sexta-feira, 15 de novembro de 2024

VIOLÃO COMPANHEIRO

 

Boa noite amigos,

 

O homus sapiens não nasceu para a solidão, assim como só a vivência gregária explica a possibilidade de  subsistência e a proteção recíproca de outras espécies animais indispensável à manutenção do ecossistema.  Precisamos um do outro nesse mundo de tantos perigos e dificuldades. Dependemos de outros seres para sermos concebidos e para nascer. Pequeninos, carentes de autossuficiência  é indispensável que aqueles que nos geraram, ou alguém por eles,  nos alimente, nos ensine e nos proteja. Quando nos tornamos finalmente adultos e nos desligamos dos laços paternos precisamos de amigos e, na maior parte das vezes, de um companheiro ou companheira para conviver e dividir os nossos projetos de existência. A aversão pela socialização é tida, ainda no nosso tempo, como uma característica de doença mental ou social e não como uma maneira de ser ou uma escolha de vida que deve ser, como qualquer outra opção, respeitada. Mas dividir a vida, respeitando cada qual o seu livre arbítrio, ou seja, sem a intenção de posse física ou psicológica do outro,  também tem sido um grande desafio. A necessidade de exercer alguma espécie de poder possível sobre um, alguns, uma comunidade, um povo inteiro, e assim por diante, é marca registrada do ser humano e o que se vê nas relações amorosas ou conjugais, em regra, é um desequilíbrio entre os parceiros, prevalecendo o domínio de um deles sobre o outro em maior ou menor porção. Os possessivos não querem dividir o ser possuído com ninguém. Tornam-se obsessivos na exigência cotidiana da ruptura do companheiro ou companheira com todas as outras pessoas, os amigos, os encontros,  os prazeres, qualquer coisa de um mundo dos quais se sente excluído ou com paixão dividida. Na sociedade machista em que ainda vivemos, normalmente os opressores são os homens, o que explica o grande número de feminicídeos dos nossos tempos e especialmente no país em que vivemos. Mas as mulheres também exercem, sem violência, mas mediante grave ameaça, o que dá no mesmo, a arte da possessão. É o tradicional "Ou ele ou ela, ou eu. Escolha".

O saudoso cantor Nelson Gonçalves se notabilizou na interpretação de sambas-canções que falam do egoísmo e da incompreensão de companheiras a exigir essa exclusividade de paixão e atenção. Uma delas se chama MEU DILEMA e tem os seguintes últimos e trágicos versos: “Fiquei entre a cruz e a espada/quando ela desesperada/obrigou-me a escolher/e agora/ o meu dilema persiste/viver sem ela é tão triste/sem ti não posso viver.”

Tudo por causa de um violão. O cigarro, um instrumento, o trago, os amigos, são companheiros que cada um elege para dividir os momentos de tristeza ou alegria, de reflexão, de aconselhamento, seja lá o que for.  Na literatura e na música tem sido freqüente a eleição do violão como o companheiro leal, sincero e respeitoso, com quem compensa dividir as agruras de uma paixão impossível ou de uma tristeza incontida. E nas notas que as mãos de seu proprietário ou portador vão suavemente deslizando sobre as cordas,  têm sido compostas lindas canções, dando o tom da poesia, do poeta, do compositor. Mas, por que o violão se existem outros instrumentos de corda ou percussão que poderiam desempenhar o mesmo papel?  Suponho que o violão, especialmente ele, pelo seu formato, é que mais se aproxima dos contornos do corpo de mulher, da lembrança da mulher. E com vantagens incontáveis sobre ela, pois como diria um amigo meu, boêmio e convicto solitário, o violão não te contraria, não manda você parar de trabalhar, nem lavar a louça, mudar de amigo,  parar de beber, não tem vergonha de seus porres, não pede dinheiro pra feira, não quer jamais discutir como anda a relação.  Acha pouco? A minha, se por acaso ler essas reflexões antes da postagem certamente dirá: Vai postar isso, mesmo?  É sério? 

 Até mais amigos.

 

 

 

 

 

domingo, 20 de outubro de 2024

O HUMOR E A COMÉDIA QUE SALVAM

 

Boa noite amigos,

 

Através do humor vemos no que parece racional, o irracional; no que parece importante, o insignificante. Ele também desperta o nosso sentido de sobrevivência e preserva a nossa saúde mental” CHARLES CHAPLIN.

 


Muito se disse a respeito do humor e da comédia. O humor salva, dá sentido à vida e às coisas. Sem o humor, afirmou um dia Ary Toledo, que nos deixou recentemente, “a vida é um absurdo”. O humor e a comédia servem a tudo e a todos. Espalham a alegria e sugerem reflexão. O humor inteligente é intrigante, escancara as contradições do ser humano, a sua vileza, a sua pequenez, fere os poderosos com piadas, provocando sorrisos, escamoteando as dores e os sofrimentos do ser humano, condenando a sanha pelo poder e pelo arbítrio, reinante em todos os lugares, em todos os tempos, desde o surgimento da espécie humana. Fazer humor, fazer rir é coisa séria.  Ponderam os atores, com frequência, que o desafio de fazer comédia é maior do que atuar em outro gênero, seja drama ou tragédia.  William Shakespeare com talento e argúcia,  driblou a dura censura inglesa,  na era medieval da Inglaterra Elisabetana anti-semita, ao contar a saga do judeu Shylok e seu sofrimento, dores e perdas,  simplesmente catalogando o seu  “Mercador de Veneza” como o gênero  comédia, que faria rir os incultos censores e à nobreza ignorante,  com o desfecho que ridicularizava o credor que,  sem direito à prestação que por lei faria jus, ainda sofreu penas absurdas como de confisco e de conversão compulsória ao cristianismo. O humor é democrático e, não raras vezes, não se constrói sobre o outro, ou os outros, mas sim sobre o  próprio contador das estórias e casos e, por isso, não é arrogante, nem ultrajante. O humor é também uma opção de vida, uma alternativa de afastar ou minimizar os sentimentos de perda, fracasso, impotência, medo, depressão,  que crescem em tempos de pandemias e de impiedosas e estúpidas guerras.  A mim o humor é fundamental. Em todos os tempos, desde criança. Aprontei situações inusitadas com meus colegas e também fui vítima daquelas por eles arquitetadas. E, ao contrário do que se pode supor, por isso não se desfez amizades, mas ao contrário, fortaleceu os laços de fraternidade que nos unia e que hoje são parte da nossa memória comum e que nos é tão caras, nos encontros raros que ainda acontecem ao acaso, aí pela vida afora, já na terceira idade. Passando da casa dos setenta anos, não perdi o senso de humor, não perdi a alegria, não me entreguei à tristeza, embora não possa responder pelo amanhã. Vivo cada dia como se fosse o último, como um bônus. Brincar com as deficiências e as perdas que a ancianidade nos impõe é, ainda, a mais sábia forma de continuar a vida com leveza. Escrevi três livros de contos. Neles busquei relatar, com minha memória afetiva, os “causos” curiosos que foram aparecendo no exercício das minhas profissões de advogado, professor e Juiz de Direito e que muito me disseram e dizem sobre a antropologia humana, o poder da imaginação e a capacidade de amar, apesar de tudo.

 

Boa semana amigos.

P.S. (1) A imaginação é mais importante que o conhecimento”  (Albert Einstein).

P.S. (2)  “Não é que eu tenha medo de morrer. É que eu não quero estar lá na hora que isso acontecer”  (Woody Allen).


segunda-feira, 16 de setembro de 2024

FILME NACIONAL - DOCE FAMÍLIA.

 

Amigos, boa noite


Desde o último dia 06 de setembro, a netflix disponibiliza aos seus assinantes, a comédia romântica brasileira, Doce Família, com uma hora e meia de duração, cujo roteiro é adaptado do filme mexicano do mesmo nome (Dulce Familia). Com direção de Carol Durão e roteiro da dupla Carolina Garcia/Camila Agustini, o longa gira em torno do sonho da jovem Tamara (Mariana Xavier), dona de uma confeitaria e noiva de Beto (Gabriel Godoy, que está na TV atualmente como o Carlão da novela Família É Tudo – Globo, 19,00 horas), de se casar com o mesmo vestido que a mãe, Verônica (Maria Padilha), usou no casamento dela, o que se revela impossível diante do fato de ser a única obesa da família. A partir disso, tanto a mãe, como as irmãs Babi (Viih Tube) e Alê (Karina Ramil), que trabalham na área de beleza feminina, decidem convencer Tamara  a se submeter a uma revolução estética, que lhe causa um sacrifício torturante. O roteiro é comprometido com a crítica à ditadura estética, imposta pela sociedade moderna, estimulando os  “diferentes” a se aceitarem como são. A trama é divertida e termina com o casamento da protogonista, numa  cerimônia inusitada, em que os convidados, entre surpresos e encantados,  são convidados a revisitar os seus preconceitos e “amarras” sociais, experimentando, depois de  uma grande catarse coletiva, a sensação de  alegria e despojamento na adoção de  atitudes espontâneas e simples. Mariana Xavier, em atuação irretocável, muito contribui e valoriza a proposta do longa, ao lado da também brava atuação de sua mãe, a  veterana atriz, Maria Padilha,  na pele de uma personal estética que apregoa às suas seguidoras, o ideal do corpo perfeito.  Boa comédia para o fim a que se propõe, ou seja, divertir o expectador. Recomendo!

Boa noite amigos.

 

sábado, 8 de junho de 2024

SACANAGEM! APRENDI COM PAPAI

 

Boa noite amigos,

 

Imagem da cantora Martinália, uma das filhas 
do  compositor e cantor Martinho da Vila.

Navegando nos sites de músicas pela Internet em busca de novidades de qualidade (poucas, aliás) e de reencontrar clássicos antigos, que ficaram lá no fundo da memória, descobri uma gravação de Martinália, cantora com timbre de voz peculiar, sambista da gema, filha do mestre Martinho da Vila. O samba a que me refiro é antigo, de autoria do saudoso Monsueto, uma lenda do samba carioca, morto em 1.973,   batizado de “Casa Um da Vila”. A canção fala das provocações da mulher de um amigo, que morava em frente da casa do sambista e diz assim: /Aluguei a casa um da vila/Meu amigo mora em frente/ e a mulher desse amigo/anda arranjando tempo quente/ Senta a me provocar/Olha a me conquistar/Sorri a me convidar/Até um cego pode notar/. Aí vem o estribilho bastante difundido .../Eu sinto sede/eu sinto fome/mas mulher de amigo meu pra mim é homem/ Muitos gravaram essa música e o próprio Martinho chegou a cantá-la em alguns shows, em tributo a Monsueto.  A curiosidade que me faz escrever sobre o assunto é que, na gravação da Martinália, ela segue a letra original até a expressão “mulher de amigo meu”. Aí,  dá uma parada e, em duas repetições, ouve-se apenas o som dos instrumentos chorando,  em substituição do final (pra mim é homem).  Na terceira vez a cantora termina trocando /pra mim é homem/ por /também se come/, para delírio da plateia. Até aí cuida-se de uma irreverência da própria intérprete. Ignorando as ovações da plateia,  em seguida pronuncia, quase balbuciando,  a seguinte frase: Aprendi com meu pai. Não sei como papai recebeu a delação. Muito menos a mamãe. Mas filho gosta de sacanear os pais, sempre que tem oportunidade. Já viram algum deles falando que aprendeu com o pai a prática de um ato nobre? Ou o conhecimento elogiado de certo assunto?  É possível, mas pouco provável. A verdade é que, se o moleque chega em casa falando palavrão e a mãe manda “lavar a boca”, reclamando, ele logo garante: Aprendi com meu pai durante o jogo de futebol. Sacanagem!

Até mais amigos.

quarta-feira, 29 de maio de 2024

POEMA EM VÉSPERA DE FERIADO - VIDA GRAMATICAL

 

Boa noite amigos,


Um ocaso inspirador na lente do meu celular

Nesta véspera de feriado de Corpus Christi, com temperatura de inverno, sem chuva, publico aí dedicando aos amigos, especialmente aos que apreciam a língua portuguesa, sua gramática e sutilezas, um pequeno poema sobre a realidade da vida e a nossa gramática e figuras de linguagem. Espero que apreciem.

 

“VIDA GRAMATICAL (OU LITERAL).

 

Da boca o vocativo: VIDA!   VIDA!

Simples, sem interlocução,

Oração incompleta, também sem sujeito,

Adrenalina em grau superlativo.

 

Condição subordinada da alma sobre o corpo,

Do tempo, a idade, numeral cardinal, antônimo do universo, sem ordem,

Adjetivos perpétuos?

Meros advérbios de intensidade,

Imortais enquanto durem.

 

Ser ou estar, passado o momento tanto faz,

O ser sem “ser” sujeito ou verbo de ligação, sempre ou às vezes,

Chorar? Rir?  Morrer de rir, hipérbole do desespero?

Viver,  apenas vivendo, eis o gerúndio bastante.”

Boa noite meus amigos,

Valorizem sempre os minutos do presente.

Cuidem-se.

Abraço.

quarta-feira, 10 de abril de 2024

ROBERTO GODOY MEU AMIGO - ATÉ UM DIA - BAITA ABRAÇO!


A imagem do nosso Godoy foi emprestada do 
veículo de imprensa "O Povo".


Já se vão onze dias desde que me despedi do grande jornalista,  Roberto Godoy Marques Filho, para nós, amigos do coração,   apenas o “Beto”, um companheiro afável, humilde, com um largo sorriso e que mostrava um prazer enorme de dividir algumas cadeiras na conveniência do Posto Shell da esquina da Av. Julio de Mesquita com a rua Guilherme da Silva,aqui em Campinas, com quem se achegasse, nunca se recusando a responder indagações ou manifestar opiniões sobre qualquer assunto, mercê de sua vasta vivência e cultura, para além da área em que se tornara o maior especialista do país, qual seja, a de “Assuntos de Defesa, Segurança, Armas e Guerras”. E, à curiosidade de se saber como uma pessoa de paz, de refinada diplomacia, plena de gestos de atenção e carinho para com  seus semelhantes, poderia se tornar um expert em guerras e armamentos, dizia “Ao contrário do que se imagina eu não tenho coleção de maquetes, de blindados, nada disso. O assunto nunca foi meu hobby, mas é fascinante.”  E foi preciso esse tempo de depuração e compreensão para me permitir voltar à dura e fria realidade da ausência,  sentar na cadeira que me leva ao computador do escritório de casa e tentar escrever algumas linhas para  expressar o tamanho da minha tristeza e do vazio experimentado pela brusca partida desse ser humano especial, que a despeito de sua consagrada vida profissional na imprensa brasileira, dos prêmios relevantes que recebeu, incluindo o   mais importante do jornalismo nacional, era ávido pelo diálogo, pelo humor que se podia extrair diariamente das reiteradas pexotadas  de políticos e celebridades. Nos últimos tempos, já abatido pela doença, nas raras saídas em que se permitia, tirante as hospitalizações, gostava de ir ao posto e me avisava com antecedência. De minha parte buscava sempre ajustar a minha agenda e, às vezes, cancelar ou permutar compromissos, para não perder a oportunidade de encontrá-lo, sempre uma festa. Brincávamos quando ficávamos mais tempo sem nos encontrar, advertindo, ora eu, ora ele,  que  “a pauta estava crescendo”. E que pauta deliciosamente interminável! No mais, falávamos, quando possível, por telefone ou trocávamos mensagens via whatsapp. A última mensagem que me enviou foi exatamente no dia 16 de março, menos de quinze dias de seu súbito passamento, em razão de um enfarto fulminante, quando as notícias que me enviava, atualizando o seu estado de saúde, indicavam um progresso no tratamento do câncer. Ficam de Roberto duas características pessoais e marcantes: ao apreciar um comentário, um “causo”, uma piada, abria um largo sorriso, ao mesmo tempo em que aplaudia efusivamente quem quer que fosse esse seu interlocutor, costumeiro ou ocasional; nas mensagens escritas terminava com a seguinte expressão: Baita abraço”. Esse “Baita” soava como medida e dimensão de sua amizade, de seu apreço, de seu amor, uma hipérbole de sua grandeza de alma. Voltei, como volto quase todos os dias da semana, à conveniência do posto, onde tomo dois cafés e como o melhor pão de queijo da praça. Na sexta,  ao olhar aquela mesa onde costumávamos sentar, nos últimos tempos, do lado de fora, para facilitar o seu acesso e acomodação da cadeira de rodas, senti um imenso vazio. Minha memória me transportou para aqueles versos de saudades do compositor Sérgio Bittencourt, letra da canção Naquela Mesa, feita em homenagem ao seu pai, Jacó do Bandolim.  E bem baixinho, para ninguém ouvir, cantei ao Roberto, que me espera do outro lado da vida: “Naquela mesa está faltando você, e a saudade sua está doendo em mim.” Que Deus e a sua santinha que você jamais abandonou e que foi delicadamente colocada ao lado de seu corpo o ajudem a encontrar o caminho do infinito, meu queridíssimo amigo. Um dia desses passo lá no Cemitério Flamboyant para te levar uma rosa. E bem baixinho lhe passar uma raspança por ir embora assim, assim, sem pedir autorização, nem despedir dos amigos.

Baita abraço! Amor eterno.

 


domingo, 31 de março de 2024

POEMA - OI ESTRELINHA BRILHANTE!

Boa tarde amigos prezados.
Hoje, domingo santo de Páscoa, mando aqui só uma pequena poesia para reflexão, esperando que todos nós atentemos para o significado de uma ressurreição que possa trazer luz para nossa existência e travessia para um futuro em que sejamos melhores, sábios,  profundos e mais  humanos.



 OI ESTRELINHA BRILHANTE! 

(Inspirada nos ensinamentos extraídos da obra “O Mundo de Sofia” de Jostein Gaarder e escrita, por mim, no último dia 24 de março de 2.024).


Oi Estrelinha brilhante,
Que enfeita o céu todas as noites de lua cheia, 
Disseram que você não existe mais há milhões de anos-luz,
Então me ensina como é brilhar não existindo,
Se eu vivo neste mundo, há muito tempo, sem saber existir. 


 Boa e tranquila noite,

sábado, 2 de março de 2024

SOBRE TEREZAS


Bom dia amigos,

Imagem de cantiga de roda emprestada do
site MultiRio.

Quem na infância não  ouviu algumas cantigas antigas que fazem parte do nosso rico folclore. Pois, Terezinha de Jesus, composição atribuída a um obscuro Tomás Lima, é uma dessas preciosidades que as crianças, na infância, ouviam e cantavam. Os versos diziam: Terezinha de Jesus/deu uma queda foi ao chão/acudiram três cavalheiros/Todos de chapéu na mão/O primeiro foi seu pai/O segundo seu irmão/O terceiro foi aquele/que a Tereza deu a mão.” A singeleza da composição, no entanto, faz pensar que dos três cavalheiros, teria Terezinha desprezado os dois primeiros, respectivamente, seu pai e seu irmão, para aceitar o auxílio do estranho, que a canção  a ele se refere unicamente como “aquele que a Tereza deu a mão”. Mas estudiosos do assunto garantem que o socorro oferecido pelo pai e irmão significam que a família está sempre nos apoiando, nos ajudando em todas as circunstâncias e dificuldades da vida, incondicionalmente. O terceiro, então, seria o "príncipe encantado", que precisa ainda ser conquistado e em relação a quem a Terezinha espera viver um grande, eterno, feliz e infinito amor. Bonitinho, né?  Nosso Chico Buarque compôs a música Terezinha (Sem Jesus no título), narrando a saga de uma certa Tereza que foi visitada por três cavalheiros, tal como na cantiga. Recusou dois, para ficar com um terceiro. Não quis o primeiro, que trouxe presentes e não lhe negava nada: O primeiro me chegou/como quem vem do florista/trouxe um bicho de pelúcia/Trouxe um broche de ametista/Me contou suas viagens e as vantagens que ele tinha/Me mostrou o seu relógio, Me Chamava de rainha. Disse não também ao que veio do bar fuçando tudo, sem qualquer limite ou respeito: “O segundo me chegou/como quem chega do bar/Trouxe um litro de aguardente/tão amarga de tragar/Indagou o meu passado e cheirou minha comida/Vasculhou minha gaveta/Me chamava de perdida. O terceiro, aquele que ganhou o coração da jovem foi o que nada trouxe e nada perguntou, tratou-a com dignidade e respeito, valorizando-a como mulher e companheira: O terceiro me chegou, como quem chega do nada/Ele não me trouxe nada/ Também nada perguntou/Mal sei como ele se chama/Mas entendo o que ele quer/Se deitou na minha cama e me chama de mulher/.  No fim dessa história Chico nos brinda com essa linda metáfora: “Foi chegando sorrateiro/ e antes que eu dissesse não/Se instalou como um posseiro/dentro do meu coração.”  Sobre posse, possuidores, poceiros e posseiros eu costumo falar aos meus alunos da Faculdade de Direito, quando ingressamos no módulo dos Direitos Reais. 

 Até mais, amigos.

sábado, 17 de fevereiro de 2024

SOBRE CÁLICES, CALE-SE E DORES

 Boa tarde amigos,

 

O jogador inglês, David Beckham pedindo
silêncio e respeito ao adversário.


A música “Cálice”, de Chico Buarque e Milton Nascimento foi composta no ano de 1.973, porém censurada, só foi liberada para lançamento no ano de 1.978. O Cálice, metáfora à qual se refere a Bíblia Sagrada, utilizada por Jesus Cristo para pedir ao pai que o livre do destino de sofrimento e da morte - “Pai Afasta de Mim esse Cálice”- , foi eleita pelos criadores para se referir ao “Cale-se” imposto pela ditadura militar para coibir qualquer tipo de manifestação de protesto contra o regime e suas arbitrariedades, perseguições e mortes.  Além dos versos principais, fortes na condenação do arbítrio, em determinado trecho, a letra (seria a original?) diz: “... De que me vale ser filho da santa, melhor seria ser filho da outra....”. A outra, claro, é a “puta”, à qual não se poderia referir na ocasião, muito menos preterindo a “santa”.  Restabelecida a ordem democrática no país, agora em 2.022, Chico compôs uma canção batizada de “Que tal um Samba?”, na qual convida todos a amenizar os perrengues do dia a dia e nele há um trecho assim escrito: “.... Depois de tanta mutreta, depois de tanta cascata, depois de tanta derrota, depois de tanta demência. E uma dor filha da puta, que tal? Puxar um samba. Que tal um samba?”. A distância em anos e décadas entre o tempo do Cálice e o Que tal um Samba? explica um pouco a diferença de sentimentos do poeta, quanto aos respectivos momentos: enquanto o Chico, mocinho, estava preocupado com a discriminação quanto à  origem da pessoa (ser filho da Santa ou da puta, tanto fazia), o Chico de hoje prefere contemplar a dor filha da puta que ele deve sentir, todos os dias, assim como eu e todos nós da sua geração, que ainda estamos por aqui,  Mas foi econômico ao colocar a “dor” no singular, tantas são as nossas dores da terceira idade. Será, no entanto, que podemos usar essa expressão “filha ou filho da puta” para ofender ou desqualificar alguém ou alguma coisa? Bom, mas esse assunto é para outro dia.

Bom final de semana.

Abraços ....