Boa noite amigos,
Hoje transcrevo aqui na coluna um dos meus "causos" que estão no livro "Causas & Causos n. I", da editora Millenium, e que retrata uma situação engraçada vivenciada na minha Turma da Faculdade de Direito, nos idos da década de 70. O fato aconteceu na aula de Direito Penal do saudoso Professor Marino Emilio Falcão Lopes e teve como protagonista o "Brito", um dos nossos colegas mais bem-humorados. Vai lá.
"POSSE SEXUAL MEDIANTE FRAUDE"
“No escurinho do cinema, chupando
drops de anis. Longe de qualquer problema. Perto de um final feliz”
(Rita Lee).
Anos dourados. Pátio dos Leões. Puc Central. Faculdade de Direito.
O Brito, nosso mais bem
humorado colega de turma, era também um atrevido gozador.
O mestre Marino Emílio
Falcão Lopes, recentemente falecido, de grande memória, extraordinário tribuno,
competente professor, Promotor de Justiça, depois Magistrado, poeta e escritor,
nos brindava com mais uma aula de Direito Penal.
Com sua oratória proverbial,
exercida em tonalidade grave e harmoniosa, tecia considerações sobre o capítulo
referente aos crimes contra a liberdade sexual.
Depois de discorrer sobre os
delitos de estupro, atentado violento ao pudor e sedução, pediu nossa atenção
para o que iria dizer.
_ Meus caros alunos, vou
falar agora de um crime, “Posse Sexual Mediante Fraude”, cuja ocorrência é absolutamente improvável,
tanto assim que nos meus mais de trinta anos de Ministério Público, jamais
tomei ciência de algum caso concreto.
Nossa atenção se manteve.
Agora, porém, redobrada.
E prosseguindo:
_Cita a literatura uma
hipótese que é até muito engraçada. Mas é, convenhamos, meramente acadêmica. Cerebrina mesmo.
E ao concluir as assertivas,
abriu um largo e sincero sorriso,
como costumeiramente fazia.
-Vejam só. Cogita-se de uma
situação na qual a mulher casada, certa noite, depois de se recolher aos
seus aposentos, é surpreendida pela
chegada de um homem que ao leito conjugal
se aconchega. Trata-se de um falsário.
_A mulher aguardava para a mesma
noite o provável regresso do marido que viajara a serviço.
_Pois bem, esse falsário,
passando-se pelo marido da virtuosa senhora, com ela logra manter relações carnais. Vejam só, que coisa
surrealista, engraçada.
_A mulher nem percebeu que não se tratava do
marido!!!
E abre outro sorriso mais
largo, no que é acompanhado por grande parte da fanática platéia.
O Brito, no entanto, naquela
escaldante tarde de sábado, resolve provocar o culto professor.
O Doutor Marino não gostava
nem um pouco de ser contrariado. Muito menos por um aluno neófito, metido a
besta e que o fazia por mero escárnio.
Levantando
espalhafatosamente o braço direito, o Brito pede licença para perguntar.
-
Pois não, senhor Brito.
_Professor, sabe eu não acho
assim que o crime seja tão improvável.
A afirmação teve o condão de
imediatamente desfazer o sorriso estampado na face do mestre. Em seu lugar,
surgiram sobrancelhas cerradas e um ar
típico de contrariedade.
_ Como? O que o senhor quer
dizer.
Silêncio tumular entre os
colegas.
O Brito não se fez de
rogado:
_ Veja bem, professor.
Suponha o senhor que um casal de namorados esteja no cinema, assistindo a um
filme francês, desses picantes.
_ Sei.
_ E aí, agarradinhos, ele
toca os seios da moça, beija-a no
pescoço, aproveitando o pouco público presente e o “escurinho” do cinema.
Faço uma pausa para
esclarecer ao leitor, sobretudo aos mais jovens que não viveram a efervescência
dos anos sessenta e a febre do cinema, para dizer que era comum um certo
extravasamento da libido, entre namorados, durante a exibição de filmes, quando
se lograva burlar a vigilância e a inveja do chamado “lanterninha”.
Quem assistiu ao excelente
“Cinema Paradiso” pode constatar esse cenário típico que não era exclusivo do
Brasil.
_ E daí?, prossegue o
professor Marino.
_ E daí, o rapaz resolve ir
ao banheiro.
Todos permaneciam
absolutamente absortos com a estória que se desenrolava, na versão do Brito.
_ Aproveitando a ausência do
rapaz, outro moço, sentado próximo, querendo tirar vantagem da situação, aproxima-se, senta-se ao lado da jovem e passa a tocá-la, fingindo ser seu namorado que, com uma
diarréia repentina, demora no banheiro, além do razoável.
“Marinão, como a gente
respeitosa e carinhosamente o chamávamos, ficou, na linguagem também da época,
“uma onça”.
Não era para menos.
Que estória absurda! Que
sarro!
Mas engolindo a ira, provocou:
_ Olhe, o senhor não pode
estar falando sério. Como é que a moça não vai notar que não se trata do
namorado. Ora bolas, isso é gozação.
_ Mas está escuro, doutor.
_ Está escuro, mas e a luz
do filme, rapaz, o senhor só pode estar brincando, não é mesmo?
O silêncio continuou
tumular, pois todos esperavam o momento em que, sem paciência, o professor
fosse dar um daqueles antológicos esculachos no Brito, até mesmo o expulsando
da sala.
O Professor Marino, no
entanto, agora de forma incisiva, mas absolutamente serena, voltou-se ao Brito
e disse:
_ Senhor Brito. O senhor
pode me responder a uma só pergunta?
_ Sim, senhor, claro.
_ O senhor pode me dizer o
que é que uma ceguinha vai fazer no cinema.
A classe estourou em
gargalhada.
E a estória jamais foi
esquecida naquela saudosa turma de Bacharéis em Direito de 1975."
Até amanhã amigos.
P.S. A caricatura que ilustra a coluna de hoje foi emprestada do site joelson13.wordpress.com.
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