Boa noite amigos:
São 11 (onze) contos distribuídos em 114
páginas. Adverte a editora, na orelha da contracapa do livro, que o autor é mestre e doutor, de cujas penas se produziram trabalhos
relevantes de cunho científico-acadêmico no terreno da educação, mas que esta
seria a sua primeira inserção no campo da literatura.Pese embora esse suposto
noviciado, eu, que presumo conhecê-lo razoavelmente, posso afirmar que se trata de um desses raros
eruditos de hoje em dia, que transitam, com competência, por várias áreas do
conhecimento humano, seja no campo das
Ciências, seja no das Artes. Antonio
Miguel no seu “Jogos Hedonistas de
Linguagem” reúne contos, cujos personagens são meros objetos culturais (formas
simbólicas) que, ganhando vida própria e se apropriando dos humanos, vão narrando situações e vivências, num plano ficcional, mas com reflexões sobre a realidade. Bach, aqui, por exemplo, não é personagem. O personagem é o seu Prelúdio número 1, que pede licença
para contar a sua história. O que têm de
comum esses contos, na obra que Miguel,
classifica como “um ensaio de hedonismo
estético” é exatamente o convite a um prazer onírico e sem culpa, experimentado
por meio de sensações, única realidade
da vida, segundo Fernando Pessoa. Apropriando-se
da sugestão de Wittgenstein, as palavras aqui ganham sentido próprio e relativo, não devem ser compreendidas na
sua expressão semântica, mas sim considerada a intenção de seu uso, consoante os contornos do respectivo jogo de linguagem. Com esse escopo e essa regra do jogo, o leitor deve viajar
com o autor por esses contos, extraindo do deleite da leitura o máximo de prazer. Afinal, não há pecado algum em
buscar na vida o prazer como forma de minimizar as dores e vicissitudes da
condição humana e nisso se fundamentam todas as formas de hedonismo, muito
variadas, contudo, nos fundamentos e limites. Experimente. Garanto aos amigos que a leitura é
extremamente agradável e nesses contos o autor revela muito de seu potencial de
criação literária, de sua engenhosidade, recursos e vivacidade, tudo de maneira
leve e inteligente. Uma leitura que pode, à primeira vista, parecer difícil, mas que, no fundo, não é, e que
deve ser enfrentada como mero
entretenimento, pois essa deve ter sido a intenção do autor, que, em regra, não se preocupa em conduzir seus interlocutores aos conceitos, ideologias e convicções de que se apropriou na sua agora sexagenária existência (completou 60 anos no final do ano passado), pois é um democrata na mais pura expressão da palavra.
Até amanhã amigos,
P.S. (1) Os contos que compõem o livro são: 1) O Jantar; b) Um Minuto na Vida de Igor
Fraslanszky; c) A Vingança; d) O Malabarista; e) O Sorriso de Margareth Mead; f) O Prelúdio Número 1 de Bach; g) Os
Perfumes; h) O tecelão de Máscaras; i) Sob a Proteção de Suas Asas; j) Dom de
Iludir; k) O Sonho de Turing; l) O Rio;
P.S. (2) Ficha de catalogação: Miguel, Antonio. Jogos Hedonistas de
linguagem/Antonio Miguel.São Paulo: Plêiade, 2.008. 114 p. ISBN:
978-85-7651-085-7. 1. Contos I. Título.
P.S. (3)
Um trecho: “É alucinante sentir-se resto de
si próprio: sentir um resto de si próprio de que um outro poderá se apropriar,
usar, abusar, como e quando quiser. Você acaba descobrindo, com o tempo,
através do uso que o outro faz do seu resto, qual é a natureza desse resto. Na
verdade, eu nunca havia chegado a vivenciar, no corpo, a natureza desse resto.
Pensava mesmo que esse resto poderia, um
dia, se anular quando um outro qualquer se apossasse dele com carinho e
ternura. Pensava que minha relação com o outro poderia ser consonante,
comensurável.” (Um Minuto na Vida de Igor Fraslanszky, p.12);
P.S. (4) Outro excerto: “Impossibilitado de contemplar a
sua própria máscara, e mais ainda inebriado pelo prazer dessa impossibilidade,
meu tecelão deitou-se calmamente ao lado de seu corpo-espelho, fechou os olhos,
e surpreendido pelo surgimento instantâneo, por uma fração de segundo, do vulto
de sua própria máscara, sorriu para ela e depois adormeceu” (O tecelão de Máscaras, p. 63);
P. S. (5)
Um último: Entre ser e não ser, na língua portuguesa, não se tem nem ao menos a
possibilidade de se abster. E ainda dizem que foram os gregos que inventaram a
lógica clássica! Bem, mas isso é uma outra história. Não vou aborrecer vocês
com a história da minha colega “lógica clássica”, pois essa forma simbólica tem
passado,ultimamente, por maus bocados. Ela vem sendo tão difamada, que me
disseram que ela anda com uma depressão danada. Não sei bem se depressão, ou
doença do pânico. É sempre muito difícil caracterizar quando é uma dessas
coisas OU quando é a outra, como de resto, tudo na vida é difícil de se
encaixar nessa coisa de OU isso OU AQUILO.” (O Prelúdio número 1 de
Bach, p. 43);
P.S. (6)
Os jogos de linguagem, para o austríaco Ludwig Wittgenstein, são múltiplos e variados e atendem a finalidades
diversas: às vezes a linguagem é empregada para dar ordens, outras vezes para
pedir desculpas. Assim, supor que a função primordial da linguagem
seja a de descrever ou representar os fatos é uma generalização precipitada
provocada por se tomar um jogo de linguagem particular, como paradigma de todos
os demais. Na sua obra Investigações,
Wittgenstein afirma que o significado de uma palavra é estabelecido
pelo uso que se lhe dá num determinado jogo de linguagem e para saber o que
significa a palavra, nesse jogo de linguagem, é preciso descrever os traços
mais destacados do jogo e revelar qual é o papel desempenhado pela palavra em
questão.
P (7) – O autor, que é meu irmão mais novo, é respeitadíssimo em sua especialidade:
educação matemática. E um apaixonado por música. É também instrumentista com
domínio sobre violão e piano. Teve uma de suas composições musicais, “De Ponta Cabeça” classificada no Festival Universitário da Música Popular Brasileira da extinta TV Tupi, na década de 80. A canção foi
interpretada, naquela oportunidade pelo cantor José Augusto.
P.S. ( 8) – A
proximidade entre Matemática e Música foi demonstrada por Pitágoras,
inventor das palavras “Matemática” e “Filosofia”.
Assinala ele que a harmonia matemática
pode ser obtida também na música. Assim, se dividirmos uma corda em determinadas
proporções vamos obter vibrações proporcionais que
vão formar a harmonia das notas musicais. Se dividirmos essas notas em
determinadas frações e a combinarmos com as notas simples, vamos obter sons
harmoniosos. Já frações diferentes produzem sons não harmônicos. Como todos os
corpos que se movem velozmente produzem som, isso acontece também com os corpos
celestes. O movimento dos astros produz o som correspondente a uma oitava. Este
som não é percebido pelas pessoas pois nós o ouvimos desde que nascemos e
nossos ouvidos não são próprios para percebê-los.
P.S. (9) O hedonismo é uma palavra que vem do grego hedonê,
que significa “prazer”, “vontade”. Trata-se de uma doutrina filosófico-moral
surgida na Grécia, que afirma ser o
prazer o supremo bem da vida humana. Várias foram as
modalidades de hedonismo defendidas por filósofos de todos os tempos.Um dos filósofos modernos que defende tese
hedonista é o francês Michel Onfray.
P.S. (10)
O movimento hippie, que
surgiu nos Estados Unidos em 1.966 e
se difundiu por todo o mundo, apregoava uma espécie de hedonismo, que sinaliza
para o sentido moderno da doutrina. Contrários aos ideais da sociedade daquela
época, tinham uma filosofia orientada
por mestres espirituais, cultuavam a natureza, viviam em comunidade e
apreciavam a utilização de drogas como o LSD, maconha e outras. Eram contra a
propriedade privada, sempre viajavam em trailers ou viviam em conjunto com seus
iguais. Contrários à guerra, proclamavam
a inexistência de nações ou fronteiras separando os países. Para eles, o mundo
seria de todos e cada um deveria buscar sua paz espiritual. Contrários à
religião cristã, acreditavam que o paraíso deveria ser encontrado aqui na terra
(do lema adotado, Paradise Now).
Eram contra punições e a favor da busca pelo prazer, fosse pela
espiritualidade, fosse pelas drogas. O lema “Peace and Love” (Paz e
Amor) é um dos mais difundidos de sua cultura, em todo o mundo.
P.S. (11) A imagem da coluna de hoje é da capa do livro.
P.S. (11) A imagem da coluna de hoje é da capa do livro.
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