quarta-feira, 14 de outubro de 2015

HISTÓRIAS DO LIBANÊS GEBRAÍ - O PAI DA JANETTE MOKARZEL

Olá amigos,

Almoçando sozinho numa mesa de canto do Tonico’s Boteco,  e refletindo com os meus botões sobre alguns personagens e situações do passado, me lembrei hoje do Gebrael Mokarzel, um  imigrante libanês, que veio jovem para o Brasil e aqui  trabalhou, constituiu família e lutou bravamente até seus últimos dias de vida com dignidade, deixando para os descendentes, um valoroso legado patrimonial e moral. Foi um desbravador, centralizando suas atividades no Distrito de Barão Geraldo que, no começo do século passado, resumia-se praticamente numa grande área rural, conhecida como Fazenda Rio das Pedras. Conheci Gebrael no ano de 1.970, quando ingressei na Faculdade de Direito da Universidade Católica de Campinas, ainda não Pontifícia, por causa de uma de suas filhas, a Janette, colega de turma e com quem até hoje mantenho amizade. "Papai do céu" não deu ao Gebrael nenhum filho varão. Tinha 5 filhas ativas e firmes como ele e que por isso mesmo davam trabalho. Pela ordem, eram elas:  a Maria Helena, alcunhada de “Madame”, a Janette, que a gente abreviava para Jana,  a  Cecília, a Maria Izabel, vulgo “Bela” e a Sônia, a caçula que leciona Física na Universidade de São Paulo. Era um prazer encontrar o velho Gebrael (a gente pronunciava Gebrái). Para mim e certamente para ele. Houve uma imediata empatia entre nós, de maneira que as minhas eventuais idas à casa da Jana,  eram recebidas com festa. Tinha tratamento de visita especial. Fui alvo, por isso, de múltiplas gentilezas. Várias vezes fui convidado para almoçar ou jantar, conforme o caso e a hora. E nunca me fiz de rogado. Bem, sobre o Gebrái, soube de passagens curiosas. Espirituoso, inteligente, rápido e ácido, as vezes, apesar de sua dificuldade de falar e escrever em Português não levava desaforo para casa. Dois episódios envolvendo essa figura carismática me vieram à mente. Gebrái, apesar de simples, sem qualquer luxo para comer ou beber, não gostava porém de chuchu. De certa feita, Jana, demonstrando inconformismo com a recusa do pai de comer chuchu, resolveu discutir com ele a respeito das virtudes da leguminosa,  que, convenhamos, é muito sem graça mesmo. Usando e abusando da sua suposta condição superior de “acadêmica de Direito” buscava argumentar com o velho pai: - Pai, o chuchu faz bem à saúde. Além disso é um legume que tem muito líquido e é gostoso. Gebrái ouvia sorridente, mas balançava a cabeça, discordando do rosário de ponderações que a moça usava. Vendo que seus argumentos não funcionavam, Jana apelou: - Pai, feche os olhos, imagine um prato de chuchu quentinho recheado com camarão e molho por cima. E queijo derretido. E, ainda, queijo ralado, azeitona e tomate, tudo no capricho. O velho sorriu. E mandou essa para encerrar o papo: - Filha, com tudo isso que você colocou em cima do chuchu, até sola de sapato fica boa. De outra feita Gebrái foi até a Prefeitura de Campinas, pois queria falar com o Prefeito. Chegou até o Gabinete e foi informado de que  ele estava ocupado e não podia atender. Deveria retornar no dia seguinte. Talvez agendar para a semana subseqüente fosse melhor.  Assim foi feito. Todavia, no retorno, a Secretária delicadamente pediu desculpas, dizendo que o Prefeito teve um contratempo e não poderia atendê-lo naquele dia e horário. Contrariado, Gebrái observa que uma jovem bem apessoada, sorri para a atendente do Gabinete e, sem dizer palavra,  entra direto na sala do Prefeito. Ficou fulo da vida.  Sem esperar autorização, irrompeu gabinete à dentro, sem dar trelas à súplica da Secretária:  - O senhor não pode entrar. - Por favor, aguarde. Postado defronte ao Prefeito e da moça que se sentara ao lado dele, que nunca se soube quem era,  mandou essa: - Senhor Prefeito. Eu quer sabê se bra você me atendê eu brecisa botar saia. O Alcaíde, surpreso, sorriu e pediu que Gebrai sentasse, que ele o ouviria, num instante. O Prefeito  era Antonio Mendonça de Barros, que governou a cidade entre janeiro de 1.952 a dezembro de 1.955. E não precisa dizer que ficaram amigos. Claro que a partir de então o Chefe do Executivo municipal não teve peito pra deixar o Gebrái esperando. Nem para dar qualquer desculpinha esfarrapada de político profissional, para não resolver problema que, segundo o Gebrái,  o Município tivesse o dever de sanar ou informar. Vou mandar este “causo”, para o meu amigo Manuel Carlos Cardoso, do Correio Popular, que, pelo que eu ando lendo na sua coluna, gosta de causos e anda saudoso dos tempos da Puc, de alguns de seus colegas, e, especialmente, de seus alunos de outrora.

Até mais amigos.

P.S. (1)  Barão Geraldo é o maior dos seis distritos do Município de Campinas, Estado de São Paulo e sua importância é indiscutível. Foi criado pela Lei Estadual 2.456, de 30 de dezembro de 1.953. Situado a doze quilômetros da área central de Campinas, a que se liga pela Rodovia Professor Zeferino Vaz, o distrito é famoso por sediar a Universidade Estadual de Campinas, que centraliza um dos maiores pólos de alta tecnologia do Estado, formado por universidades como a Pontifícia Universidade Católica de Campinas (além da própria Unicamp) e faculdades como a Facamp; centros de pesquisa estatais como o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações e o Laboratório Nacional de Luz Síncroton; centros hospitalares de pesquisa médica como o Hospital das Clínicas da Unicamp, a Sociedade Brasileira de Pesquisa e Assistência para Reabilitação Craniofacial e o Centro Infantil Boldrini, que já é uma referência mundial no tratamento do câncer infantil; além de grandes indústrias ligadas ao ramo de alta tecnologia, notadamente nos ramos de Informática (HP, IBM) e de telecomunicações (Lucent, Motorola e Siemens)[1]

P.S. (2) Segundo o historiador Warney Smith, Barão Geraldo se iniciou na segunda década do século XX, quando diversos imigrantes italianos, portugueses e libaneses compraram do leiteiro italiano Plinio Aveniente, pequenos sítios ao redor da “Estação Barão Geraldo” da extinta Estrada de Ferro Funilense e ali, construíram um bairro rural fundado na policultura e na autossubsistência. Até então, todas as terras vendidas por Plínio pertenciam à Fazenda Rio das Pedras, que, na época pertencia à empresa “Viúva Barbosa & Filhos”;

P.S. (3) A imagem da coluna de hoje é da sede da Fazenda Rio das Pedras, provavelmente no ano de 1.885. Tal foto foi emprestada de ethiago.wordpress.com. e pertence ao acervo de Dna. Terezinha de Oliveira Jorge, uma das descendentes do Barão Geraldo de Rezende. Na ocasião a fazenda era grande produtora de café.





[1] Informações obtidas no site WWW.wikipedia

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