Boa noite amigos,
Há alguns meses, visitando um dos sebos do centro da cidade, me deparei
com uma cartilha: Caminho Suave. Ao contrário das obras de
segunda mão, a tal cartilha estava ali sendo oferecida à venda, em primeira
mão. Havia muitos exemplares e a edição era de 2.011, com a observação de que
era renovada, ampliada e atualizada com o Novo Acordo Ortográfico da Língua
Portuguesa. Indaguei do atendente a
respeito de se tratar eventualmente da
consagrada cartilha adotada para
alfabetização durante mais de 50 anos, mas já proscrita do ensino público, pelo MEC, em razão de suposta superação do método adotado por sua
autora, a professora primária Branca Alves de Lima (1911-2001).
A resposta positiva me encheu de emoção. Transportei-me para o ano de 1.958,
quando eu, aos 6 anos de idade, fui admitido no 1º ano do chamado “grupo
escolar”, hoje correspondente à 1ª. série do ensino fundamental. Morava em Pirambóia,
minha pequenina terra natal situada ao pé da serra de Botucatu. A única
escola existente era pública e de características rurais, ou seja, havia apenas
uma sala com três fileiras de carteiras acomodando os poucos alunos. Cada uma
das fileiras correspondia a uma série (eram apenas os três primeiros anos do
grupo escolar que eram oferecidos e depois disso só saindo da cidade acaso se
pretendesse continuar os estudos) e a dedicada professora tinha que dar conta
do recado, ou seja, dar aulas, ao mesmo tempo, para alunos das três séries,
cumprindo programas diferentes. Enquanto passava lição para uns, explicava o
ponto para outros e haja acrobacia, paciência e disposição. Minha irmã cursava
já o 3º ano e a professora pedia que ela abrisse um armário que ficava nos
fundos da sala de aula e de lá retirasse o cartaz correspondente ao ponto que
ela daria ao pessoal do primeiro ano. Isso religiosamente todos os dias
letivos. Seguíamos rigorosamente o
método e o esquema da cartilha Caminho Suave, que preconizava a chamada
alfabetização pela imagem (“a” a partir de abelha, “b” de barriga, “c” de
cachorro, e assim por diante). A professora
afixava num pedestal de madeira, um cartaz colorido e ampliado com o
mesmo desenho do livro: Uma beleza. Minha irmã, então, sabendo de minha
curiosidade pelos desenhos, não só apanhava no armário o desenho do dia, como
às vezes me mostrava, de lá mesmo, os próximos cartazes com as figuras do
livro, agigantadas, para meu delírio. No ano seguinte mudamos para Campinas
e fui estudar num colégio estadual próximo
de minha casa, num outro esquema, agora de cidade grande. O tempo passou.
Jamais esqueci aquela escola, os meus colegas, os recreios que a gente
apreciava no pátio, isso quando não passava a boiada ( circunstância comum que
nos obrigava a correr para dentro da sala de aula, fechando a porta (pra mor
das vacas não entrá e cagá lá dentro). Nem daquela professorinha
dedicada, que vinha de fora e morava na Pensão da Lucrécia (única,
aliás), e que às vezes tomava chá da
tarde na minha casa. E principalmente jamais esqueci a minha cartilha de
alfabetização pela imagem: a minha querida Caminho Suave, de “p”
de pato, “r” de rato, “s” de sapo, “v” de vaca e outros bichos ilustrados. Bem,
comprei o exemplar, com prazer e nostalgia. E o folheando em casa, com calma,
tive uma ideia. Vou dá-lo de presente ao Rafael, meu neto de um ano e oito
meses como uma relíquia e, convenhamos, um instrumento de auxílio no seu
processo de alfabetização. Isso se não for impedido ou desaconselhado de
fazê-lo pela ditadura dos moços ou a arrogância de algum pedagogo metido à
besta.
Até amanhã amigos.
P.S. (1) A obra didática
referida, uma cartilha, teve a sua primeira edição no ano de
1.948 e até meados da década de 1.990 foi referência em alfabetização. Nesse
intervalo de quase 50 anos, foram vendidos 40 milhões de exemplares, um
fenômeno editorial. Mesmo fora do catálogo do Ministério da educação
desde 1.995, a cartilha vende cerca de 10 mil exemplares por ano;
P.S. (2) Em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, a autora Branca
Alves de Lima (falecida em 2.001), relatou que foi observando a dificuldade
de seus alunos, a maioria vindo da zona
rural, que ela criou o método batizado de alfabetização por imagem, unindo o
chamado método analítico, ao sintético, o que facilitaria o aprendizado;
P.S. (3) A cartilha vem
acompanhada de instrumentos ou ferramentas de apoio, como carimbos e os
cartazes. aos quais me referi no texto acima;
P.S. (4) Caminho Suave e Cartilha
Sodré (de Benedita Stahl Sodré), são os únicos métodos considerados
pelos especialistas em pedagogia como realmente brasileiros. O método da Caminho Suave começa pelo estudo das vogais, forma encontros
vocálicos e depois parte para a silabação;
P.S. (5) A imagem da coluna é da
capa da cartilha reeditada em 2.011 e foi emprestada de www.livrariacultura.com.br;
informações constantes da postagem de hoje foram complementadas com consulta ao
site www.wikipédia.com.br
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