Boa
noite amigos,
Na
Comarca de Marília o menor Isaías Gilberto Rodrigues Garcia, cujo pai, marceneiro
de profissão, foi atropelado e morto, ajuizou, representado pela mãe solteira e empregada doméstica, e por advogado por esta escolhido, ação de indenização contra o
atropelador, pleiteando: a gratuidade para demandar e uma pensão de um salário mínimo, mais
indenização por dano moral que sofreu. O Magistrado negou o pedido de Justiça
Gratuita, aos argumentos: a) o autor
não ter provado ser menino pobre, e b) não ter ele peticionado por intermédio
de advogado integrante do convênio OAB/PGE. Interposto recurso de agravo de
instrumento, foi ele distribuído ao Desembargador
PALMA BISSON da 36ª. Câmara de
Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, que concedeu liminar e
depois redigiu o Acórdão que deu provimento, por unanimidade, ao recurso. Vale
a pena a leitura do Acórdão, que transcrevo abaixo, quase na íntegra: “Que sorte a sua, menino, depois do azar de
perder o pai e ter sido vitimado por um filho de coração duro – ou sem ele -,
com o indeferimento da gratuidade que você perseguia. Um dedo de sorte apenas,
é verdade, mas de sorte rara, que a loteria do distribuidor, perversa por natureza,
não costuma proporcionar. Fez caber a mim, com efeito, filho de marceneiro como
você, a missão de reavaliar a sua fortuna”.
“Desde esses dias, que você menino desafortunadamente não terá, eu hauri
a certeza de que os marceneiros não são ricos não, de dinheiro ao menos. São os
marceneiros nesta terra até hoje, menino saiba, como aquele José, pai do menino
Deus, que até o julgador singular deveria saber quem é. O seu pai, menino,
desses marceneiros era. Foi atropelado na volta a pé do trabalho, o que, nesses
dias em que qualquer um é motorizado, já é sinal de pobreza bastante. E se
tornava para descansar em casa posta no Conjunto Habitacional Monte Castelo, no
castelo somente em nome habitava, sinal de pobreza exuberante. Claro como a
luz, igualmente, é o fato de que você, menino, no pedir pensão de apenas um
salário mínimo, pede não mais que para comer. Logo, para quem quer e consegue
ver nas aplainadas entrelinhas da sua vida, o que você nela tem de sobra,
menino, é a fome não saciada dos pobres. Por conseguinte um deles é, e não
deixa de sê-lo, saiba mais uma vez, nem por estar contando com defensor
particular. O ser filho de marceneiro me ensinou inclusive a não ver nesse
detalhe um sinal de riqueza do cliente; antes e ao revés a nele divisar um
gesto de pureza do causídico. Tantas, deveras, foram as causas pobres que
patrocinei quando advogava, em troca quase sempre de nada, ou, em certa feita,
como me lembro com a boca cheia d’água, de um prato de alvas balas de coco,
verba honorária em riqueza jamais superada pelo lúdico e inesquecível prazer
que me proporcionou. Ademais, onde está escrito que pobre que se preza deve
procurar somente os advogados dos pobres para defendê-lo? Quiçá no livro grosso
dos preconceitos....”.
O
teor do Venerando Acórdão revela a indisfarçável indignação do Desembargador com
uma decisão desprovida de qualquer razoabilidade, como se viu, e especialmente,
de ausência de sensibilidade. E por outro lado, cheia de poesia, de homenagem
ao pai marceneiro e da honra de ser
filho de um marceneiro. E, finalmente, de ter advogado para pobres, sem vislumbrar
paga, a não ser a satisfação de poder servir
e colocar o seu talento como
auxílio na distribuição da justiça para
hipo-suficientes, num país tão injusto e desigual. Do ponto de vista da
formação humanística que tanto se apregoa para o bacharel e o profissional do
Direito, não há nada mais importante e fundamental do que trabalhar para os
necessitados, seja nos Departamentos dos Centros Acadêmicos, seja nas
Assistências Judiciárias oferecidas por Faculdades de Direito ou nas Defensorias Públicas. Concluo asseverando que “Há Juízes no Tribunal
de Justiça de São Paulo”.
Até
amanhã amigos.
P.S.
(1) O Acórdão referido foi proferido no agravo de instrumento n. 1001412-0/0 da
Comarca de Marília e pode ser conferido, na íntegra, no
site do Tribunal de Justiça de São Paulo; A imagem que ilustra a coluna foi emprestada do site 1ppacaio.com.br
P.S.
(2) Ao conseguir sucesso numa ação de reintegração de posse que movi, nos
primeiros anos de minha advocacia, em
favor de uma velhinha viúva e sem filhos, de quase 90 anos, injustamente desapossada de
seu humilde imóvel, recebi como honorários um cacho de uva Itália, que ela,
com sacrifico, suponho, comprou para me presentear. Jamais me esqueci desse
gesto e de seu reconhecimento. Lembranças de uma advocacia que se fazia para
sustento próprio e da família, mas que tinha espaço, no tempo e no coração, para assistir, jurídica e judiciariamente, pobres
que batiam à nossa porta;
P.S.
(3) “Bem aventurados os que têm fome e sede de Justiça, porque serão fartos”
(Mateus, V; 6);
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