sexta-feira, 19 de abril de 2013

CRÔNICA - A VINGANÇA DO DEFUNTO


 Boa noite, amigos. Pegando leve neste início de final de semana, vai lá uma crônica sobre fato verdadeiro curioso e que me fez lembrar da primeira infância vivida no interior de São Paulo. O resto foi fácil: emendar a imaginação com a história real noticiada pelos jornais e pronto.

    A crônica está no meu livro "Causas & Causos n. II" da editora Millenium.


             "Aconteceu no Rio Grande do Sul.
         Tudo quanto é de vanguarda ou inusitado parece vir do Sul.
Li e reli a notícia e não acreditei.
Diria como o ex-Presidente Lula que nunca se viu tal coisa na história desse país.
E que seria cômico se não fosse trágico.
Mas a comédia e a tragédia são situações antagônicas muito próximas, dependendo do momento e da interpretação, o que não as torna assim tão ontologicamente  diferentes.
 Já dizia o compositor que o que dá pra rir, dá pra chorar, questão só de peso ou medida, problema de hora e lugar...[1]
A imaginação viajou, viajou e foi até a primeira infância vivida em pequena cidade do interior  de São Paulo.
Não havia iluminação pública e as noites escuras, de quarto minguante, povoavam nossa mente infantil de fantasmas que, poderosos, transitavam livremente pelas ruas e casas, atravessando com facilidade portas e portões, paredes e muros, invariavelmente  à nossa cata.
Impossível se esconder.
Éramos todos presas fáceis,  personagens involuntários do primeiro “big brother” inventado e os nossos desafetos e espiões não eram nada telespectadores e muito menos “brothers” como o Batmann, o Hary Pother ou a Mulher Maravilha.
O uivo dos cachorros de rua no breu da noite completavam aquele cenário de medo e horror, propício para que fôssemos todos executados sem dó, nem piedade, pelas almas do outro mundo, sem que ninguém nos pudesse dar auxílio ou acompanhasse o último suspiro da passagem desta para a outra vida.
Os mortos, as almas, na versão das estórias que a vizinha nos contava (só por sacanagem) eram seres inconformados com a própria condição e tinham raiva ou inveja de gente viva.
 Apareciam nas noites de Pirambóia, em forma de caveiras com a foice na mão. Caveiras sádicas  que sorriam  com dentes iluminados, enquanto a foice ia cortando tudo o que vinha pela frente.
 Daí o uso de seus poderes sobrenaturais voltados sempre para o mal, para lesar, matar, enlouquecer, especialmente as criancinhas e os menininhos frágeis de uns 5 a 10 anos, de preferência, como nós, eu, meu irmão e meus coleguinhas.
Quando me lembro, acho que a Dona Tereza foi a primeira sacana que eu conheci, pois não consigo me esquecer dela e de suas malditas histórias até hoje, quando pesadelos com o sobrenatural, ainda, de vez em quando, permeiam as minhas noites de sono, nada mais, nada menos  cinqüenta anos depois.
Que força de convicção tinha aquela bruxa quando contava, inventava e interpretava.
 Que Deus ou o Diabo a tenha!
Voltemos à notícia, cinqüenta anos depois.
Manchete: ‘MULHER ATINGIDA POR CAIXÃO DE DEFUNTO MORRE EM ACIDENTE RODOVIÁRIO”.
O título instigante convidou-me imediatamente à leitura:
“Caxias do Sul: Acidente ocorrido no km. 19 da  BR 116, envolvendo um caminhão e um carro fúnebre provocou a morte de Dona Ismênia da Silva. A vítima acompanhava o traslado do corpo do marido, João da Silva, falecido na cidade de Nova Petrópolis. Segundo a versão do motorista, que sofreu apenas escoriações leves,  a viúva ocupava o banco dianteiro, ao lado do condutor, e   com o forte impacto da colisão, o caixão do defunto deslocou-se, vindo a atingi-la violentamente  na cabeça, o que  provocou lesão cerebral e morte instantânea”.
Que coisa impressionante, hein!
 Que infelicidade!
Duplo velório para os parentes.
Tragédia?
Coincidência do destino?
Nada disso.
Minha memória voltou imediatamente à infância e à Dona Tereza, que devia ter alguma razão.
E lá, das profundezas das minhas remotas lembranças  montei o cenário.
No centro do palco o João, calmo, camisa do Colorado,  chimarrãozão na mão,  falando pra a Ismênia, naquele  sotaque gaúcho:
“- Bah! mulher. Tu pensô que ia ficá numa boa, tche? Tu aqui e eu lá?
Mar eu me vô e tu já vai se espraiando pra cima do motorista da viatura, sua despudorada!

Tu vai é comigo.
E agora!”

Que é coisa de maluco, isso é.
Mas, convenhamos, que tem lógica, lá isso tem."

Até amanhã amigos.

P.S. (1) A ilustração acima foi emprestada do blog cristianogoes.blogspot.com. As imagens de baixo foram emprestadas, respectivamente, dos sites www.flickr.com e www.ufrgs.br.

P.S. (2) Os amigos estranharam a menção a "Pirambóia". É isso mesmo. Sou natural de uma cidade chamada Pirambóia. E como dizem alguns amigos, "Isso lá é natural"?

P.S. (3) "Pirambóia (De pirá + tupi mboy, "cobra". S.f. Bras. Peixe dipnóico, da família dos lepidossirenídeos das bacias amazônica e do Paraguai. Coloração cinza-olivácea, com manchas negras irregulares; o corpo é revestido de pequenas escamas, com dois pares de apêndices vermiculares e olhos muito pequenos. Comprimento: até 1,20 m. Vive em lugares pantanosos ou em águas rasas, passando de uma estação chuvosa à outra enterrado na lama." (Novo Dicionário da Língua Portuguesa, Aurélio Buarque de Hollanda);

P.S. (4) O pequeno município, hoje Distrito de Pirambóia fica ao pé da serra de Botucatu, Estado de São Paulo. Só há uma placa indicando a sua situação e acesso. Veja aí embaixo:











P.S. (5) Afinal, Pirambóia é "peixe" ou é "cobra"? Sei não! Olha o bicho aí gente!







[1] “Choro Chorado”, samba de autoria de Billy Blanco que ficou em 4º lugar na I Bienal do Samba, promovido pela TV Record na década de 70.

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