Boa noite amigos,
Bocó
de Mola I
Na minha infância e
mocidade, décadas de 50 e 60, ouvíamos muitas expressões no interiorzão de São Paulo, cujo significado
desconhecíamos por completo. Muitas delas vinham do pessoal do sítio que
gastava fiado, por ano, no armazém do meu pai, lá em Pirambóia, pequena
localidade ao pé da Serra de Botucatu.
Confesso que tempos depois, quando descobri por exemplo que o “calipá” a
que se referiam os adultos era uma plantação de eucaliptos, portanto, um “eucaliptal”,
quase tive um treco. Esta semana, não me lembro porque, me lembrei de outro
verbete muito utilizado naquela época, mesmo em casa, por minha mãe, parentes,
colegas e até pelo pessoal da imprensa.
Trata-se do “bocó de mola”. Bem, a gente tinha uma vaga noção do significado da
palavra, por certo um insulto, sem chegar a ser palavrão. O bocó seria um
tonto, um imbecil, um “stupid personal” como vi agora há pouco num site que
cuida de traduzir palavras do nosso idioma para o inglês. Afinal, ser um “stupid
personal” deve ser mais chique do que ser um “bocó de mola”, assim como “fazer
cocô atrás do eucaliptal” supõe-se mais
elegantemente higiênico do que “cagá
atrás do calipá”, que era pra o que servia o próprio, para a molecada. Não achei a expressão por inteiro nos
dicionários mais conhecidos. O “bocó” sim, no sentido do que a gente
desconfiava. Do Dicionário Brasileiro de Insultos, porém, de autoria de Altair
J. Aranha, lançado pela Editora Ateliê, existe o seguinte registro, verbis: “Bocó
– o que tem um comportamento meio infantil, apatetado. “Bocó de Mola” – um bobo a
quem se dá corda; “nasceu e cresceu bocó”; vai
morrer assim”. Pois bem, agora acabo de me lembrar a razão de me vir a
mente o tal “bocó de mola”. Ouvi pela
rádio as justificativas que um determinado político estava dando a respeito de
certa conduta supostamente criminosa a ele imputada. Coisa mais estapafúrdia,
inverossímil, improvável. Daí me veio a mente, numa espetacular e instantânea
retrospectiva da memória, a tal expressão. Estava sozinho. Por isso nada disse. Mas pensei cá
comigo: Tá achando que eu sou um “bocó
de mola”, é?
Bocó
de Mola II
Quando alguém chamava
alguém de “bocó de mola” o destinatário imediatamente se ofendia. Não raro,
partia para a briga e saía a socos e pontapés contra o agressor... Batia e
apanhava, ou apanhava, ou só batia, mas era questão de honra.
Na outra versão, aquela
ali de cima, o “bocó de mola” era uma forma de indignação quando éramos
atingidos no nosso “brio”, ou reagíamos em nome da nossa sociedade, contra a
lesão praticada ao patrimônio público ou a direito fundamental nosso ou de
terceiro; contra o absurdo, o inaceitável, o abominável.
Hoje não reagimos
contra os nossos agressores e aceitamos
o abominável, o saque, a lesão, como se tudo isso fosse natural, ou não nos
dissesse respeito.
Ganhamos o medo, perdemos
a honra, o brio, a capacidade de indignação.
Somos bocós de mola, sim, em nome exclusivo de nosso egoístico sentido de auto-preservação e de preservação de nosso mundo restrito.
Somos bocós de mola, sim, em nome exclusivo de nosso egoístico sentido de auto-preservação e de preservação de nosso mundo restrito.
Até amanhã amigos,
P.S. (1) A imagem da coluna de hoje foi emprestada
ao blog musicasparacantarbrincando.blogspot.com.;
P.S. (2) A indignação e
a coragem são virtudes irmãs. Delas assim falou Augusto dos Anjos: “A esperança tem duas filhas lindas: a
indignação e a coragem; a indignação nos ensina a não aceitar as coisas como
estão; a coragem a mudá-las.”;
P.S. (3) Indignação também é o nome de uma
poesia de Henrique do Carmo, triste e desalentadora que reza:
“Indignação.
Promessas não cumpridas. Mortes sem
motivo. Indiferença de extrema falta de piedade. Somos mais sujos que o solado
dos sapatos dos ditadores. Nosso cheiro causa ânsia. Nossa fala causa indignação.
Nosso comportamento, causa vergonha.
Tenho nojo dos humanos. Tenho nojo de mim. Por ser um. O ser mais inteligente. É
o ser mais ignorante. É preferível a pureza dos animais.À podridão dos seres
humanos.”;
P.S. (4) “Deus é justo juiz. Deus que sente
indignação todos os dias”, Biblía Sagrada, Salmo 7.11;
P.S. (5) “Observo hoje uma falta de indignação
coletiva. Os valores morais que alicerçaram a sociedade mudaram ou fomos nós
que mudamos ao nos tornarmos indiferentes?” – Esse o questionamento de
Plinio Lopes Junior.
hahahaha
ResponderExcluirO cerne da questão é a origem da expressão que deve ser um boneco com mola para movimento da boca pelo ventríloquo
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