quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

A PRAGA DO USO DO "MESMO" COM FUNÇÃO PRONOMINAL. PRÁTICAS DE ELEVADOR.

Boa noite amigos,


Estou ficando cada dia mais intolerante para alguns erros recorrentes  que,  embora inadmissíveis na linha culta, muita gente graúda (no sentido mesmo de qualificada, supostamente letrada, como professores universitários, juízes, promotores, médicos etc.) teima em  não aprender. Uma delas é a má e indiscriminada utilização do termo “mesmo”, usados na função pronominal, o que além de proibido, é feio demais. Quantas vezes você já ouviu coisa do tipo “Se a  mercadoria chegar, coloque a mesma na prateleira”; “Procurei por João, mas a mãe me disse que o mesmo ainda não chegara”. Use, por favor, os pronomes, nesses casos, adequados: "Se a mercadoria chegar, coloque-a na prateleira"; "Procurei por João, mas a mãe me disse que ele ainda não chegara". Evidentemente melhor, não?  A praga do “mesmo (a)” já contagiou até o legislador, neste país de leis mal redigidas. E não é que agora temos que copiar o que diz literalmente (mal e porcamente, diria o meu avô), erros registrados na redação de leis. Isso mesmo. Explico:  A Lei  do Estado de São Paulo n. 9.502/97, que regula a utilização de elevadores em edifícios reza: “Artigo 1º - Os prédios comerciais, edifícios de apartamentos, escritórios e outros estabelecimentos congêneres, públicos ou particulares, dotados de elevadores, ficam obrigados a fixar junto às portas externas desses equipamentos plaquetas de advertência aos usuários, com os seguintes dizeres:”Aviso aos passageiros: antes de entrar no elevador, verifique se o mesmo encontra-se parado neste andar”. Artigo 2º - A não observância do disposto na presente lei ensejará a aplicação de multa aos infratores.”A praga, a partir da ameaça expressa do artigo 2º está espalhada por toda a cidade. Onde quer que exista um elevador você é obrigado a ler exatamente aquilo que o legislador preconizou ou seja,  o tal aviso que avisa que é preciso verificar se “o mesmo” encontra-se parado no andar em que você está. Imagine se em vez de estar ali "o mesmo elevador" fosse parar ali o elevador do lado, ou do prédio ao lado. Sacaram? Credo, Deus me livre. Não vi até agora ninguém descumprir a lei, isto é, alguém que se arriscasse a colocar o tal aviso com a redação correta: “Antes de entrar no elevador, verifique se ele se encontra parado neste andar”. Um aluno meu perguntou outro dia: Professor, se a gente não escrever exatamente como sugere o artigo 1º pode ser multado? Minha resposta: Não sei, se o caso chegar a um juiz, em forma de pendenga, para julgamento, será preciso saber como pensa "o mesmo".

Até amanhã amigos.


P.S. (1) Observem outra preciosidade. O artigo 2º da Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) está assim redigido: “Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade”. Alguém conhece alguém que tenha 12 anos incompletos?   Não seria mais simples dizer:  “Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa entre 0 e 12 anos de idade; adolescente aquela entre doze e dezoito anos”;

P.S. (2) “Mesmo” é termo que pode e deve ser usado em várias circunstâncias, de maneira correta. Assim: 1)  como advérbio denotando “ainda, de fato, justamente”: É aqui mesmo que pretendo passar minhas férias (no sentido de é justamente aqui); 2) como substantivo, cuja acepção semântica (sentido) se refere à “mesma coisa”: Digo o mesmo a você, o que disse a ela (a mesma coisa); 3) Em algumas expressões correspondentes a “dar na mesma, dar no mesmo, na mesma, as quais se equivalem a “no mesmo estado, na mesma situação: Aconselhá-lo ou não, dá no mesmo (a situação é a mesma); 4) Na qualidade de uma conjunção concessiva, fazendo referência à “ainda que”: Mesmo cansada, não deixa de estudar com o filho quando chega do serviço (ainda que cansada);  5) funcionando como pronome/adjetivo, referindo-se à ideia relativa a “idêntico”, “próprio”, “exato”: Elas mesmas chegaram à conclusão que estavam erradas (elas próprias).
As explicações e alguns exemplos acima  foram emprestados de Vânia Duarte, graduada em Letras – Equipe Brasil Escola;

P.S. (3) Por falar em elevador  há práticas de usuários completamente deseducadas ou sem lógica. Exemplo: o cidadão chega e aperta os dois botões: para subir e para descer. Claro que ele não vai fazer as duas coisas. Não, ao mesmo tempo. Então a gente pergunta: o senhor vai subir ou vai descer. E ele responde: vou subir. Então, porque apertou os dois botões? Claro que ele não responde. Mas da próxima vez ele vai fazer a mesma coisa, de novo, certo? Outra coisa: tem gente que chega a aperta o botão dezenas de  vezes. Adianta? Não, o elevador não vai chegar antes, nem será mais rápido, se você insistir em ficar apertando o botão, né? Aí, você já irritado olha para o lado e encontra a maldita plaquinha de advertência: Antes de entrar no elevador, verifique se o mesmo está parado no andar. Para terminar, o elevador finalmente abre a porta e o folgado do motoboy que acabou de  chegar, finge ignorar a existência de fila ou de gente esperando,  com o capacete em punho tromba com quem está saindo do elevador e passa na frente de todo mundo. É mole, gente?

P.S. (4)  Lembro-me perfeitamente. Quando era Juiz na Comarca de Angatuba, durante uma audiência estava ouvindo um policial rodoviário. Durante o depoimento ele usou tantas vezes o mesmo, que eu já não sabia a quem ou a que (a expressão usando equivocadamente pode se referir a coisas ou pessoas) ele aludia. Falava ora de uma pessoa abordada, ora de documentos, ora de objetos que o negócio ficou meio assim: “Excelência, quando o rapaz chegou indaguei do mesmo se ele possuía documentos do veículo. Aí o mesmo respondeu que sim e o mesmo me exibiu a carteira de habilitação e o certificado de propriedade do automóvel. Olhei os mesmos e constatei que a licença estava vencida, aí perguntei ao mesmo se ele tinha pago o IPVA. Ao lado tinha uma moça e a mesma ficou muito nervosa quando eu solicitei do mesmo os documentos e disse que iria fazer uma verificação no carro. De fato, examinei o mesmo e não encontrei nada de irregular a não  ser a licença vencida. Adverti o mesmo que ele cuidasse de licenciar o mesmo logo na segunda feira, fiquei com pena,  então devolvi os mesmos para o mesmo e notei que a  mesma ficou mais tranqüila. Assim, em seguida, seguiram viagem.”;

P.S. (5) A imagem da coluna de hoje foi emprestada do blog lixeiradanette.blogspot.com.












quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

TEMAS DE DIREITO CONTEMPORÂNEO - UMA HOMENAGEM AO PROFESSOR PAULO DE TARSO BARBOSA DUARTE

Boa noite amigos,


Qual seria a homenagem mais adequada para celebrar 45 anos de um magistério superior exercido com comprometimento, competência e, sobretudo, muito amor e dedicação para tantas gerações de Bacharéis? Bem, advogados, Promotores de Justiça, Magistrados, ex-alunos, alunos e Professores de Direito, especialmente admiradores e amigos do Professor Paulo de Tarso Barbosa Duarte, decidiram comemorar a importante marca com o que consideraram  mais próximo da personalidade do homenageado,  intelectual reconhecido por sua relevância nas letras jurídicas: um livro. Uma obra coletiva, com diversos artigos versando sobre variados temas de direito contemporâneo. A comissão organizadora formada por Thiago Rodovalho, Jamil Miguel, André Nicolau Heinemann Filho, Fabricio Peloia Del’Alamo e Alexandre Gindler de Oliveira, trabalhou em segredo por mais de um ano, fazendo convites àqueles que haveriam de produzir, em conjunto, a obra coletiva, cobrando os artigos, contatando editoras, até que o lançamento da obra aconteceu no dia 06 de dezembro de 2.013, no Auditório Cônego Haroldo Niero, situado no Campus Central (Páteo dos Leões), da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, que hoje abriga apenas o Curso de Direito da septuagenária instituição. Nada mais propício para o evento, uma vez que foi na aludida instituição, da qual o Dr. Paulo de Tarso foi Vice-reitor acadêmico e Pro-Reitor de Extensão e Assuntos Comunitários e, claro, Professor  de Direito Civil por quase cinco décadas. Comunicado da homenagem poucos dias antes de sua realização, o docente, dizendo-se sensibilizado, agradeceu a lembrança e o empenho dos organizadores e de todos aqueles que, direta ou indiretamente, se uniram em torno da homenagem. Na ocasião do lançamento, falei, a pedido e em nome dos organizadores, explicando a intenção e o significado da homenagem, que se inseria também nos festejos dos 60 anos da Faculdade de Direito da PUC-CAMPINAS,  e um pouco do perfil do homem e profissional,  para o centenário público presente, dentre parentes, amigos, colegas de docência e ex-alunos. A solenidade foi encerrada com o agradecimento do homenageado, que passou, então a autografar os exemplares adquiridos, enquanto acontecia um bate-papo informal entre os presentes e um singelo, mas elegante, coquetel.  

Até amanhã amigos,

P.S. (1) Os artigos e respectivos autores, responsáveis pela obra coletiva são os seguintes: ALEXANDRE GINDLER DE OLIVEIRA (União Estável e Casamento – Atos Jurídicos Distintos com Efeitos Sucessórios Distintos); ARTUR MARQUES DA SILVA FILHO (Aspectos Práticos Relacionados à Aplicação das Cláusulas Gerais do Código Civil); CESAR AUGUSTO ALCKMIN JACOB (Considerações sobre a Prova na Reclamação Constitucional em Salvaguarda de Verbete Sumular Vinculante); FRANCISCO VICENTE ROSSI (Ética Profissional: Estado e Servidor Público, a Parceria Necessária); JAMIL MIGUEL (Expulsão de Condômino por Conduta Antissocial no Direito Brasileiro); JOÃO LOPES GUIMARÃES-JOSÉ FERNANDO FERREIRA BREGA (A Sistemática Constitucional dos Precatórios: Críticas e Idéias para um Novo Regime); JOSÉ ANTONIO MINATEL (Sistema Tributário e o Paradoxo da Tributação das Atividades Educacionais); LEONARDO GRECCO (Contratos Redesenhados para um Mercado Refinado); LUÍS ANTONIO JOHONSOM DI SALVO (Aspectos Relevantes Sobre os Crimes dos Arts. 168/A, e  337/A, do Código Penal); LUIZ ARLINDO FERIANI (Necessidade de Coincidência da Base de Cálculo para a Cobrança do ITBI e do IPTU); LUIZ RENATO VEDOVATO (Os Refugiados e o Direito – Obstáculos Trazidos pela Realidade); LYGIA B. DE O. YOSHIKAWA (A Proibição de Constituição de Sociedades entre Cônjuges (art. 977 do Código Civil) e as Sociedades Anônimas); MARCO ANTONIO RIBEIRO FEITOSA (A Greve no Direito Coletivo do Trabalho); MARCO AURÉLIO COSTA JÚNIOR (Software: De Quem é a Propriedade Intelectual?); MARCO DESTEFENNI (Aspectos Processuais da Ação de Improbidade Administrativa); RENAN SEVERO T.DA CUNHA (Entre o Direito e a Política: A Interpretação dos Princípios e o Caráter Prospectivo da Constituição); SILVIO BELTRAMELLI NETO (Teoria dos Modelos do Direito e a Metodologia da Aplicação dos Direitos Fundamentais); TATIANE MOREIRA LIMA (Adoção); THIAGO RODOVALHO (Contributo para o Estudo Sobre os Pressupostos do Ato Ilícito e da Responsabilidade Civil);


P.S. (2)  O Professor Paulo de Tarso Barbosa Duarte, paralelamente à docência e durante mais de 30 anos, integrou as fileiras do  Ministério Público do Estado de São Paulo. Recém-formado,  foi logo aprovado em concurso público e exerceu a função de Promotor Público (hoje Promotor de Justiça) e, posteriormente, de Procurador de Justiça, por promoção;

P.S. (3) O prefácio da obra ficou a cargo do queridíssimo amigo, eminente professor e grande intelectual, Dr. Renan Severo Teixeira da Cunha, um dos mais ilustres professores que passou pela Faculdade de Direito da Puc Campinas, em todos os tempos. Os seus ex-alunos, onde os encontro, manifestam admiração e respeito pelo docente, saudosos, outrossim, de suas inesquecíveis aulas de Introdução ao Estudo do Direito e Hermenêutica e Aplicação do Direito., disciplinas que lecionou com entusiasmo, sabedoria e dedicação. Acrescento que além desses predicados, o Professor Renan é uma dessas figuras dotadas de grande carisma e invejável caráter. Tenho por ele um imenso carinho e uma enorme gratidão pelo auxílio desinteressado que me prestou no período em que fui Diretor da Faculdade de Direito;

P.S. (4)   As imagens da coluna de hoje são do professor homenageado, durante a solenidade ocorrida no final do ano passado; do Doutor Paulo entre os organizadores da obra e, finalmente,  da capa do livro de estudos em sua homenagem.


CINEMA NACIONAL - VAI QUE DÁ CERTO. E DÁ!

Boa noite amigos,


Que as  comédias dominam completamente o mercado do cinema nacional da atualidade não é novidade. Mas isso já acontecia antes mesmo da chamada “Retomada” do cinema nacional, como já falamos nesta coluna, ainda recentemente. Porém, há comédias e comédias. Vi neste final de semana, um filme nacional que estreou no final de 2.012 e fez carreira no ano seguinte, tornando-se um grande sucesso de público e de arrecadação (mais de 2.700.000 espectadores).  O roteiro de Vai que Dá Certo foi pensado por seu roteirista e diretor, Maurício Farias (responsável pela A Grande Família entre 2.004 a 2.010) no ano de 1.994, quando ouviu a história de um motorista de táxi no Rio, preso alguns anos antes por assalto. O que o impressionou foi o fato de que se tratava de pessoa íntegra, que teria tentado o crime em razão de determinada circunstância de vida. O projeto, porém, só decolou no ano de 2.008 quando Farias resolveu apresentá-lo à produtora Sílvia Frahia, que topou levá-lo às telas dos cinemas. O orçamento disponível foi incrementado com a contribuição de R$1.000.000,00, concedida pela Secretaria de Cultura do município de Paulínia, Estado de São Paulo, que recentemente voltou a promover o seu Festival de Cinema e reativou a sua cidade cenográfica. Gravado em Paulínia e em Campinas, o longa de 87 minutos, é uma grata surpresa no gênero, com diálogos  inteligentes à La Porchat (dialoguista, um dos atores e co-roteirista), distante dos clichês tão batidos e de mau gosto, geralmente ligados a sexo. Os atores são os mais jovens e talentosos humoristas da nova geração, todos excelentes no desempenho de seus papéis. Algumas poucas críticas (a  maioria foi favorável), voltam a lamentar a predileção dos produtores pelas comédias e a considerar que o humor raso das atuais produções nacionais é próximo do televisivo. Com a co-produção da Globo Filmes, não vejo grande diferença entre os bons textos de humor veiculados sobretudo pela Rede Globo em determinadas temporadas, como por exemplo o ótimo, Como Aproveitar o Fim do Mundo,  e os roteiros e diálogos das comédias nacionais da atualidade. O que não tem funcionado é a tentativa forçada de levar alguns sucessos da televisão como a novela O Bem Amado, o seriado, A Grande Família- (que virou A Grande Família - O Filme),  ou determinados personagens que agradam na telinha, como o Crô (Marcelo Serrado), do folhetim,  para as telonas.
Achei todos esses filmes muito ruins, sensivelmente piores do que os originais. Mas aí é outra história. A comédia Vai que Dá Certo é uma boa e divertida comédia nacional. Das melhores que assisti ultimamente. Não é nada excepcional, nem imperdível. Mas, podendo, não deixe de ver e se divertir.

Até amanhã amigos.



P.S. (1) SINOPSE:  Afundado em dívidas e sem emprego, o jovem Rodrigo (Danton Mello) é convencido por um amigo, Danilo (Lúcio Mauro Filho), empregado de uma empresa de segurança, a planejar um assalto a um dos carros-cofres da transportadora. Para conseguir o desiderato convence outros três amigos, os irmãos Amaral (Fábio Porchat) e Vaguinho (o talentoso Gregório Duvivier) e Tonico (Felipe Adib), que também vivem maus momentos financeiros, a participar do plano, tudo com  “muita ética” e o pacto de que devolverão o dinheiro algum tempo depois, quando a situação financeira do grupo se estabilizar. O filme gira em torno da combinação desse plano e especialmente de sua execução, com os percalços que ela encerra, envolvendo, ainda, um outro amigo de infância do grupo, o político milionário Paulo (Bruno Mazzeo);

P.S. (2) Destaque positivo para a participação do veteraníssimo Lúcio Mauro (Seu Altamiro), avô de Danilo na trama, no papel de ex-praça de guerra. O ator, com mais de 80 anos de idade, é, sem dúvida, um dos mais queridos e talentosos artistas de sua geração, aplaudido pela nossa e, certamente, pelos nossos jovens sucessores.  

P.S. (3) O filme obteve nota 4,0 no prestigioso site AdoroCinema, numa avaliação de 0 a 5 e 3,9 entre os usuários. Grande cotação. Na imprensa ficou a meio caminho (2,5), o que não é nada desprezível considerando a sempre dura, e nem sempre justa, avaliação dos críticos;

P.S. (4) No começo e no final do filme, os cinco amigos aparecem prontos para uma pelada de futebol. Todos devidamente trajados, de camiseta, calções e chuteiras, como se vê da imagem da coluna de hoje, emprestada do blog ambrosia.virgula.uol.com.br. Felipe  (Adib),  veste a camisa da seleção brasileira, Rodrigo (Danton) do São Paulo, Vaguinho (Duduvier),da Portuguesa de Desportos. Amaral (Porchat)  veste a camisa do Corinthians, e, finalmente,  Danilo (Lúcio Mauro Filho), aparece trajando  uma camisa do nosso glorioso Guarani Futebol Clube de Campinas. Os bugrinos vibraram.






segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

CAUSO - ELEIÇÕES MUNICIPAIS II

Boa noite amigos,

Já relatei nesta coluna o causo que chamei de "Eleições Municipais I". Agora há outro, o "Eleições Municipais II", assunto da coluna de hoje. Ambos estão publicados no meu livro CAUSAS & CAUSOS N. II, da Editora Millenium. Vai lá:


                                 

“Uma garrafa de vinho meio vazia também está meio cheia. Porém, uma meia mentira nunca será uma meia verdade” (Jean Cocteau)


- Doutor esse voto também é para anular?
- É, sem dúvida. A regra do TRE é clara, como diria o Arnaldo César Coelho. Escreveu palavrão, o voto é anulado.
 Eleição à moda antiga, nem se cogitava de urna eletrônica.
Voto manual, contagem manual.
Tudo artesanal, demorado.
Foram se sucedendo alguns votos para um mesmo suposto indivíduo chamado “Zé Buceta”.
Todos anulados por ordem do Meritíssimo Juiz, em estrita consonância com as normas então vigentes.
Mas o fato era intrigante.
Teriam os eleitores combinado a mesma sacanagem?
Em dado momento enquanto se procedia a demorada apuração aproxima-se do Magistrado o Pedro Miranda,  um antigo funcionário do Cartório Eleitoral:
- Doutor o Senhor José, Presidente da Câmara, pede para falar com o senhor por um momento.
- Pois não.
Aproxima-se o Senhor José de Arimatéia Correa, Vereador Presidente da Câmara Municipal.
Tratava-se de pessoa extremamente elegante tanto no trajar, como no andar, no comportamento geral, incluindo a polidez com que, cerimonioso, sempre se dirigia ao Juiz de Direito, que já o conhecia de solenidades e outros encontros em que se faziam presentes, por questão protocolar,  as autoridades locais.
Aparentando certo nervosismo, o que contrastava com o seu jeito ordinariamente calmo e estudado, ar glacial, começa a cantilena:
- Doutor, me desculpe a intromissão. O senhor sabe como as coisas acontecem em cidade pequena. Há muita fofoca, muito mexerico, muita maldade. Mas o povo não é mal, é apenas simplório, fácil de ser levado. De boa fé até.
O Juiz não estava entendendo muito bem onde pretendia chegar o tal Presidente da Câmara, com esse interminável prólogo.
Mas continuou ouvindo atentamente por respeito e consideração, pois a tinha – e muito – em relação ao interlocutor, até por justificável reciprocidade.
- O Senhor é um homem experiente, vivido, sabe muito bem até onde chegam as maledicências, ponderou.
O Magistrado continuou ouvindo atenciosamente.
- Alguém resolveu fazer uma brincadeira, de certa feita, há muito tempo, achando que eu, veja bem, eu, senhor juiz,  pessoa sempre delicada e respeitosa, me aproveitava das moças que por mim se apaixonavam. Devia ser algum despeitado, pois eu sempre fui educado, de cidade, estudado, o senhor sabe como é. Andava de terno e gravata e isso causa ciúme, principalmente nos moços do sítio que rivalizam, nos ignorantes.
A coisa, pensou o Juiz, vai longe. Mas para onde vai?
- Assim, eu quero dizer pro doutor que o tal desavergonhado até me deu apelido muito feio, coisa que não se diz, mas acho até que não foi por mal, não.
Pronto, o Juiz entendera tudo:
O ilustre Vereador, Advogado formado, Presidente da Câmara, pessoa afável e cerimoniosa, fino no trato era nada mais, nada menos, que o tal Zé Buceta.
Quis confirmação.
Para poupar o coitado do candidato que já tinha mudado de cor várias  vezes durante a arrojada intervenção,  salientou que já entendera a pretensão e pediu que o ilustre edil aguardasse por um instante.
Foi conferir com o Pedro Miranda, do Cartório Eleitoral:
- Pedro, venha cá um instante. Me diga uma coisa. O Zé Buceta é ele, apontando para o candidato que estava distante.
- Ah, é ele sim, sem dúvida nenhuma. É assim que o povo conhece ele doutor.
- E por quê, você sabe?
- Por causa da fama de comedor do bicho. Com essa conversinha mole dele, o senhor percebeu, dizem as más línguas que é o “come queto”. Vestiu saia o bicho não perdoa.
- É mesmo? Exclamou o Magistrado, achando aquilo engraçado e surrealista.
- É, sim senhor.
- Obrigado.
Discretamente o Magistrado dirigiu-se à mesa de apuração e,  ao pé do ouvido do Presidente, determinou:
- Seu João, por favor. Pegue de novo aqueles votos anulados dados ao tal do Zé da tal...  “Vagina” o senhor sabe,  e conte para o senhor Presidente da Câmara, por favor.
E o Seu João, por pura sacanagem,  com um riso miúdo no canto da boca:
- Vagina ou Buceta doutor?
- O senhor entendeu, não é?
- Acho que sim senhor, poupou. E obedeceu.
Ato contínuo, foi ter com o candidato dizendo que a decisão anterior estava reconsiderada e que  tudo estava resolvido a seu favor, pela aplicação de outra regra eleitoral, segundo a qual, O QUE VALE É A INTENÇÃO DO ELEITOR.
O político saiu dali envergonhado, mas profundamente aliviado.
Afinal, entre perder a eleição e o vexame de dizer pro Juiz que os tais votos eram dele ou para ele, escolhera a última hipótese.
E graças à profunda generosidade do Magistrado, foi o candidato poupado da última oração que teria que ser dita depois de todo o  trololó.
Algo assim, naquela voz grave, respeitosa e solene:
- Doutor, desculpe, mas o Zé Buceta sou eu. Pode perguntar pro pessoal do eleitoral.
Coisa de eleição acontecida  no interior."

Forte abraço e até a próxima.

 P.S. A imagem caricatural da coluna de hoje foi emprestada de essentialiconsultoria.wordpress.com.