Caros amigos,
Estava no Aeroporto de Guarulhos quando fiquei
sabendo, por minha filha e pelo telefone, da morte inesperada do ator José Wilker. Dias antes vi o artista se apresentar no
programa Vídeo Show da Rede Globo e
ele me pareceu perfeitamente bem disposto e cheio de novos projetos. Fiquei
sabendo depois que o coração, “que tem
razões que a própria razão desconhece”,
como garante o compositor, decidiu parar de madrugada, durante o sono profundo
e levar o nosso Wilker para outra galáxia.
Viajei naquele dia e só retornei oito dias depois de uma viagem a Barbados, no Caribe, onde fiquei sem
Internet e telefone. Não acompanhei as notícias dos funerais e a repercussão do
falecimento. Por certo deve ter sido grande, pois na sua vida artística terrena
José Wilker teve grande importância
e se pode dizer que era um dos mais relevantes e talentosos atores de sua
geração, que, por sinal, é também a minha. Não foi apenas ator. Foi
diretor, narrador, apresentador e
crítico de cinema. Quando lembro do artista, me transporto sempre para o dia 03
de janeiro de 1.977. Era o aniversário de meu casamento. O segundo aniversário.
E por coincidência, o sétimo aniversário
de matrimônio de minha irmã mais velha, que se casara no mesmo dia e mês, cinco
anos antes. Pois resolvemos combinar, os
dois casais, um programa para comemorar a ocasião. Fomos à sessão noturna do
saudoso Cine Voga, que ficava na
esquina da rua General Osório com a rua Irmã Serafina, no centro de
Campinas. O cinema exibia um filme brasileiro, Dona Flor e Seus Dois Maridos, uma película de Bruno Barreto, com roteiro adaptado da obra do mesmo nome de Jorge Amado. Os protagonistas eram de
peso. No papel de Dona Flor, a
morena Sônia Braga, com seus cabelos negros longos que desciam pelo corpo
escultural sobre a pele jambo. E os dois maridos eram interpretados pelo ótimo Mauro Mendonça (o 2º), como o
farmacêutico Teodoro Madureira, e pelo jovem ator José Wilker, no papel do debochado Vadinho (o 1º, que já tinha
morrido, mas gostava de aparecer para a
viúva e com ela relembrar as relações quentes do casal). Ótimo filme, excelente
roteiro adaptado, interpretações primorosas. Inesquecível. É por isso que
até recentemente era o filme brasileiro de maior público em todos os tempos,
mais de 10.000 espectadores. Só perde ainda hoje pelo segundo Tropa de Elite, um outro clássico do cinema nacional. O mais importante foi reservado, porém, para o final. Na última cena a platéia toda se surpreendeu. Aparecia Dona Flor caminhando por uma das ruas do Pelourinho, com seu marido Teodoro, e no meio do dois,
quem? O Vadinho, na pele do Wilker, pelado, peladinho, com a “bundinha” branca magrela todinha de fora. E
olha que estávamos em 1.977. Em plena ditadura militar que gostava de censurar
tudo o que podia, em nome da família, da tradição e da propriedade, um trio
hipócrita que serviu para convencer a classe média conservadora de que era
preciso derrubar Jango e a ameaça de
comunismo que ele representava. A “bundinha”
branca do Wilker foi assim uma
bandeira para o pessoal da nossa geração. Com ela dávamos uma banana para os ditadores que cerceavam a nossa liberdade, nela incluída a liberdade artística, tão indispensável. Saímos do cinema e fomos a um
charmoso restaurante que já não existe mais: o Armorial, que ficava ali, logo ali, do outro lado da rua General Osório e que servia pratos
incríveis, preparados pelo “Chef Frances” e que se podia degustar ao som
do piano de Arnaud, um músico que
fez história também na cidade e que eu não sei se ainda está vivo. Um programa perfeito para
os dois casais na aurora de seus casamentos e de suas vidas. Acompanhei,
sempre com muito interesse, depois disso, a carreira prodigiosa do jovem Wilker, que gostava muito de cinema,
entendia da sétima arte como ninguém e era um dos comentaristas da
premiação do Oscar americano
pela sua emissora e pelos canais
fechados Brasil e GloboNews. Wilker
também teve uma participação de peso num outro excelente filme nacional, Bye Bye Brasil, considerado pela crítica como o mais importante da
década de 70. Fez mais de trinta novelas e minisséries pela Rede Globo, valendo destacar, dentre
outros, o seu papel de Roque Santeiro,
na novela do mesmo nome, de Dias Gomes,
que foi censurada e só apresentada mais de 10 anos depois. Ganhou fama como o mafioso
Giovanni Improtta, na novela Senhora do Destino, que em 2.013 virou filme. Um grande artista, uma grande perda para as artes cênicas
brasileiras e para os seus amantes. E para mim, por razões históricas, também a inesquecível bundinha branca, que emprestamos do Wilker e que foi uma espécie de triunfo sobre a opressão de uma ditadura que deixou marcas profundas na nossa geração. Respeitosamente!
Até breve amigos.
P.S. (1) José Wilker
participou de 68 filmes, desde 1.965 quando apareceu, em papel secundário e sem
que lhe dessem sequer crédito, no filme A
Falecida, baseada em peça de Nelson
Rodrigues. Dentre os longas, podem ser destacados, além de Dona Flor e Bye Bye Brasil, Os
Inconfidentes (1971), Xica da Silva
(1976), Jango (1984), Dias Melhores Virão (1.989),
Pequeno
Dicionário Amoroso (1.996), Guerra de Canudos (1.997), O
Homem do Ano (2.003) e Casa da Mãe
Joana (2.008) e Casa da Mãe Joana 2
(2.013);
P.S. (2) As imagens da
coluna de hoje são: 1) de Dona Flor e
Seus Dois Maridos (1.976)
emprestada de veja.abril.com.br, 2) de Bye Bye Brasil (1.979), de www.yotube.com; 3)
de Giovanni Improtta, emprestada de joaoevocespaceblog.com.br.
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