Boa
noite amigos,
Se
vivo fosse, Nelson Rodrigues teria completado 100 anos no ano passado. Um dos
maiores dramaturgos brasileiros, que foi também jornalista, cronista e
comentarista esportivo, Nelson inaugurou e consolidou o movimento modernista no
teatro brasileiro. E Porque Hoje é Sábado, como dizia Vinícius de Moraes, e
porque “Sábado é uma ilusão”, frase atribuída ao controvertido dramaturgo, hoje
resolvi falar com os amigos sobre o livro NELSON RODRIGUES POR ELE MESMO, cujo
autor, por óbvio, é o próprio, mas
organizado por Sonia Rodrigues, uma de suas filhas. Trata-se de um
repositório ou compilação de artigos, entrevistas e manifestações do dramaturgo, expendidas ou publicadas ao longo de sua
vida, nas quais expõe seu pensamento a respeito de diversos assuntos como
política, futebol, jornalismo, nacionalismo, cinema, literatura, casamento,
amor e sexo e, é claro, sobre sua vocação maior: o teatro brasileiro. Leitor e
admirador de Emile Zolá, Nelson tem no
seu currículo nada menos do que dezessete peças de sucesso, sobre as quais
manifesta seu sentimento em vários momentos da vida. Ao longo de sua
trágica existência, o dramaturgo, que
assistiu ao assassinato de um de seus irmãos, viu a morte de outro por causa de
tuberculose, doença que também o acometeu na juventude e da qual teve nada
menos que cinco recaídas e uma milagrosa cura,
Nelson causou com suas peças, declarações e posições, furor,
ódio, surpresa, elogios, aplausos, vaias. Enfim, os mais variados sentimentos. Mas inegavelmente o que marca
a sua obra é a grande capacidade de captar e transmitir, sem retoques, nem
maquiagens, a controversa natureza humana. Considerado um amoral, suas peças,
na sua ótica, eram, ao contrário, moralistas, pois só nelas, segundo o seu
juízo, o bem triunfava sobre o mal e o crime era efetivamente punido. Contraditório (Toda coerência é no mínimo,
suspeita, dizia), era torcedor doente do Fluminense (Se o Fluminense jogasse no
céu, eu morreria para vê-lo jogar),
chegou a afirmar a respeito de seu mais tradicional rival que “Cada
brasileiro, vivo ou morto, já foi Flamengo por um instante, por um dia”. A
publicação é da Editora Nova Fronteira. Uma boa oportunidade para os que não
conheceram Nelson (para mim o equivalente nacional ao dramaturgo do Reino Unido, Oscar Wilde), nem sua obra, ou para aqueles que gostariam de estreitar o
seu conhecimento sobre esse célebre brasileiro, realizar esse intento.
TRINTA
PENSAMENTOS DO AUTOR
1)
Os homens
mentiriam menos, se as mulheres fizessem menos perguntas;
2)
Nem todas as
mulheres gostam de apanhar; só as normais;
3)
Deus só frequenta
as igrejas vazias;
4)
Grandes são os
outros. O Fluminense é enorme;
5)
Via de regra,
cada um de nós morre uma única e escassa vez. Só o ator é reincidente. O ator
ou a atriz pode morrer todas as noites e duas vezes aos sábados e domingos;
6)
Deus escreve
certo por pernas tortas (sobre Garrincha);
7)
Invejo a burrice,
porque é eterna;
8)
Muitas vezes é a
falta de caráter que decide uma partida. Não se faz literatura e futebol com
bons sentimentos;
9)
Não se apresse em
perdoar. A misericórdia também corrompe;
10)
Só o cinismo
redime um casamento. É preciso muito cinismo para que um casal chegue às bodas
de prata;
11)
O jovem tem todos
os defeitos do adulto e mais um: a inexperiência;
12)
O dinheiro compra
até o amor verdadeiro;
13)
O brasileiro
quando não é canalha na véspera, é canalha no dia seguinte;
14)
A liberdade é
mais importante que o pão;
15)
Não existe
família sem adúltera;
16)
A grande vaia é
mil vezes mais forte, mais poderosa, mais nobre do que a grande apoteose. Os
admiradores corrompem;
17)
A plateia só é respeitosa
quando não está a entender nada;
18)
A mulher ideal
deve ser dama na mesa e puta na cama;
19)
Se os fatos estão
contra mim, pior para os fatos;
20)
A televisão matou
a janela;
21)
Qualquer um de
nós já amou errado, já odiou errado;
22)
Com sorte você
atravessa o mundo; sem sorte você não atravessa a rua;
23)
O homem de bem é
um cadáver mal informado. Não sabe que morreu;
24)
O brasileiro é um
feriado;
25)
O amor entre
marido e mulher é uma grossa bandalheira. É degradante que um homem deseje a
mãe dos seus próprios filhos;
26)
Até os canalhas
envelhecem;
27)
Meu Deus porque
existem tantos olhos no mundo?
28)
O problema do
tapa não é o tapa, é o barulho;
29)
Acho a velocidade
um prazer de cretinos. Ainda conservo o deleite dos bondes que não chegam
nunca;
30)
Só os inimigos não
traem nunca.
ALGUNS
EXCERTOS DO LIVRO.
“O
PROBLEMA É QUE TENHO A MAIOR NOSTALGIA DE MINHA PUREZA INFANTIL, ISTO ATÉ HOJE.
EU ME ARREPENDO DA MINHA PRIMEIRA EXPERIÊNCIA SEXUAL. A PARTIR DO MOMENTO EM
QUE CONHECI O AMOR FÍSICO, PASSEI A SER OUTRA PESSOA E, ATÉ HOJE, SE ME PERGUNTAREM
QUAL É A SOLUÇÃO QUE SUGERIRIA PARA A ANGÚSTIA SEXUAL DE TODOS NÓS, EU DIRIA: A
CASTIDADE. OU ENTÃO O AMOR FÍSICO EXCLUSIVAMENTE POR AMOR.” (PP. 22/23).
“EU
ACHO, COMO JÁ DISSE, QUE A RELAÇÃO SEXUAL SEM AMOR É UMA IGNOMÍNIA, E COMO NÓS
A USAMOS SEM AMOR NORMALMENTE, NÓS SOMOS UNS DESGRAÇADOS. O SEXO SÓ FAZ
DESGRAÇADOS E PULHAS. ISTO É O QUE EU APRENDI EM TODA A MINHA EXPERIÊNCIA
VITAL. NUNCA VI O SEXO FAZER UM SANTO OU UM HOMEM DE BEM. OU ELE FAZ UM
DESGRAÇADO, O QUE É NORMAL, O COMUM, OU FAZ UM PULHA”. (p. 27).
“O
DISTANCIAMENTO QUE HÁ ENTRE O REPÓRTER E O FATO, ENTRE O REPÓRTER E UMA EMOÇÃO,
ENTRE O REPÓRTER E O PATÉTICO É UMA COISA HORRENDA” (p. 35).
“TODO
O MEU TEATRO TEM A MARCA DE MINHA PASSAGEM PELA REPORTAGEM POLICIAL” (p. 35).
“HOJE
OS NOSSOS VELÓRIOS PERDERAM ISSO, É TUDO LUZ ELÉTRICA. UMA COISA INCRÍVEL, UMA
FALTA DE RESPEITO. ANTIGAMENTE HAVIA OS GEMIDOS E OS GRITOS NA HORA DO ENTERRO.
O ENTERRO ERA APAIXONANTE. ENTRAVA TUDO MUNDO ASSIM, DE CARA DE PAU. HOJE A
CAPELINHA DESMORALIZA A DOR. ANTIGAMENTE,A HORA DE SAIR O ENTERRO ERA UMA COISA
TENEBROSA” (p. 38).
“O
ASSASSÍNIO DE MEU IRMÃO MARCOU A MINHA OBRA DE FICCIONISTA, DE DRAMATURGO, DE
CRONISTA, ASSIM COMO A MINHA OBRA DE SER HUMANO. E ESSE ASSASSINATO ESTÁ
MARCADO NO MEU TEATRO, NOS MEUS ROMANCES,NOS MEUS CONTOS” (p. 42).
“ESSE
CRIME ME MUDOU INTEIRAMENTE. O FATO DE UM SUJEITO MORRER POR SER FILHO DO MEU
PAI, QUE POR SUA VEZ NÃO TINHA NADA COM O PEIXE, ME DEU HORROR DA OPINIÃO
PÚBLICA. TODA UNANIMIDADE É BURRA. A
MAIORIA GERALMENTE ESTÁ ERRADA. TENHO HORROR DE ELEIÇÃO. QUEREM QUE QUARENTA
MILHÕES DE PESSOAS JULGUEM COMO SE FOSSEM ARISTÓTELES OU PLATÃO. UMA DAS
MAIORES PEÇAS DO MUNDO É UM INIMIGO DO POVO, de IBSEN. O
PROTAGONISTA DIZ, NO FINAL, QUE O GRANDE HOMEM É O QUE ESTÁ MAIS SÓ. POR
ISSO BRINQUEI COM MINHA CLASSE TEATRAL, QUANDO ANDAVA EM COMÍCIOS, ASSEMBLÉIAS
E PASSEATAS. SOU O QUE ESTÁ MAIS SÓ.” (p. 42).
“A
FOME NÃO TEM LIMITES. AS PESSOAS FAZEM AQUILO QUE JAMAIS PENSARAM QUE FOSSEM
CAPAZES DE FAZER, QUANDO PASSAM FOME” (p. 45).
“ROBERTO
MARINHO PAGOU OS MEUS VENCIMENTOS INTEGRAIS POR TRÊS ANOS, DURANTE TODO O TEMPO
EM QUE ESTIVE DOENTE. RECAÍ DA TUBERCULOSE CINCO VEZES E ESTIVE EM CAMPOS DO
JORDÃO TRÊS VEZES. NO CASO DA TUBERCULOSE, NAQUELE TEMPO, ERA PRECISO TER SORTE
E A LESÃO NÃO TER NENHUMA ADERÊNCIA.”(p.
47).
Até
amanhã amigos,
P.
S. (1) Sonia Rodrigues é escritora e jornalista. Fez Mestrado e Doutorado em
literatura pela PUC do Rio de Janeiro. Pesquisa e patrocina pesquisas sobre o
seu pai Nelson Rodrigues desde 1.999;
P.S.
(2) Duas visões diferentes sobre o ser humano.
Situação 1: Sentindo que o escritor
lusitano, José Saramago, não demonstrava grande alegria ou surpresa ao saber
que tinha sido contemplado com o Premio Nobel de Literatura, um jornalista
perguntou se ele não estava satisfeito ou honrado com o premio, ao que o
escritor, demonstrando humildade e ponderação, respondeu: “Estou sim, mas cá
penso comigo: O que significa o Premio Nobel diante do universo? Situação 2: Nelson
Rodrigues ao se pronunciar sobre a relevância do ser humano em face desse mesmo
universo, afirmou: “Qualquer indivíduo é mais importante que a Via Láctea”.
P.S.
(3) O dramaturgo Nelson Rodrigues
escreveu 17 peças de sucesso: A MULHER SEM PECADO (1.942); VESTIDO DE NOIVA
(1.943); ÁLBUM DE FAMÍLIA (1.945); ANJO NEGRO (1.948); DOROTEIA (1.950); VALSA
N. 6 (1.951); A FALECIDA (1.953); SENHORA DOS AFOGADOS (1.954); PERDOA-ME POR
ME TRAÍRES (1.957); VIÚVA, PORÉM HONESTA (1.957); OS SETE GATINHOS (1.958);
BOCA DE OURO (1.959), O BEIJO NO ASFALTO (1.961); OTTO LARA REZENDE OU
BONITINHA, MAS ORDINÁRIA (1.962); TODA NUDEZ SERÁ CASTIGADA (1.965); ANTI
NELSON-RODRIGUES (1.974); A SERPENTE (1.980). Muitas delas foram adaptadas para a literatura
e para o cinema.
P.S.
(4) A imagem da coluna é da capa do livro NELSON RODRIGUES POR ELE MESMO.
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