Boa noite amigos. Hoje estou reproduzindo para vocês um dos "causos" contados no livro "Causas & Causos" n. I. Aconteceu comigo e foi verdade, como se costuma dizer. Segue o próprio:
“Há pessoas elegantes e pessoas enfeitadas” (Machado de Assis).
"Audiência de instrução e julgamento na Segunda Vara Cível da Comarca de Campinas.
Em parte a fama de mau-humorado se justificava, na medida em que passava ele, embora moço, por alguns problemas desagradáveis de saúde, dentre os quais, o de uma labirintite que o deixava, às vezes, um pouco surdo.
Era ano de 1968 e eu tinha sido contratado, nos meus quatorze anos de idade, para ser o datilógrafo de sala de audiências, em substituição a um escrevente muito mais velho, cuja presença no Cartório era exigida pelo escrivão.
A substituição desagradara, e em muito, o juiz, porque já se acostumara ao funcionário anterior, além de me achar extremamente jovem para responder pelas funções. De quebra, não se dispunha, porque lhe faltava paciência, a ensinar mais alguém, a arte do ofício.
Por isso ele não falava comigo e eu pouco ou nada falava com ele.
Anos depois me confessou, porque ficamos amigos, que era proposital não responder a qualquer das minhas dúvidas ou indagações, por achar que assim eu desistiria logo do cargo e o escrevente anterior retornaria fatalmente.
- Excelência, a autora está presente, mas está de calças compridas.
Na época havia acendrado rigor na exigência de trajes convencionalmente adequados para o fórum e, especialmente, para participação no ato solene de audiência.
- Por mim não vejo problema, respondeu o juiz, para espanto do meirinho, pois todos nós sabíamos que ele não admitia a presença de mulher senão de saia ou vestido.
Em seguida, o Dr. Manuel Carlos vira-se ao advogado da autora e pergunta:
- Há algum problema para o senhor?
Sem esboçar reação e de bate-pronto respondi:
- Já!
Autorizada a entrada da autora, quando ela irrompe sala adentro, o Dr. Manuel, ainda muito sério, pede ao Oficial que a retire do local.
Ato contínuo, dirige-se aos advogados presentes:
- Doutores, eu vou adiar a audiência.
O causídico deu com a cabeça no sentido positivo e pediu desculpas.
Assinado o termo de adiamento, todos se retiraram, permanecendo na sala apenas eu e o Dr. Manuel Carlos.
Foi então que o Magistrado, sorrindo, o que constituía coisa rara, dirigiu-se a mim (outra coisa, na época, excepcional) e lascou:
- Sabe Jamil, eu entendi que a mulher estava com tosse comprida."
Boa noite.
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