terça-feira, 29 de novembro de 2011

CAUSAS & CAUSOS N. I - TOSSE COMPRIDA

Boa noite amigos. Hoje estou reproduzindo para vocês um dos "causos" contados no livro "Causas & Causos" n. I. Aconteceu comigo e foi verdade, como se costuma dizer. Segue o próprio:

                       Há pessoas elegantes e pessoas enfeitadas” (Machado de Assis).

"Audiência de instrução e julgamento na Segunda Vara Cível da Comarca de Campinas.
                                                                                         O juiz titular era o Doutor Manuel Carlos Figueiredo Ferraz Filho, de tradicional família paulista, cujo pai tinha sido desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
 Grande jurista, como eu descobriria depois e pessoa de extraordinária sensibilidade, embora extremamente calado e hermético, sugeria às pessoas que  dele não gozavam de proximidade, um certo mau-humor e prepotência.
Em parte a fama de mau-humorado se justificava, na medida em que passava ele, embora moço, por alguns problemas desagradáveis de saúde, dentre os quais, o de uma labirintite que o deixava, às vezes, um pouco surdo.
Era ano de 1968 e eu tinha sido contratado, nos meus quatorze anos de idade, para ser o datilógrafo de sala de audiências, em substituição a um escrevente muito mais velho, cuja presença no Cartório era exigida pelo escrivão. 
A substituição desagradara, e em muito,  o juiz, porque já se acostumara ao funcionário anterior, além de me achar extremamente jovem para responder pelas funções. De quebra,  não se dispunha, porque lhe faltava paciência, a ensinar mais alguém, a arte do ofício.
Por isso ele não falava comigo e eu pouco ou nada falava com ele. 
Anos depois me confessou, porque ficamos amigos, que era proposital não responder a qualquer das minhas dúvidas ou indagações, por achar que assim eu desistiria logo do cargo e o escrevente anterior retornaria fatalmente.
 Nenhuma das duas coisas aconteceram.
 Mas, voltando a tal audiência, o oficial de justiça de plantão, tendo apregoado as partes, adentra a sala e se dirige ao Dr. Manuel Carlos, falando baixinho, quase em sussurro:
 - Excelência, a autora está presente, mas está de calças compridas.
Na época havia acendrado rigor na exigência de trajes convencionalmente adequados para o fórum e, especialmente, para participação no ato solene de audiência.
- Por mim não vejo problema, respondeu o juiz, para espanto do meirinho, pois todos nós sabíamos que ele não admitia a presença de mulher senão de saia ou vestido.
Em seguida, o Dr. Manuel Carlos vira-se ao advogado da autora e pergunta:
- Há algum problema para o senhor?
 A resposta é negativa.
 A mesma pergunta dirige ao advogado do réu que, igualmente, asseverou não ver qualquer obstáculo na vestimenta com que se apresentava a demandante.
 Finalmente, olhando para mim,  indaga:
 - Você já teve?
 Fiquei atônito e intrigado.  Não entendi a pergunta, mas morria de medo de pedir qualquer explicação.

Sem esboçar reação e de bate-pronto respondi:
- Já!
 E pensei: Seja o que Deus quiser. Tinha lá cabimento perguntar se eu já tive calças compridas. Enfim, era melhor não complicar. 
Autorizada a entrada da autora, quando ela irrompe sala adentro, o Dr. Manuel, ainda muito sério, pede ao Oficial que a retire do local.
Ato contínuo, dirige-se aos advogados presentes:
- Doutores,  eu vou adiar a audiência.
  Em seguida, apenas ao patrono da autora:
 _ Doutor, peça que a sua cliente venha, da próxima vez, em trajes forenses, ou seja, de saia ou de vestido, como   é conveniente ao ambiente.

O causídico deu com a cabeça no sentido positivo e pediu desculpas. 
Assinado o termo de adiamento, todos se retiraram, permanecendo na sala apenas eu e o Dr. Manuel Carlos.
Foi então que o Magistrado, sorrindo, o que constituía coisa rara, dirigiu-se a mim (outra coisa, na época, excepcional) e lascou:
- Sabe Jamil, eu entendi que a mulher estava com tosse comprida."

Boa noite.





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