no Diário Oficial da União em 31 de agosto do ano passado, passou a disciplinar o chamado Testamento Vital, também conhecido como “diretrizes antecipadas”, pelo qual qualquer pessoa maior e capaz pode estabelecer livremente que tipo de tratamento aceita ter, ou proíbe terminantemente, no caso de doença terminal. O testamento vital serve de proteção para as situações em que os avanços científicos que permitem  a manutenção da vida, por meios artificiais (tubos, fios e sondas), se contraponham à vontade do paciente que pretende apenas a possibilidade de uma morte digna e natural;

V) Nos Estados Unidos apenas 40% dos americanos optaram por deixar registrado como pretendem ser tratados no fim da vida.  Lá o testamento vital é previsto e protegido pela lei desde 1.990. Mas foi idealizado pelo advogado americano Luiz Kutner (1908-1993), ativista dos direitos humanos e um dos fundadores da Anistia Internacional (Living Will);

VI) O caso que mais emocionou o mundo e serviu de mote para a lei americana foi o da jovem Nancy Cruzan, que sofreu um acidente de carro, aos 25 anos, entrando em estado de coma vegetativo. Assim permaneceu por 7 anos, alimentando-se por sonda, até que os pais, inconformados com aquela situação, percorreram juízos e tribunais, ate obter, da Suprema Corte Americana, autorização para retirada da sonda, que mantinha Nancy viva, dando-lhe assim uma morte natural e digna;

VII) O testamento vital só pode ser utilizado em casos de terminalidade. Na medicina o conceito de terminalidade é claro e insofismável: “Condição em que a pessoa sofre de um problema grave e incurável e que não responde mais a tratamentos capazes de modificar o curso da doença”;

VIII) Além dos Estados Unidos, também a Holanda, a Suiça, Portugal, Alemanha e Argentina são países que dispõem de medidas semelhantes ao testamento vital. O fundamento jurídico e moral das “diretrizes antecipadas” é o princípio da dignidade da pessoa humana, previsto como um verdadeiro meta-princípio constitucional na nossa Carta de 1.988;

IX) Já na vigência da Resolução 1.995/12, que tem força de lei em nosso país, a médica geriatra Ana Cláudia Arantes propôs a 100 pacientes com mais de 65 anos a elaboração do testamento vital. Apenas 10 concordaram. A maioria porém foi evasiva: “Ainda é cedo para pensar nisso”;

X) O Presidente do Conselho Federal de Medicina, ao estabelecer a diferença entre eutanásia e ortotanásia, dá um exemplo elucidativo. Se um paciente em estado vegetativo tem os aparelhos desligados, isso pode ser considerado eutanásia, que é crime. Se ele decide e avisa o médico, quando ainda está saudável, que não quer intervenções que prolonguem a vida, o medico não deixaria chegar a um estado vegetativo, a pessoa então morre naturalmente. Isso é ortotanásia;

XI) Três conceitos fundamentais no assunto: Eutanásia, Distanásia e Ortotanásia. Eutanásia: abreviação da morte. O médico desliga os aparelhos de uma pessoa que está em estado vegetativo, dependendo desses aparelhos para viver. Distanásia: prolongação da morte. O médico liga o paciente em aparelhos e usa a tecnologia disponível para prolongar a vida ou atrasar a morte.  Ortotanásia: morte natural. O médico trata o paciente, mas em casos terminais, não utiliza qualquer artifício tecnológico para atrasar a morte do paciente;

XII)  Pela sistemática adotada na Resolução, o testamento vital não reclama  forma especial, embora nada impeça que  a pessoa utilize o instrumento escrito,  público ou particular. Basta, porém, que ela comunique o médico de sua decisão, devendo o facultativo registrar a manifestação no prontuário do paciente. Se vários são os médicos que atendem a pessoa, todos eles podem registrar a intenção manifestada, que terá validade independentemente de assinatura, inclusive;

XIII) A manifestação pode ser revogada a qualquer tempo e a vontade do paciente prevalecerá mesmo contra a da família.  Nesse ponto as diretrizes são soberanas: nem médico, nem familiar, pode impor tratamento diverso daquele pretendido pela pessoa. Vale registrar que, nesse ponto fundamental, estão revogadas disposições em sentido contrário, previstas no novo Código de Etica Médica, de 2.009;

XIV) Ao mesmo tempo em que se estimula a pessoa a aceitar a morte, evitando o prolongamento inútil da vida, com a utilização de meios artificiais, a resolução também incentiva a disseminação de um novo conceito: o dos chamados “cuidados paliativos”, cujo objetivo é dar ao paciente em estado terminal a melhor qualidade de vida possível. Esses “cuidados” estariam a cargo de uma equipe multidisciplinar, compreendendo médicos, enfermeiros, psicólogos, terapeutas etc.

XV) Daniel Azevedo, Presidente da Comissão de Cuidados Paliativos da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, diz que  a regulamentação da matéria considera a necessidade de fazer com que a sociedade e os médicos voltem a reconhecer que a vida é finita.: “Esta ideia se perdeu, e precisamos reconquistá-la”,  já que “a essência dos cuidados paliativos consiste em permitir que a pessoa e seus familiares possam viver plenamente o tempo que lhes resta. A intenção não é dar anos a vida, mas sim, vida aos anos. Valorizar o tempo que existe”.

Até amanhã amigos,

P.S. (1) O Papa Paulo XII já agitava a polêmica,  na distante  década de 50 do século passado ao asseverar que  ninguém é obrigado a receber tratamentos extraordinários para manter a vida em caso de terminalidade”;

P.S. (2) Portadora de um linfoma não Hodgkin, Jacqueline Kennedy preparou um documento informando o seu desejo de morrer naturalmente ao lado da família, com a dispensa do uso de qualquer recurso artificial para manter a sua vida. Foi atendida.

P.S. (3)  O Ministério Público Federal ingressou com Ação Civil Pública perante a 1ª. Vara da Seção Judiciária do Estado de Goiás, contra o Conselho Federal de Medicina, pretendendo a suspensão liminar da aplicação da Resolução 1.995/2012. O pedido de liminar, no entanto, foi indeferido pelo Juiz Jesus Crisóstomo de Almeida. Na decisão o Magistrado registra que, ao editar a mencionada Resolução,  não vislumbra tenha o CFM extrapolado os limites impostos pela lei que o legitima a regulamentar o assunto.

P.S. (4) A imagem da coluna de hoje foi emprestada do site zerohora.clicrbs.com.br.













Nenhum comentário:

Postar um comentário