Boa noite amigos,
Lá vai mais um conto (ou "causo") que está no meu livro Causas & Causos II, da Editora Millenium:
“Sou o rei de espada. Tô esperando seu jogo.
Meu amor pegando fogo. E você escondendo ás” (Maciel Melo, Dama de Ouros).
"Semblante sereno, a senhora mantinha-se ereta e elegante,
mesmo sentada ao redor da mesa onde se jogavam cartas.
A voz mal se ouvia.
Os gestos delicados, denunciavam invejável educação de
berço.
Já havia atingido idade madura e os fios de cabelos
brancos eram intensos, mesclados aos negros na cabeleira que não era mais tão
vasta, quanto o fora na juventude.
A beleza, no entanto, mantinha-se quase que intacta,
não a beleza lisa e reta da adolescência, mas aquela que se podia notar do
olhar vindo do fundo dos olhos castanhos, próximos aos quais surgiam as
primeiras rugas da terceira idade.
O marido, ao contrário, falante e espalhafatoso, era o parceiro que lhe destinara o acaso, também no caso, pelo sorteio realizado
para o jogo de duplas.
- Preste atenção no jogo, olhe o que eu vou descartar.
- Veja quantas cartas eu tenho, hein!
As advertências se seguiam na boca que não se calava
do inquieto parceiro.
- Você não tem jogo nenhum para abrir? Vê se não
guarda tudo na mão. O jogo é de parceria.
- Você não abre um jogo que me dê sequência, né?
A mulher continuava calada.
Às advertências, apelos ou críticas do marido
levantava o olhar, como que a denotar que estava atenta às suas observações.
E só.
O pessoal da mesa também se limitava a observar, já implicado com tanta falação.
- É melhor baixar o que tem, que eles vão bater. Já
pegaram o morto.
- Você também tá com um azar desgraçado, não faz um
jogo, não bate, não pega o morto.
A parceira limitou-se a esboçar um sorriso de canto de
boca.
Não tinha sido bafejada pela sorte naquela noite, mas
fazia o possível.
Os muitos anos decorridos desde que iniciara, por
distração, o aprendizado no tal jogo de baralho, eram testemunhas de que não
lhe faltava habilidade, destreza, atenção. Não se tratava absolutamente de jogadora
inexperiente, incauta ou distraída.
Mas o marido insistia:
- A coisa tá preta. Assim não dá. É muito azar.
- Nós estamos quase 1.000 pontos atrás deles, vamos ou
não vamos reagir?
Alguns minutos depois, novas ponderações.
Queixas, lamúrias, blasfêmias.
Após mais uma
breve consideração do marido-parceiro e enquanto todos ali esperavam que ela
finalmente lhe faça mais do que oportuna, uma providencial e educada censura, bem
ao estilo da velha conhecida senhora culta, gentil e elegante, a dama levanta-se,
olha para o marido, olha para todos à sua volta e faz com a cabeça um gesto de
reverência,como a solicitar permissão para falar.
Em seguida, diante da perplexidade da platéia e
espanto do marido, lhe diz em público,
alto e bom som:
- Cala a boca,
seu bosta"
Até breve amigos,
P.S. (1) A imagem da coluna de hoje foi empestada de alicepress.wordpress,com.
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