Boa noite amigos,
A mulher Aranha (Sonia Braga) contracena com o ator Raul
Julia,em O Beijo da Mulher Aranha (imagem emprestada -
de www.ccine.10.com.br)
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A sétima arte e os
cinéfilos dos quatro quadrantes do mundo perderam este ano, Abbas Kiarostami, morto, em Paris, no dia 04 de
julho passado. Era considerado o mais
importante nome do surpreendente, moderno e profundo cinema iraniano.Gosto
de Cereja (1997), O Vento nos Levará (1999) e Cópia Fiel (2010), são três verdadeiras obras-de-arte da
filmografia do diretor, para citar alguns de seus bons filmes. E o cinema nacional se despediu na quinta-feira, de outro grande diretor. Morreu, aos 70 anos, Hector
Babenco, nascido na Argentina,
de ascendência judaico-ucraniana, mas que se naturalizou brasileiro aos 19 anos
e aqui viveu para contar, nas suas películas, os dramas da natureza humana,
vistas, quase todas, sob a ótica de personagens que contaram ficções fincadas
na realidade brasileira. Babenco se
lançou na arte em 1.975, com o drama O Rei da Noite, estrelado por Paulo José e que tinha no elenco atrizes como Marilia Pera, Vick Militello e
Marcia Real. Dois anos depois,
contou a história de um lendário bandido, que desafiou o sistema e a polícia
brasileiros, no início da ditadura militar, no drama-biográfico, Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia,
baseado no livro homônimo de José
Louzeiro, que também assinou a co-autoria do roteiro e teve Reginaldo
Faria, no papel-título.
O cineasta Hector Babenco em foto recente (imagem empres-
tada de cinema.uol.com.br.)
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O filme foi sucesso, arrastando para as bilheterias quase 5.500.000 espectadores, o 9º maior público do
cinema nacional, até hoje. Ganhou 4 kikitos de ouro no Festival de Gramado, com
melhor ator para Reginaldo Faria, melhor
ator coadjuvante para Ivan Cândido, além de melhor fotografia e edição. Em
1.980, ganhou elogios da crítica americana que considerou, Pixote – A Lei do Mais Fraco, seu
terceiro longa, lançado naquele
ano, um dos dez melhores filmes da década de 80. Com exuberante atuação de Marília Pera, o papel título foi entregue ao adolescente Fernando Ramos da
Silva, que vivia marginalizado nas ruas de São Paulo, o que deu ao drama maior realismo. A película foi assistida
por quase 2.600.000 espectadores. A fama internacional, porém, viria em 1.984,
com o filme brasileiro-estadunidense, O
Beijo da Mulher Aranha (Kiss Of The Spider Woman), gravado originalmente em inglês. Baseado no livro “El beso de La Mujer Aranha” do
argentino Manuel Puig é um ficção que conta a história e o relacionamento de dois companheiros de
cela, numa prisão brasileira, um preso político e um homossexual, com vidas, expectativas e visões diferentes do mundo.
Um dos cartazes de publicidade do longa Carandiru, uma -
megaprodução de doze milhões de reais (imagem empres-
tada de www.cinemark.com.br.)
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O longa é uma das películas
que usa o discurso metalinguístico no cinema, consistente em “um filme dentro do outro”. Na pele do
homossexual, Luis Molina, a obra deu ao ator americano, William Hurt, o único Oscar
de Melhor ator que colacionou para o seu currículo, além da Palma de Ouro do Festival de Cannes e trouxe prestígio para os atores Raul
Julia (Valentin Arregui), porto-riquenho, e aos
brasileiros, Sonia Braga, José Lewgoy e Milton Gonçalves. Por conta do bom conceito internacional, Babenco, três anos
depois, iria dirigir dois monstros sagrados do cinema americano, Jack Nicholson e Meryl Streep, no drama
Ironweed, de 1.987, baseado na
relação entre Francis Phelan e Helen
Arches, um casal de alcoólatras, que
vive para exorcizar o dramático passado e as marcas por ele deixadas. A dupla de atores foi indicada para o Oscar
de 1.988, nas categorias de melhor ator e melhor atriz, respectivamente. Babenco, por seu turno, também foi
indicado ao prêmio Golden St. George,
no Festival de Moscou. Seguiram-se
dois filmes (Brincando nos Campos do
Senhor, de 1.990, e, Coração
Iluminado, de 1.998), que não
fizeram fama, nem carreira como os anteriores, até que, em 2.003,
Hector levou para as telas, Carandirú, para contar, ao seu modo, o episódio da morte de 111 presos no maior presídio do Brasil. Com um
orçamento de R$12.000.000,00 (doze milhões de reais), incomum para os filmes
nacionais e um vasto elenco de atores brasileiros e estrangeiros de primeira
grandeza (Wagner Moura, Lázaro Ramos,
Rodrigo Santoro, Milton Gonçalves, para citar alguns), Carandirú praticamente
repete o sucesso de Lúcio Flávio,
com um público próximo da casa dos cinco milhões.
Apesar da grandiosidade do
elenco, do bom roteiro baseado no Livro Estação Carandirú, de Dráuzio
Varella, por meio do qual o médico conta a sua experiência quando atuou no
programa de prevenção da AIDS, naquele Presídio, livro que já era best seller nas livrarias de todo o Brasil, a crítica especializada
não poupou o diretor, acusando-o de fazer um filme que não suscitava qualquer
discussão, nenhuma polêmica, feito para “ganhar dinheiro”, o que, se era um
exagero, também não estava longe da verdade. O fato e que Babenco, elege uma das versões do controvertido episódio (talvez o
mais conveniente à estética do espetáculo) e não se importa em relativizá-lo,
nem em trazer o espectador para um debate mais democrático e profundo da
problemática dos presídios brasileiros e do próprio episódio. Foi esse o seu último grande filme. Depois dele, seguiram-se apenas outros dois: O Passado, em 2.007 e, Meu
Amigo Hindú, agora em 2.016.
O ator argentino, Gael Garcia Bernal, um dos preferidos do -
cineasta, Pedro Almodóvar, no papel do tradutor Rimini, no-
longa, O Passado, de Babenco (2.007).
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Lucio Flávio, O Passageiro da Agonia, primeiro sucesso de
Babenco, com bilheteria de quase cinco milhões e meio
de espectadores (imagem emprestada de produto.mercado
livre.com.br.)
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Neste último fechou o ciclo
de sua carreira com um drama autobiográfico, pois o personagem principal, um
cineasta, como ele, na pele do ator americano, Willem Dafoe, é, assim como ele, diagnosticado com um câncer e divide no hospital, os momentos de sofrimento, medo e incerteza com um menino hindu. A vida do cineasta chegou ao fim esta semana, quando seu coração, sempre
cheio de dúvidas, mas, sobretudo, acumulado de emoção pela vida e pelo drama da
condição e diversidade humanas e que ele fez questão de contar, à sua maneira, parou antes de uma cirurgia para debelar uma
sinusite. Deixou a mulher, a atriz Bárbara
Paes, duas filhas e dois netos. E uma legião de amigos e admiradores.
Todos, indistintamente, reconhecendo a sua qualidade humana e o seu
profissionalismo. E a sua brasilidade, uma brasilidade que ele costumava afirmar
em cada ato, em cada discurso aos jovens, convidando-os para ter orgulho de ser
brasileiro, para o desafio de ser o que é, para o respeito à diversidade e à
dignidade de cada um. Hector Babenco e Abbas Kiarostami passam para o outro lado da vida.
E ao cinema, ao bom cinema, ao cinema de qualidade e de arte farão falta, certamente. Nele fizeram uma majestosa
carreira.
Até amanhã amigos.
Cena de Pixote - A Lei do Mais Fraco (1.980), um dos 10 me-
lhores filmes da década de 80, segundo a crítica especializa-
da americana (imagem emprestada de www.christianocarva
lho.com.br.)
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P.S. (2) O adolescente, Fernando Ramos da Silva, que interpretou o Pixote, não conseguiu seguir na carreira de ator. Embora contratado pela TV Globo, por instâncias de José Louzeiro, não conseguiu permanecer na emissora por conta de sua incapacidade de decorar textos, dada a condição de semi-analfabeto. Voltou às ruas e à vida de antes. Foi morto, no ano de 1.987, em confronto com policiais.
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