Boa noite amigos,
Até amanhã.
CRÔNICA: CHOFER DE PRAÇA - A NOITE QUE EU VI MEU PAI RIR E CHORAR - UMA HOMENAGEM PÓSTUMA AO SEU NAGIB.
O ano era de 1.959. O cenário o velho bairro do Taquaral na cidade de Campinas, Estado de São Paulo. O palco propriamente dito o Cine São José, de tantas lembranças naquela década e nas subsequentes, colorindo com suas gazetinhas e matinês, os meus anos de infância e de primeira adolescência, até desaparecer,muitos anos passados, dando lugar a um templo religioso. Por seu intermédio me apaixonei pela sétima arte de maneira definitiva. Era uma noite especial. Acho que todas as manhãs, tardes ou noites do cine São José eram mesmo mágicas para mim, que adorava viajar com os personagens e as histórias contadas pelos cineastas da época e interpretadas por heróis e vilões, índios e caras-pálidas e mulheres belíssimas. O cinema exibia uma comédia nacional de Amácio Mazzoppi. Um velho comerciante sírio, que não fazia questão de cinema, ou outra forma de arte estava lá sentado com toda a sua família. Era o meu pai, sempre sério e introspectivo. O nome do filme era “Chofer de Praça”, acho que a primeira comédia/drama que assisti na vida. No roteiro, um caipira do interior de São Paulo, ruma para a cidade grande e arruma um emprego, lutando, com grande sacrifício, para pagar os estudos do filho que fazia Medicina. Entre diálogos e cenas engraçadas, meu pai esboçava sorrisos que jamais vi novamente, nem esqueci evidentemente. No final, o motorista de praça e sua mulher ficam sabendo de que aconteceria a Festa de formatura do filho, preparam-se para comparecer à solenidade, mas o jovem doutor, publicamente, ignora a presença deles, fingindo sequer conhecê-los, envergonhado da condição dos pais. Silêncio absoluto no cinema. O espectador em geral revoltado. Aqui e acolá ouve-se um resmungo de inconformidade, de censura ao doutor que perdera a humildade e se revelava ingrato e desprovido de humanidade. Uma lágrima escorre do rosto do velho e rude comerciante, revelando a expressão máxima de sua sensibilidade, denunciada pela proximidade da luz do "lanterninha". Nunca mais esqueci essa noite única. Meu pai, minha mãe, eu e meus irmãos juntos no cinema. O filme nacional. O nosso herói caipira, gênio da interpretação, nos fazendo rir e chorar. Uma noite inesquecível e única na nossa íntima vida familiar.
Até amanhã amigos.
P.S. (1) “Chofer de Praça” foi o nono filme de Mazzaroppi, a primeira produção da PAM FILMES. A direção e o roteiro são de Milton Amaral e Carlos Alberto S. Barros. Em branco e preto, o filme tem 96 minutos e Lana Bittencourt “Se Alguém Telefonar”, Agnaldo Rayol, “Onde estará Meu Amor?” e o próprio Mazzaroppi, “Izabel, não Chores”, são as canções e os cantores do filme.
P.S. (2) A imagem da coluna, de Mazzaroppi, foi emprestada do site jornaldeangola.sapo.ao.
P.S. (3) O Cine São José, inaugurado em 05 de dezembro de 1.958, ficava na rua Paula Bueno, 992, Bairro do Taquaral e pertencia à Empresa Cinematográfica de Campinas S.A. No dia da inauguração exibiu o filme “Uma Americana na Itália”, com os atores Vittorio Gasmann e Diana Dors. Atualmente no local funciona uma Igreja do Nazareno;
P.S. (4) Glauco Barsalini é Bacharel e Licenciado em Ciências Sociais pela Unicamp, Mestre em Multimeios pela mesma Universidade e Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Puc de Campinas. Atualmente é também professor na Faculdade de Direito da Puc, nosso prezado colega de docência.
P.S. (5) O "lanterninha" era um funcionário do cinema que, com uma lanterna na mão, encaminhava os espectadores retardatários às cadeiras vazias, com o filme já começado e as luzes apagadas, para evitar acidentes.
P.S. (6) EIS A FILMOGRAFIA DE AMACIO MAZZAROPPI. Os anos se referem ao lançamento dos filmes. 1) SAI DA FRENTE (1.952), 2) NADANDO EM DINHEIRO (1.952), 3) CANDINHO (1.954), 4) A CARROCINHA (1.955), 5) O GATO DA MADAME (1.956), 6) FUZILEIRO DO AMOR (1.956), 7) O NOIVO DA GIRAFA (1.957), 8) CHICO FUMAÇA (1.959), 9) CHOFER DE PRAÇA (1.959), 10) JECA TATU (1.960), 11) AS AVENTURAS DE PEDRO MALASARTES (1.960), 12) ZÉ DO PERIQUITO (1.961), 13) TRISTEZA DO JECA (1.961), 14) VENDEDOR DE LINGÜIÇA M (1.962), 15) CASINHA PEQUENINA (1.963), 16) O LAMPARINA (1.964), 17) MEU JAPÃO BRASILEIRO (1.965), 18) O PURITANO DA RUA AUGUSTA (1.966), 19) O CORINTHIANO (1.967), 20) O JECA E A FREIRA (1.968), 21) NO PARAÍSO DAS SOLTEIRONAS (1.969), 22) UMA PISTOLA PARA DJECA (1.969), 23) BETÃO RONCA FERRO (1.971), 24) O GRANDE XERIFE (1.972), 25) UM CAIPIRA EM BARILOCHE (1.973), 26) PORTUGAL MINHA SAUDADE (1.974), 27) O JECA MACUMBEIRO (1.975), 28) JECA CONTRA O CAPETA (1.976), 29) JECÃO... UM FOFOQUEIRO NO CEÚ (1.977), 30) JECA E SEU FILHO PRETO (1.978), 31) A BANDA DAS VELHAS VIRGENS (1.979), 32) O JECA E A ÉGUA MILAGROSA (1.980).
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