sábado, 12 de fevereiro de 2011

CONTOS - A INTERDIÇÃO DO TURCO




Bom dia amigos,

Transcrevo hoje um dos "causos" que está no meu livro "Causas & Causos n. I", publicado pela Millenium Editora.



"A INTERDIÇÃO DO TURCO

“Se eles são famosos, sou Napoleão. Mais louco é quem me diz. Que não é feliz, não é feliz”.
(Arnaldo Batista/Rita Lee).


Salim, um turco de meia-idade, tendo constatado que seu papai Nagib fora acometido de sério processo de esclerose, acompanhado de surtos eventuais de amnésia, procura o então jovem, mas já talentoso advogado Álvaro Cury e por este é aconselhado a promover  pedido judicial de interdição do genitor ancião, visto que este não podia mais reger convenientemente sua pessoa, nem administrar o seu patrimônio.

Ação ajuizada, vêm os autos do processo à mesa do Meritíssimo Juiz da época, o saudoso Acácio Rebouças.

Homem sério e de poucas palavras, porém extremamente educado, o Dr. Acácio manda processar o feito, designando, como lhe determinava a lei do processo, data para o interrogatório pessoal do interditando.

Marcada a audiência, o advogado comunica o juiz sobre a impossibilidade de comparecimento do interditando ao fórum, dadas as suas condições atuais e precárias de saúde, a desfavorecer transporte e deambulação.

O Magistrado, prontamente, assevera que não via qualquer problema em tomar o tal depoimento na própria casa do interditando. Fa-lo-ía, esclareceu, na companhia do escrevente e em condução do próprio Estado.

Determinou, todavia, que a família e o próprio interditando fossem preparados para recebê-lo no dia e hora já designados.

Na data aprazada, eis que ao local comparece o Dr. Acácio, mais o escrevente, carregando a sua máquina de escrever portátil (era o ano de 1960 e estávamos longe, ao menos no Brasil, de se sonhar com o computador).

Presentes o Dr. Procurador e o requerente Salim, providencia-se a locomoção de seu Nagib, em cadeira de rodas, para a sala onde o ato deveria ser realizado.

O Dr. Acácio, quase que monossilabicamente esclarece que tomará de imediato o depoimento do interditando e a ele se dirige, fazendo-lhe a primeira e costumeira pergunta:

_ Como é que o senhor se chama?

O turco, com evidente problema de audição, sem entender a indagação, coloca a mão esquerda em forma de concha ao lado da orelha e berra:

_ O quê?

O Juiz, sem aumentar o tom, novamente indaga:

_ Como é o seu nome, qual é a sua graça?

Em vão. Seu Nagib não consegue ouvir coisa alguma e novamente, agora em altos  brados,  repete:

_ O quê? O quê?

Terceira tentativa:

_ Meu senhor, eu desejo saber como é que o senhor se chama, o nome, a sua graça.

Nada!

Não conseguindo aumentar o tom da voz, o Juiz vira-se para Salim, filho de Nagib e requerente da medida, solicitando a sua ajuda para o ato:

_ Senhor Salim, me auxilie:  por favor pergunte a ele o nome, repita a pergunta.

Salim, prontamente, atendeu.

Mas, conhecendo o pai e a sua dificuldade auditiva, dentre outros males, foi logo gritando:

_ Papai, como é que você se chama?

O turco, entre surpreso, atônito e indignado, vira-se a Salim e dispara:

_ Ô filho da puta, já esqueceu meu nome?"


Até amanhã, amigos.

P.S. - A caricatura da coluna de hoje foi emprestada de natrihadocastelo.blogspot.com.






Nenhum comentário:

Postar um comentário