segunda-feira, 21 de abril de 2014

A MORTE DE JOSÉ WILKER, A BUNDA DE VADINHO E A BANANA PARA A CENSURA

Caros amigos,


Estava no Aeroporto de Guarulhos quando fiquei sabendo, por minha filha e pelo telefone, da morte inesperada do ator José Wilker.  Dias antes vi o artista se apresentar no programa Vídeo Show da Rede Globo e ele me pareceu perfeitamente bem disposto e cheio de novos projetos. Fiquei sabendo depois que o coração, “que tem razões que a própria razão desconhece”, como garante o compositor, decidiu parar de madrugada, durante o sono profundo e levar o nosso Wilker para outra galáxia. Viajei naquele dia e só retornei oito dias depois de uma viagem  a Barbados, no Caribe, onde fiquei sem Internet e telefone. Não acompanhei as notícias dos funerais e a repercussão do falecimento. Por certo deve ter sido grande, pois na sua vida artística terrena José Wilker teve grande importância e se pode dizer que era um dos mais relevantes e talentosos atores de sua geração, que, por sinal, é também a minha. Não foi apenas ator. Foi diretor,  narrador, apresentador e crítico de cinema. Quando lembro do artista, me transporto sempre para o dia 03 de janeiro de 1.977. Era o aniversário de meu casamento. O segundo aniversário. E por coincidência, o sétimo  aniversário de matrimônio de minha irmã mais velha, que se casara no mesmo dia e mês, cinco anos antes.  Pois resolvemos combinar, os dois casais, um programa para comemorar a ocasião. Fomos à sessão noturna do saudoso Cine Voga, que ficava na esquina da rua General Osório com a rua Irmã Serafina, no centro de Campinas. O cinema exibia um filme brasileiro, Dona Flor e Seus Dois Maridos, uma película de Bruno Barreto, com roteiro adaptado da obra do mesmo nome de Jorge Amado. Os protagonistas eram de peso. No papel de Dona Flor, a morena  Sônia Braga, com seus cabelos negros longos que desciam pelo corpo escultural sobre a pele jambo. E os dois maridos eram interpretados pelo ótimo Mauro Mendonça (o 2º), como o farmacêutico Teodoro Madureira,  e pelo jovem ator José Wilker, no papel do debochado Vadinho (o 1º,  que já tinha morrido,  mas gostava de aparecer para a viúva e com ela relembrar as relações quentes do casal). Ótimo filme, excelente roteiro adaptado, interpretações primorosas. Inesquecível. É por isso que até recentemente era o filme brasileiro de maior público em todos os tempos, mais de 10.000 espectadores. Só perde ainda hoje pelo segundo Tropa de Elite, um outro clássico do cinema nacional. O mais importante foi reservado, porém, para o final. Na última cena a platéia toda se surpreendeu. Aparecia Dona Flor caminhando por uma das ruas do Pelourinho,  com seu marido Teodoro, e no meio do dois, quem? O Vadinho, na pele do Wilker, pelado, peladinho, com a “bundinha” branca magrela todinha de fora. E olha que estávamos em 1.977. Em plena ditadura militar que gostava de censurar tudo o que podia, em nome da família, da tradição e da propriedade, um trio hipócrita que serviu para convencer a classe média conservadora de que era preciso derrubar Jango e a ameaça de comunismo que ele representava. A “bundinha” branca do Wilker foi assim uma bandeira para o pessoal da nossa geração. Com ela dávamos uma banana para os ditadores que cerceavam a nossa liberdade, nela incluída a liberdade artística, tão indispensável. Saímos do cinema e fomos a um charmoso restaurante que já não existe mais: o Armorial, que ficava ali, logo ali, do outro lado da rua General Osório e que servia pratos incríveis, preparados pelo “Chef  Frances” e que se podia degustar ao som do piano de Arnaud, um músico que fez história também na cidade e que eu não sei se ainda está vivo. Um programa perfeito para os dois casais na aurora de seus casamentos e de suas vidas. Acompanhei, sempre com muito interesse, depois disso, a carreira prodigiosa do jovem Wilker, que gostava muito de cinema, entendia da sétima arte como ninguém e era um dos comentaristas da premiação do Oscar americano pela  sua emissora e pelos canais fechados Brasil e GloboNews.  Wilker também teve uma participação de peso num outro  excelente filme nacional, Bye Bye Brasil, considerado pela crítica como o mais importante da década de 70. Fez mais de trinta novelas e minisséries pela Rede Globo, valendo destacar, dentre outros, o seu papel de Roque Santeiro, na novela do mesmo nome, de Dias Gomes, que foi censurada e só apresentada mais de 10 anos depois. Ganhou fama como o mafioso Giovanni Improtta, na novela Senhora do Destino, que em 2.013 virou filme. Um grande artista, uma grande perda para as artes cênicas brasileiras e para os seus amantes. E para mim, por razões históricas, também a inesquecível bundinha branca, que emprestamos do Wilker e que foi uma espécie de triunfo sobre a opressão de uma ditadura que deixou marcas profundas na nossa geração. Respeitosamente!

Até breve amigos.

P.S. (1) José Wilker participou de 68 filmes, desde 1.965 quando apareceu, em papel secundário e sem que lhe dessem sequer crédito, no filme A Falecida, baseada em peça de Nelson Rodrigues. Dentre os longas, podem ser destacados, além de Dona Flor e Bye Bye Brasil, Os Inconfidentes (1971), Xica da Silva (1976), Jango (1984), Dias Melhores Virão (1.989),
Pequeno Dicionário Amoroso (1.996), Guerra de Canudos (1.997), O Homem do Ano (2.003) e Casa da Mãe Joana (2.008) e Casa da Mãe Joana 2 (2.013);

P.S. (2) As imagens da coluna de hoje são: 1) de Dona Flor e Seus Dois Maridos (1.976) emprestada de veja.abril.com.br,  2) de  Bye Bye Brasil (1.979), de www.yotube.com; 3) de Giovanni Improtta, emprestada de joaoevocespaceblog.com.br.


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