segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

CAUSO - POSSE SEXUAL MEDIANTE FRAUDE


Boa noite amigos,

 

Hoje transcrevo aqui na coluna um dos meus "causos" que estão no livro "Causas & Causos n. I", da editora Millenium, e que retrata uma situação engraçada vivenciada na minha Turma da Faculdade de Direito, nos idos da década de 70. O fato aconteceu na aula de Direito Penal do saudoso Professor Marino Emilio Falcão Lopes e teve como protagonista o "Brito", um dos nossos colegas mais bem-humorados. Vai lá.

 

"POSSE SEXUAL MEDIANTE FRAUDE"

                                                                                 

                                                    “No escurinho do cinema, chupando drops de anis. Longe de qualquer problema. Perto de um final feliz”

                                                   (Rita Lee).


Anos dourados. Pátio dos Leões. Puc Central. Faculdade de Direito.
 
O Brito, nosso mais bem humorado colega de turma, era também um atrevido gozador.
 
O mestre Marino Emílio Falcão Lopes, recentemente falecido, de grande memória, extraordinário tribuno, competente professor, Promotor de Justiça, depois Magistrado, poeta e escritor, nos brindava com mais uma aula de Direito Penal.
 
Com sua oratória proverbial, exercida em tonalidade grave e harmoniosa, tecia considerações sobre o capítulo referente aos crimes contra a liberdade sexual. 
Depois de discorrer sobre os delitos de estupro, atentado violento ao pudor e sedução, pediu nossa atenção para o que iria dizer. 
_ Meus caros alunos, vou falar agora de um crime, “Posse Sexual Mediante Fraude”,  cuja ocorrência é absolutamente improvável, tanto assim que nos meus mais de trinta anos de Ministério Público, jamais tomei ciência de algum caso concreto. 
Nossa atenção se manteve. Agora, porém,  redobrada. 
E prosseguindo:
_Cita a literatura uma hipótese que é até muito engraçada. Mas é, convenhamos,  meramente acadêmica. Cerebrina mesmo.
E ao concluir as  assertivas,   abriu  um largo e sincero sorriso, como costumeiramente fazia.
-Vejam só. Cogita-se de uma situação na qual a mulher casada, certa noite, depois de se recolher aos seus  aposentos, é surpreendida pela chegada de um homem que ao leito conjugal  se aconchega. Trata-se de um falsário.
_A mulher aguardava para a mesma noite o provável regresso do marido que viajara a serviço.
_Pois bem, esse falsário, passando-se pelo marido da virtuosa senhora, com ela logra manter  relações carnais. Vejam só, que coisa surrealista, engraçada.
 _A mulher nem percebeu que não se tratava do marido!!!
E abre outro sorriso mais largo, no que é acompanhado por grande parte da fanática platéia.
O Brito, no entanto, naquela escaldante tarde de sábado, resolve provocar o culto professor.
O Doutor Marino não gostava nem um pouco de ser contrariado. Muito menos por um aluno neófito, metido a besta e que o fazia por mero escárnio.
Levantando espalhafatosamente o braço direito, o Brito pede licença para perguntar.
-         Pois não, senhor Brito.

_Professor, sabe eu não acho assim que o crime seja tão improvável.
                                          
A afirmação teve o condão de imediatamente desfazer o sorriso estampado na face do mestre. Em seu lugar, surgiram sobrancelhas cerradas e um  ar típico de contrariedade.
 
_ Como? O que o senhor quer dizer.
Silêncio tumular entre os colegas.
O Brito não se fez de rogado:
_ Veja bem, professor. Suponha o senhor que um casal de namorados esteja no cinema, assistindo a um filme francês, desses picantes. 
_ Sei.
_ E aí, agarradinhos, ele toca os seios da moça, beija-a  no pescoço, aproveitando o pouco público presente e o “escurinho” do cinema.
 
Faço uma pausa para esclarecer ao leitor, sobretudo aos mais jovens que não viveram a efervescência dos anos sessenta e a febre do cinema, para dizer que era comum um certo extravasamento da libido, entre namorados, durante a exibição de filmes, quando se lograva burlar a vigilância e a inveja do chamado “lanterninha”.

Quem assistiu ao excelente “Cinema Paradiso” pode constatar esse cenário típico que não era exclusivo do Brasil.
_ E daí?, prossegue o professor Marino.

_ E daí, o rapaz resolve ir ao banheiro.
Todos permaneciam absolutamente absortos com a estória que se desenrolava, na versão do Brito.
_ Aproveitando a ausência do rapaz, outro moço, sentado próximo, querendo tirar vantagem da situação,  aproxima-se, senta-se ao lado da jovem  e passa a tocá-la,  fingindo ser seu namorado que, com uma diarréia repentina, demora no banheiro, além do razoável.
“Marinão, como a gente respeitosa e carinhosamente o chamávamos, ficou, na linguagem também da época, “uma onça”.
Não era para menos.
Que estória absurda! Que sarro!
Mas engolindo a  ira, provocou:
_ Olhe, o senhor não pode estar falando sério. Como é que a moça não vai notar que não se trata do namorado. Ora bolas, isso é gozação.
_ Mas está escuro, doutor.
_ Está escuro, mas e a luz do filme, rapaz, o senhor só pode estar brincando, não é mesmo?
 Numa cartada decisiva, porém, o Brito arriscou:
 _ Mas professor, e se a moça fosse  cega.
 Marinão olhou séria e fixamente para o Brito. Fez uma pausa.  
O silêncio continuou tumular, pois todos esperavam o momento em que, sem paciência, o professor fosse dar um daqueles antológicos esculachos no Brito, até mesmo o expulsando da sala.

O Professor Marino, no entanto, agora de forma incisiva, mas absolutamente serena, voltou-se ao Brito e disse:

_ Senhor Brito. O senhor pode me responder a uma só  pergunta?
_ Sim, senhor, claro.
_ O senhor pode me dizer o que é que uma ceguinha vai fazer no cinema.
A classe estourou em gargalhada.

E a estória jamais foi esquecida naquela saudosa turma de Bacharéis em Direito de 1975."
 
 
Até amanhã amigos.
 
 P.S. A caricatura que ilustra a coluna de hoje foi emprestada do site joelson13.wordpress.com.
 

 
 
 
 
 
 
 

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