segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

CRÔNICA - DAR UMA DE MORTO......

 Amigos,


Na sossegada rotina do interior da minha infância ouvi jargões e ditados que carreguei pela vida afora. Essas pequenas frases, adverte Rebeca Fuks,[1]fazem parte da tradição oral da sabedoria popular e sintetizam ideias sobre a convivência em sociedade, trazendo muitas vezes conselhos valiosos a respeito das relações humanas”.  O  “ladrão que rouba ladrão, tem cem anos de perdão” revela uma espécie de tolerância e  justificativa popular à ancestral aceitação da vingança privada  baseada no “olho por olho, dente por dente”, da Lei do Talião.  “Quem não tem competência não se estabelece” é ditado invariavelmente  usado para censurar a petulância de quem sai de um casamento para outro e não consegue  ganhar o suficiente para sustentar ou  pagar pensão para duas mulheres e uns tantos filhos menores.  E por aí se multiplicam: “O olho do dono é que engorda o boi”, lembrando a necessidade do patrão estar à testa do negócio, vigiando como se comportam os empregados perante os fregueses. E é nesse cipoal de clichês (por que não?), que muitas pessoas repetem, ignorando muitas vezes  o seu  real significado, que se insere o conhecido ditado que exalta a  discrição e  a esperteza como estratégias  contra o adversário ou o oponente: “ dou uma de morto para entrar no cu dos vivos”. OK, morto é morto, vivo é vivo. O morto morreu e dele nada se pode esperar. Nenhuma reação, mas também nenhuma imputação pela singela razão de que ele não pode ser agente de ato algum, doloso ou culposo, por ação ou omissão. Mas não é que ultimamente a criatividade dos larápios de plantão, defendendo seus esquemas contra as expertises da segurança que, a todo tempo, o serviço de inteligência do Estado e das instituições visam aprimorar, ameaçam esses ditados, cunhados na longeva observação de tudo que acontece neste planeta desde o tempo dos dinossauros. Ouvi agora há pouco na TV que uma quadrilha está sendo desmantelada pela Polícia Federal, especializada em fazer migrar as multas de trânsito e, bem assim, os pontos perdidos pelo motorista infrator, para outras pessoas. Muito bem. E quem seriam essas pessoas? Acreditem os senhores são pessoas mortas. Não há no país qualquer esquema conjunto que permita o compartilhamento dos óbitos ocorridos no território nacional com os arquivos eletrônicos da segurança pública. Então, pensei cá comigo: O que esses caras tão fazendo é inverter o velho ditado. O larápio não dá uma de morto para entrar no cu dos vivos. Dá uma de vivo (esperto) para entrar no cu dos mortos. Sai fora, diria minha secretária Márcia.  Seria nova modalidade de crime de vilipêndio a cadáver? Gente safada, filho da puta não?

Até mais amigos.

P.S. Na imagem de hoje, caveirinhas de açúcar, uma das guloseimas apreciadas pelos mexicanas na famosa festa do Dia dos Mortos. 

 



[1]     62 Ditados Populares e seus Significados, in < https://www.culturagenial.com/ditados-populares-e-seus-significados/> acesso em 18 de dezembro de 2.020.

sábado, 5 de dezembro de 2020

EU ERA FELIZ E NÃO SABIA 1 - EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS

Boa tarde amigos,



No final da década de 70 fomos surpreendidos com o aparecimento de um novo e terrível vírus, o HIV, potencialmente letal. Na época, assim como agora, e possivelmente assim será no futuro, se a humanidade não se emendar, foi ele vinculado à praga divina contra os ímpios e às práticas homossexuais, ou seja, os carolas e os heterossexuais estariam livres desse mal, que representava a vingança de Deus contra os “veados” e suas “poucas vergonhas”. O tempo mostrou, porém, que o vírus poderia contaminar pessoas de qualquer gênero, em relações homo ou hetero, e se propagaria, nas condições que a ciência indicava, entre ateus e crentes, patrícios e plebeus, homo ou heterossexuais, aumentando-se o risco significativamente, conforme a variação de parceiros, ou seja, o grau de promiscuidade. Remédio não havia, nem expectativa de cura ou longevidade para aqueles que desenvolviam a chamada AIDS. Porém, mantendo os parceiros em relações sexuais monogâmicas ou utilizando a chamada “camisinha”, tanto a masculina e, também a feminina, posteriormente inventada e eventualmente com o uso correto de antirretrovirais,  o risco praticamente era zero. A experiência mostrou que mais expostos a risco não eram os homens ou as mulheres, os heteros ou homos, mas sim os que se frequentemente praticavam a penetração anal, sem proteção, e os que compartilhavam agulhas de seringas para consumo de drogas. Risco também acentuado corriam as pessoas que dependiam de sucessivas transfusões de sangue, como os hemofílicos, descoberta que serviu para um controle mais rigoroso dos doadores e da exigência prévia de exame específico para HIV. De forma natural o coito vaginal oferece menos riscos teóricos de contaminação que o anal, explicavam os especialistas, porquanto a mucosa vaginal é mais espessa e tem lubrificantes naturais que a tornam menos suscetíveis a traumas, por onde o vírus costuma ingressar, enquanto a mucosa do ânus, além de ser mais fina, não conta com tais lubrificantes, sujeitando a mucosa a mais frequentes traumas e feridas, por onde o vírus penetra. Bem, isso todo mundo já sabe hoje. O que quero registrar é o meu mais veemente protesto contra o coronavírus, agente propagador da Covid-19. Naquele tempo, a gente podia restringir os parceiros, usar camisinha e levar uma vida mais ou menos normal. Essa porra do corona, no entanto, não me deixa sair de casa. Estou no grupo de risco, a vacina não chega, tenho de usar máscara que me sufoca e dizem que se eu puser o pé pra fora da porta de casa, uma carrocinha da Prefeitura denominada “Cata veio” me pega e me leva preso. Puta que pariu! Diria a minha amiga Terezona que, esperta, antes de chegar esta merda, se mandou desse mundo. E dizem que lá onde supostamente ela está (e não há qualquer indicação que seja no céu, obviamente), não tem perigo de você pegar a Covid. Sei não! 

Até mais amigos.


P.S. (1) Caros amigos, o respeito ao outro, seja ele de qualquer cor, raça, religião, condições de saúde e econômica, a humildade de se sentir igual a qualquer outro ser humano, na ciência de que essa igualdade humana significa que somos todos potencialmente capazes da prática de toda sorte de atos nobres ou torpes, constituem os segredos para viver a vida com alegria e gratidão, tornando-nos preciosos para a família, os amigos e para aqueles que, cruzando o nosso caminho por qualquer circunstância, se sentirem relevantes e recompensados, em razão do nosso interesse, paciência e compreensão.

sábado, 31 de outubro de 2020

MORREU JAMES BOND - O 007.

 

Boa noite amigos,

O ator Sean Connery encarnando o agente secre
to, James Bond, no primeiro longa da série, que
virou franquia. Foto de Ronald Grant.

 

Aos 90 anos, morreu hoje, nas Bahamas, onde vivia atualmente, o ator irlandês, Sean Connery, que imortalizou, no cinema, o agente secreto mais conhecido, charmoso e competente de todos os tempos, o James Bond, criação do escritor, Ian Fleming.  Acompanhei, desde menino, como apaixonado pela Sétima Arte, a saga de Sir Bond na luta contra o mal, desde “007 e o Satânico Dr. No”, o primeiro da série que se transformou em  franquia. As notícias sobre óbito de grandes artistas ou cientistas não me emocionam mais, nem me causam qualquer abalo ou sentimento de comiseração. Não há nada mais prosáico do que a morte. Desde a maturidade esta é a minha visão desse evento,  tanto que costumo repetir uma frase que ouvi num velho filme de guerra: não se deve lamentar a morte, mas celebrar a vida do morto. Isto se houver o que celebrar, obviamente. De qualquer maneira, quando ouço queixas lamentosas demais, inconformismo quanto a certa situação ou fato, logo me apresso a animar o meu interlocutor, a quem provoco com a lembrança do tempo:  Não se esqueça meu amigo que tudo é apenas uma questão de tempo, incluindo eu e você. Por isso mesmo a expressão antiga "passamento” de Fulano ou Ciclano, seja talvez a mais fiel para se referir ao óbito de alguém. Bem, Sean se notabilizou como grande ator, não só pelo seu 007 em filmes da série, como por personagens fortes em relíquias como o longa, O Nome da Rosa (1986), baseado na obra homônima de Umberto Eco; Os Intocáveis (1987) e Caçada ao Outubro Vermelho (1990).  Estou tentando colacionar cenas que se tornaram emblemáticas e, pois, inesquecíveis, tanto para o cinema, quanto para imortalizar determinados filmes,  artistas ou personagens. Para mim, uma dessas cenas marcantes vem justamente de um dos filmes de 007. Sob o olhar atônito do nosso herói surge do fundo do mar, como uma sereia, a loiraça,  Ursula Andress, no papel de Honey Ryder, e que foi batizada como “Bond-girl”, por quem me apaixonei profundamente nos meus 12 anos de idade e que, para minha tristeza, nunca soube da minha paixão,  nem sequer da minha existência.

A Bond-Girl, Ursula Andress, em cena emble-
mática do  longa "007 - O Satânico Dr. No" 

Ah! Vou pedir aos meus amigos cinéfilos que me contem qual ou quais foram as cenas de filmes, de qualquer tempo e nacionalidade,  marcantes em suas vidas. Depois podemos promover um concurso pelas redes sociais para saber qual seria a mais popular, dentre elas. Que tal?



Abraços e até mais.

E.T: Na década de 60 foi lançada uma pasta de coro igual a que o agente secreto utilizava, cujo modelo foi registrado como 007. Eu tive mais de uma. 

sexta-feira, 23 de outubro de 2020

MAIS UMA LIVE DURANTE A PANDEMIA - PARA OS MÚSICOS DE CAMPINAS - APESAR DOS PESARES

Boa tarde amigos,


No dia 25 de setembro passado aconteceu mais uma live, tão em moda como opção de trabalho e entretenimento nesses tempos de forçado afastamento social. Transmitida  pelo canal próprio da franquia ALMA,  no Youtube  (Alma Live Sessions) e, também, pelo Facebook, APESAR DOS PESARES, título que nasceu como "Apesar de Vocês", passou para "Apesar de Tudo", antes de assumir o nome definitivo, nasceu do desejo de produzir um evento que pudesse arrecadar recursos para músicos de Campinas, cuja fonte de trabalho e renda fosse a arte musical, mostrada ao vivo em bares e restaurantes, e, bem assim, em eventos como aniversários e casamentos e que viram secar toda possibilidade de trabalho e de fonte de renda com o fechamento do comércio e proibição de eventos. Liguei ao Thiago, (Thiago Vasconcelos de Souza), meu querido sobrinho socioafetivo, que vi crescer, um jovem advogado, humorista e compositor de marchas,  amante das artes em geral e que tem contato com o mundo artístico do Rio de Janeiro, de São Paulo e também de Campinas, para criar o "link" indispensável à definição do evento e também aos destinatários das eventuais arrecadações. Daí a indicação de um grupo musical da cidade, o Casa Caiada, comandado pelo Silo (Silo Sotil Filho),  que foi responsável pela produção e direção e do Du (Eduardo Palet Matos), empresário que explora vários tipos de comércio na cidade,  e especificamente dois bares da Franquia "Alma", grande apreciador da arte musical e que sempre prestigiou a classe, contratando e divulgando o trabalho de músicos da cidade. A Live foi dividida em duas partes distintas: Na primeira, gravações antecipadas transmitimos a intenção e a destinação do evento e gravamos uma entrevista com Silo e Du. O Thiago, por solicitação minha, leu uma crônica que escrevi especialmente para a abertura e foram exibidas apresentações já gravadas anteriormente, uma de meu irmão, Antonio Miguel, só com seu inapartável violão e  de 10 bandas da cidade. Na segunda parte, ao vivo e do estúdio, o grupo Casa Caiada e os músicos Daniel Batistone e Osmar Dalbon Filho, durante duas horas, se apresentaram e atenderam às solicitações dos espectadores. Com o meu patrocínio e também da empresa Engetax Elevadores a arrecadação e a verba de patrocínio foram destinadas aos músicos referidos, o que não significou muito, mas que lhes possibilitou algum alívio momentâneo e a oportunidade de um recomeço da atividade da qual estavam todos saudosos.  Abaixo o texto alusivo à crônica que escrevi para a abertura "Apesar dos Pesares" com a qual  decidi, prestar justo tributo ao meu prezado ex-aluno, advogado culto e sensível, grande crítico de arte e política, o Paulinho Menna Barreto, (o "Paulinho" é forma carinhosa de tratamento e que,  de maneira alguma,  faz jus à sua estrutura anatômica, nem à sua estatura como intelectual),  que sempre, com muita delicadeza e atenção,  prestigiou os professores e amigos e que acompanhou o evento com interesse e observações sempre pertinentes.  Foto da postagem de hoje emprestado do Twitter. 

"APESAR DOS PESARES"  À PAULO MENNA BARRETO.

"Se é a  arte que imita a vida, ou a vida que imita a arte,  não sei. E como a história do ovo ou da galinha. 

 Sei que não há vida sem arte, nem arte sem vida.

E que para o artista,  tal como a vida,  sua arte é desafio contínuo,  um mergulhar num turbilhão de emoções e sensações, de olhos fechados, sem se saber, tal como na vida, quando e onde tudo  vai terminar.

Há que inventar, construir, desconstruir, reconstruir, num permanente processo de sobrevivência na renovação, na capacidade de sustentar a respiração ofegante diante do olhar novo sobre o velho, num perene exercício de obstinação e  ressurreição diante do estado comatoso de seu ofício.

E resistir, criando estratégias e disposição para o recomeço, pois assim como na vida,  começo, meio e fim constituem o ciclo inevitável de todos e de tudo que existe neste mundo.

Um novo tempo, diz o poeta, apesar dos perigos, aludindo à constante necessidade de fazer a travessia para seguir em frente, mesmo diante de mares desconhecidos e, por vezes, traidores.

São demais os perigos desta vida, alerta outro poeta.

São demais os perigos da arte também para os artistas.

Ah! esses artistas e  seus mistérios,  seus personagens transgressores da ordem, dos costumes, que nos oferecem amiúde a graça de viajar por um mundo transcendente e colorido, sem os limites impostos pela razão, pelos valores morais contingentes, pelo cotidiano,  pela fragilidade do homem.

Que contam histórias  malucas como eles, a sugerir que tudo é possível, que não há fronteiras entre a realidade e o sonho, a história ou o mito, a natureza e a cultura, a vida e a morte.

Ah! esses poetas, escritores, atores,  cantores, músicos, pintores, metidos em quartos escuros e gabinetes solitários ou desafiando a morte, diante de seu público,  por baixo dos picadeiros, fazendo malabarismo barato nas ruas, diante de semáforos fechados e  espectadores apressados e ansiosos, sem se importar com a decadência e a miséria.

Da bailarina que plana sobre o imenso pé direito do teatro, sustentada pelos fios invisíveis da emoção do público, a sugerir ser possível toda forma de sonhos, como os que alimentam os devaneios da criança inocente e  embalaram o frustrado sonho de  Icaro.

Esses loucos varridos que enfrentam toda sorte de preconceitos e perigos. Negros e brancos, deficientes, especiais, falsos, recorrentes, mas  que abraçam gente, que vivem de gente,que apanham de gente, que sofrem de gente, por gente, que vivem de emoções, de aglomerações. Atrevidos a desafiar o bom senso ou o senso comum que só protege as almas de toda forma de mediocridade.

Essa gente maluca que abusa de instrumentos e da imaginação para criar e explorar  todas as misturas, todos os sons, todas as possibilidades de miscigenação humana ou instrumental, além dos limites da normalidade, da sanidade e até da decência.

Não há arte indigna.

Não há arte menor.

Há gente menor, insensível e sem compreensão para a sua importância na vida humana.

Meus senhores, minhas senhoras, meus amigos e parentes, meus inimigos, meus prezados anônimos, incito-os a  homenagear e prestigiar  essa gente tão extraordinária que tenta fazer arte e cultura num país de tantas carências, para gente, para toda gente, de toda condição, de toda cor, de toda religião, de todo lugar,  apesar de todos os pesares.

Amanhã há de ser outro dia, disfarça um terceiro poeta, para enganar a censura.

E nesse momento difícil por que passa toda a humanidade, eles, a eles, os artistas, rendemos a nossa homenagem e oferecemos solidariedade e ajuda.

Foram eles que primeiro saíram de cena.

E serão os últimos autorizados a voltar a ela, a receber e abraçar o público.

Sem tristeza, pois apesar da  pandemia,

Pandemia não rima com tristeza,

Pandemia rima com alegria,

Não rima com laço,

Que rima com abraço,

Que não rima com mudança,

Que rima com esperança,

Que rima com música, dança.

Com pais, filhos e netos,

Que rimam com afetos.

Eu quero para eles e para nós, quando tudo isso terminar, alegria, abraço, esperança, música e dança, netos e afetos. E viva a arte! Vivam os artistas esses heróis responsáveis pelas nossas mais profundas sensações e nostalgias. E desaparecem de nossas vidas quando a cortina se fecha e eles enfrentam sozinhos todas as mazelas e misérias do ser humano comum,  sem que nós, ingratos, estejamos ali  para lhes oferecer  o ombro e a solidariedade com que fomos contemplados no compartilhamento do exercício de sua arte. 

Boa noite."

Até mais amigos.

Pródigos abraços.

terça-feira, 18 de agosto de 2020

NESSUM DORMA - ÁRIA COM SOM E CHEIRO DE COPA DO MUNDO.

 Boa tarde, amigos.



A última - e para muitos a melhor - ópera do grande compositor italiano, Giácomo Puccini foi Turandot, baseada numa peça de Carlos Gozzi, de 1.762, e adaptação de Friedrich Von Shiller. Trata-se da história de uma princesa chinesa que, forçada pelo pai a contrair matrimônio, mas no intuito de evitá-lo por causa da lembrança de uma tragédia familiar, lança a seus pretendentes um desafio mortal: deverão submeter-se a um jogo em que ela lança três enigmas que cada interessado terá que desvendar. O pretendente que não os solucionar, porém,  estará condenado à morte, enquanto aquele que desvendá-los fica com o direito de desposá-la. O Princípe Calaf se oferece para o jogo como pretendente comum anônimo e consegue o que ela considerava improvável, ou seja,  elucidar os tais enigmas. Agora ela terá que cumprir a promessa. Mas o príncipe lança um novo desafio: se a princesa descobrir sua identidade verdadeira até o dia seguinte, pela manhã,  não só estará livre do compromisso assumido, como terá direito de decidir sobre a vida ou morte do noivo. Desesperada, põe-se a buscar a tal identidade, movimentando, para tanto,  todos os empregados da Corte que ficam proibidos de dormir naquela noite até que a tal identidade seja descoberta. Daí a ária mais famosa da peça, Nessum Dorma (Que ninguém durma), popularizada por Pavarotti e seus convidados em 1.990, quando se apresentou com os cantores líricos espanhóis, José Carreras e Plácido Domingos, na véspera do início da Copa do Mundo de Futebol em 1.990, na Itália. O concerto gravado vendeu mais de dez milhões de cópias, o álbum de música clássica mais vendido no mundo até então. A ária se tornou trilha sonora da Copa e com a grande audiência do evento foi ainda mais  difundida e popularizada. Puccini morreu em 1.924, antes de terminar a ópera,  e essa tarefa coube a Franco Alfano, cuja versão não agradou ao maestro Arturo Toscanini, sob cuja regência a ópera estreou para o público em 1.926, no Scalla de Milão. A partir daí há vários finais escritos para a narrativa.  Puccini afirmava que seria praticamente impossível a um tenor entoar o canto uma oitava acima. Contam que apenas Pavarotti tinha superado esse desafio. Mais recentemente outro tenor conseguiu entoar um “Vinceró” permanecendo durante 23 segundos sem respirar, durante um concerto em homenagem a médicos e trabalhadores da saúde, que atua, na linha de frente de combate ao Coronavírus, na Itália. Veja o resultado no vídeo acima. E abaixo acompanhe com a letra.

 Nessum Dorma.  

/Nessum Dorma!/Nessum dorma! Te pure, oh principessa/Nella tu fredda   stanza/guardi le stelle che tremano/D’amore e di speranza. Ma Il mio mistero é chiuso in me/Il nome mio nessum saprà/No, no,sulla tua bocca ló dirò/quando la luce splenderà/Ed Il mio bacio scioglierà/Il silenzio che ti fa mia/Il nome suo nessun saprà/E noi dovrem, ahimè, morir, morir/Dilegua, oh notte/tramontate, stelle/tramontate, stelle/All’alba vinceró/Vincerà, Vincerò./

 

 

 

sábado, 8 de agosto de 2020

PALMEIRAS CAMPEÃO PAULISTA NO TRISTE ANO DE 2020.


Boa noite amigos,

Antes de ter início a segunda e última partida da decisão do Campeonato Paulista de 2.020, um minuto de silêncio pela triste marca de três milhões de infectados e cem mil mortos pela Covid-19 no Brasil, o segundo país do mundo na estatística de casos e óbitos decorrentes do novo coronavírus. Paralisado desde o mês de março, o Paulistão retornou em julho sem público nos estádios e trazendo como novidade um sem número de protocolos ditados pela Secretaria de Saúde de São Paulo, Estado que até agora continua sendo o recordista disparado de casos e óbitos entre todos os outros. Corinthians e Palmeiras, os finalistas, entraram em campo com campanhas muito diferentes. Enquanto o Verdão manteve, desde o início do certame, regularidade, com a classificação assegurada com antecedência, o Corinthians estava, matematicamente, com as chances de classificação reduzidas a um percentual mínimo. Na sua chave mantinha-se em terceiro lugar, a cinco pontos do Guarani e correndo risco de rebaixamento. No retorno,  porém, venceu os dois jogos faltantes, contra Palmeiras e Oeste, enquanto o Bugre, que vinha de uma vitória de virada sobre o seu maior adversário, a Ponte Preta, pelo placar de 3 a 2, no último jogo do campeonato antes da paralisação e precisava de dois pontos em dois jogos para não ser alcançado, voltou mal e perdeu as duas partidas restantes para Botafogo de Ribeirão e São Paulo, respectivamente. Hoje sairia o campeão: o Corinthians que comemoraria o tetracampeonato paulista (foi campeão em 2.017, 2.018 e 2.019) ou o Palmeiras, após um longo jejum (o último título regional foi conquistado em 2.008). De um lado o Verdão com um dos melhores elencos do Brasil, comandado pelo experiente Vanderlei Luxemburgo; de outro, o Corinthians, com um time de razoável para bom, mas sem banco, sob a batuta do jovem técnico Thiago Nunes, último campeão da Copa do Brasil e que ganhou títulos importantes com o Atlético Paranaense, incluindo o da Sul-americana. O primeiro jogo,  na Arena de Itaquera, foi um jogo sem emoção, um 0 a 0 reflexo de duas equipes mais preocupadas em não perder, do que em sair na frente.  Um jogo feio, fraco tecnicamente e que ficou reduzido ao meio de campo e em que as defesas prevaleceram sobre os ataques. Hoje, no entanto, o que se viu, desde o início, foi um Palmeiras resolvido a decidir o campeonato durante o jogo, para não contar com a  loteria da decisão nos pênaltis, enquanto o adversário, sem sair de seu estilo cauteloso, buscava  contra-atacar com velocidade e eficiência, no esquema tático que consagrou o seu treinador. Nada aconteceu nos primeiros 45 minutos,  em que ambas as equipes tiveram o mesmo tempo de posse de bola (cinquenta por cento cada uma) e sem exigir grandes defesas de seus arqueiros. No segundo tempo o Palmeiras buscou mais o ataque, propondo efetivamente o jogo e, numa bola alçada na área,  Luiz  Adriano, subiu bem, ganhando da defesa e cabeceando fora do alcance de Cássio. Gol palmeirense, muito comemorado. Dali para a frente o esquema se inverteu. O Corinthians, sem outra opção, partiu para o ataque e o Verdão recuou as suas linhas, optando por manter a vantagem, mas sem abandonar o contra-ataque. Com isso criou chances mais efetivas de aumentar a vantagem, do que seu adversário de empatar o jogo. E assim seguiu até o fim do tempo regulamentar. Cinco minutos de prorrogação assinalou o árbitro e exatamente no último minuto do tempo acrescido, na cobrança de falta, o zagueiro Gustavo Gómez, um dos melhores em campo, disputou a bola com Jô e imprudentemente cometeu pênalti, imediatamente assinalado pelo árbitro. O grito de campeão, já na garganta do torcedor palmeirense, foi sufocado pelo gol marcado pelo centroavante corintiano. A saga palmeirense continuaria. Empatado o jogo o árbitro tratou logo de apitar o final da partida. E a decisão por penalidades. A esperança agora estava nos goleiros. De um lado o gigante Cássio, bom e com muita sorte,  quando eventualmente falhava, e de outro um outro goleiro de prestígio, Weverton, que tinha como a maior conquista a medalha de ouro inédita para o Brasil nas Olímpíadas do Rio de Janeiro de 2.016. O Corinthians começou mal, com cobrança de Michel Macedo, em penalidade que o goleiro palmeirense defendeu. Em seguida, o experiente Bruno Henrique, bateu para o Palmeiras e o goleiro Cássio também defendeu. Tudo igual. Segundo pênalti batido por Avelar com sucesso.  Em seguida,  Raphael Veiga converte (1 a 1),   mas Cantillo bateu mal e permite nova defesa do goleiro verde e branco. enquanto Lucas Lima converte (2 a 1 é o placar). Sidcley converte para o Corínthians empatando outra vez (2 a 2). Gustavo Scarpa marca o terceiro (3 a 2), enquanto Jô cobra o último pênalti com sucesso.  Agora tudo igual 3 a 3.  Mas o Palmeiras tinha o quinto pênalti para converter. Ou convertia e conquistava o título ou novo empate se daria com abertura de uma segunda rodada de penalidades alternadas. E quem estava designado para bater o mais importante pênalti do jogo e do campeonato. O menino, quase garoto, Patrick de Paula.  O garoto da base, descoberto numa copa das favelas,  pegou a bola com firmeza. Em sua frente o gigante Cássio fazendo gestos de intimidação. Que responsabilidade!!!  Bola na marca do pênalti. O garoto levanta a cabeça, encara o gigante e não se intimida. Frio, auto-confiante, chuta forte de pé esquerdo, alto, quase no meio do gol,sem chances para o consagrado Cássio.  O Palmeiras voltava a ser campeão doze anos depois com o pênalti desempatador do jovem.  Do menino quase  garoto, que tira a camisa e corre brincando para seus companheiros e comissão técnica, como se tivesse ganho um joguinho qualquer, de futebol de botão. Sem medo de ser feliz. Esse foi o melhor e mais emocionante momento do campeonato paulista neste triste ano de 2.020. Patrick não foi aplaudido no estádio vazio. Mas virou ídolo da torcida do Porco e de elogios gerais em todas as redes sociais. Um momento de glória para o jovem simples e humilde. Um momento de confiança e alegria na tristeza geral da nação, diante de um inimigo poderoso. 

Abraços amigos.

 

 

 


domingo, 2 de agosto de 2020

O CÔNCAVO E O DESCONEXO.

Boa tarde gente boa,


O título de hoje não está equivocado não. O Desconexo foi intencional para juntar uma miscelânea de reflexões, sem vínculo algum ou fio condutor. Um monólogo de um sexagenário em quarentena, em torno de seu umbigo, dando tratos à bola,  atento, porém, aos acontecimentos telúricos, sem propósito algum de arrebatar seguidores ou convencer alguém a alguma comunhão de intenções ou ideias. Propostas talvez de uma pauta de bate-papo informal e sem censura, na mesa de boteco ou do café, com aqueles amigos conservadores ou progressistas, meio lúcidos, meio doidos, mas dos quais a  gente sente saudade, quer abraçar e dividir o pão de queijo, a piada  ou a cerveja:

< Um tal Ugo Foscolo, poeta e escritor italiano que nasceu no século 18 e morreu na segunda década do século 19, disse o seguinte sobre ser Juiz ou a respeito do exercício da Magistratura:  Nunca serei juiz. Neste grande vale onde a espécie humana nasce, vive e morre, se reproduz, se casa, e depois volta a morrer, sem saber como nem porquê, distingo apenas felizardos e desventurados.”   E eu que já fui Juiz, não sei porque, nos últimos tempos, tenho me identificado muito com esse tipo de conceito radical. Por isso, tenho desejado a amigos, alunos, filhos e netos, saúde (que sempre esteve na moda) e em vez de felicidade, sorte, o que os lusitanos preferem chamar de “fado”.

< Outra afirmação acerca do pessoal da toga: “Quem julga pelo que ouve e não pelo que entende é orelha e não juiz.”  - Francisco Quevedo.

 < A volta do futebol com todos os protocolos sanitários rigorosamente observados, mesmo com os estádios vazios, trouxe um sopro de alegria ao  coração de brasileiros e estrangeiros amantes desse esporte. Assistir aos jogos pela TV aberta ou fechada ou por plataformas do chamado streaming (eu implico com essa bosta, para a qual não encontrei correspondente na língua portuguesa que me parecesse apropriado.) é um alento para a angustiante expectativa de retorno à vida normal, pessoal e real ou ao “novo normal”, como  dizem por aí.

< “A mídia de streaming é uma multimídia que é constantemente recebida e apresentada a um usuário final enquanto é entregue por um provedor”  Sacaram? Tá lá na tradução da Wikipédia inglesa! 

< Salve a Paula Fernandes com o seu “juntos e shallow now”!!!! que virou meme na internet, mas  rima melhor do que a tradução literal de  “nós estamos longe do raso agora” para o  “We’re far from the shallow now.”

<  Não são só os jovens brasileiros, de nossas periferias ou favelas, que estão saindo às ruas em busca de encontros, parcerias, música ou alegria, abandonando a recomendação de isolamento social e uso de artifícios de proteção. O fenômeno, como a pandemia, é universal e atinge todas as classes. Seja aqui, na Austrália, na Europa ou nos Estados Unidos muitos jovens se recusam a ver passar o tempo, sem perspectivas de um retorno a uma vida de  normalidade no pulsar de uma juventude que convida para a convivência e a satisfação das necessidades emocionais e sexuais, do corpo e da alma, antes que seja tarde, na pressa de vivência plena, própria igualmente da mocidade. Não me parece que o discurso de solidariedade aos velhos e doentes, mesmo parentes queridos, os convença da justiça de uma abstenção e renúncia total de viver o seu tempo, sobretudo, quando se fala em segunda ou terceira onda de contaminação, com retorno às imposições das restrições e a indefinição quanto ao tempo de aprovação e distribuição de uma vacina que imunize quase oito milhões de seres humanos sobre a face da terra.  Nem mesmo a alegação de que o risco que supostamente eles também correm quanto à possibilidade de contágio e desenvolvimento grave e letal da moléstia como se anda preconizando por ai, médicos e políticos,   encontra eco suficiente para esse convencimento ao recolhimento e solidão.

< Mais uma crise institucional. Desta vez interna envolvendo a instituição do badalado Ministério Público. O Procurador Geral da República, Augusto Aras, que não foi o mais votado pela categoria na lista apresentada ao Presidente da República, Jair Bolsonaro, entrou em rota de colisão com os Sub-Procuradores, que defenderam os colegas envolvidos na Operação Lava Jato. Os rumos da mais famosa das operações de todas na história da república brasileira, para apurar e reprimir a corrupção, e que levou a prestígio internacional o seu mais emblemático representante, o ex-Juiz e ex-Ministro, Sérgio Moro. foi alvo de ataque de Aras, em live com advogados e imprensa, sob a afirmativa  da existência do que qualificou como “lavajatismo”, um movimento político de Procuradores dentro da operação,  cujos rumos,  no seu entender, precisam ser corrigidos.

< Ah, me lembrei que o simplório e direto Jair Bolsonaro declarou publicamente que aquela vaga reservada ao Sérgio Moro no Supremo Tribunal Federal pode ser do Aras. Ele já sabe de cor e salteado quando as vagas, em número de três, vão surgir na cúpula do Judiciário, ainda durante o seu mandato presidencial, e aguarda com muita sede, a oportunidade de preenchê-las com bacharéis, portadores de notável saber jurídico  ou não, que se afinem com a sua linha ideológica.

< O que a curiosidade de pequenos ou grandes homens, anônimos ou ilustres não faz diante de uma telenovela no século passado? Durante a entrevista da atriz Lucélia Santos ao jornalista Pedro Bial, no programa “Conversa com Bial” da Rede Globo, ela reafirmou o  retumbante sucesso da novela global “Escrava Isaura”, protagonizada pela atriz (foto da coluna de hoje) na década de 1.976, no Brasil e que continuou explodindo nos anos 80 e 90 no exterior. Sem nada de extraordinário no roteiro e produção em relação a outros folhetins brasileiros ou estrangeiros de qualidade, a novela foi vendida, traduzida e transmitida para nada menos que 100 países de todas as línguas e sistemas políticos. Considerado o maior fenômeno do gênero no mundo, em todos os tempos, a Isaura, ou seja,  Lucélia viajou pelo mundo, acompanhando dois Presidentes da República do Brasil, Fernando Henrique Cardoso e Luis Ignácio Lula da Silva e foi  recebida, com honras de estado,  por chefes de governo. Tal como aconteceu com Pelé quando foi jogar na Africa e parou uma guerra civil, garante-se que a  Guerra da Bósnia chegou a ser suspensa,  por acordo entre as partes em conflito, para que todos pudessem acompanhar o desfecho da novela.

 <   Teve Presidente da República que, fã da novela, ligava para o seu autor, Gilberto Braga, solicitando informações sobre os capítulos seguintes, o que também teria ocorrido com o cubano Fidel Castro, que usou de sua condição de soberano comunista, para exigir que capítulos do folhetim fossem adiantados, ávido por saber que destino estaria reservado para a oprimida escrava protagonista.   

                                       Amigo Thiagão, já estou recuperado do “piriri” (não era covid-19 não),  e podemos voltar a discutir aquele nosso projeto comum de produção de um programa com artistas de Campinas? E o meu amigo e jornalista favorito, Roberto Godoy, grande papo, já está melhor dos efeitos da tal Síndrome da Vertigem Paroxística Benigna? Espero que sim. Vamos nos falando, senão pessoalmente e com o cafezinho, pelo telefone mesmo. Bom o Desconexo está aí. O côncavo? Não, foi só para rimar e lembrar a música do Rei, Roberto Carlos.

Abraço a todos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


domingo, 12 de julho de 2020

CONTO - SAUDADES DA INFÂNCIA. DO JATOBÁ NÃO.



Boa tarde amigos,


Jatobazeira (pé de jatobá)  na área verde de minha casa em
Valinhos, com os frutos despontando neste mês de julho.
Imagem de meu celular.
Quem não tem saudades da infância e sua magia? O poeta Casemiro de Abreu a ela se refere aduzindo que: “são belos os dias, de despontar da existência, respira a alma inocência, como perfumes a flor, o mar é lago sereno, o céu um manto azulado, o mundo um sonho dourado, a vida um hino d’amor.”[1]. Fase encantada da nossa existência os meus seis primeiros anos de vida os passei na minha cidade natal, Pirambóia, hoje Distrito de Anhembi, ao pé da serra de Botucatu, com direito a tudo que havia de concreto  e peculiar ali: apenas o acesso aos três primeiros anos do ensino fundamental, com uma única sala e professora para dar conta de três turmas aglutinadas, cada fileira composta de alunos de uma série do curso, até o 3º. A partir do 4ª. série de “grupo escolar” (nomenclatura dada às quatro primeiras séries do fundamental naquela época), a criança precisava deixar a cidade e se deslocar para outra, maior, que permitisse a continuidade dos estudos. Era o ano de 1.958. Minha irmã mais velha, já cursava o Ginasial em colégio interno de freiras situado na cidade de Laranjal Paulista. Eu cursava a primeira série e a minha outra irmã a 3ª. Tínhamos ainda dois irmãozinhos que não tinham idade para ingressar nos estudos.  Por isso mesmo, o velho Sr. Nagib e sua esposa, Dna. Latifa, no ano seguinte, deliberaram mudar-se para uma cidade em que todos os filhos pudessem receber  instrução até o nível universitário, sem que, para tal tivessem que deixar o lar paterno.  Não éramos seis, éramos sete, o casal e cinco filhos. Foi quando nos mudamos para Campinas, no velho bairro do Taquaral, onde papai conseguiu comprar um bar situado na rua Paula Bueno e alugar uma casa na rua Conselheiro Antonio Prado. Mas, voltando à primeira infância nela vivi anos incríveis, participando ativamente de tudo quanto estava disponível no pequenino torrão natal (e não era muita coisa), cujo estilo de vida era predominantemente rural e onde se podia conviver com galinhas e porcos e tomar leite direto da fornecedora, a generosa vaca, que nada cobrava por isso. Arriscava-se, na moita, a "emprestar," sem que o dono o soubesse, por algum tempinho, um cavalo, a modalidade mais usada no transporte, tanto nos sítios, quanto nas quatro ruas em que se circunscrevia a zona urbana.  Não tínhamos televisão, nem geladeira e muito menos automóvel, artigo de luxo reservado unicamente aos milionários. 
celo Pimentel, Imagem de um jatobá aberto mostrando sua    -
polpa espessa.
Mas tínhamos conforto, pois a casa era grande e se situava nos fundos do estabelecimento comercial de meu pai, um armazém grande com todo tipo de mercadoria (secos, molhados, armarinhos, tecidos, etc.),  espécie de mini mercado que vendia fiado por ano aos fregueses, até que se verificasse a colheita e desde que ela não malograsse. A maioria das casas pertencia a grupos da mesma família, quase todos parentes de meu pai, ou de minha mãe. Eram primos de primeiro e segundo graus, tios, avós, tios-avós etc. Umas das tias de meu pai, tinha uma bela fazenda na região e, de vez em quando, sua única filha mulher, solteirona e carola, nos levava junto para recreio, enquanto ela cuidava dos negócios com o capataz. Numa dessas vezes levou a mim, de cinco anos e meu irmão, Antonio, que tinha três. Além de algum gado e de pequenas culturas, predominava o cultivo de uma planta chamada jatobazeira,  que dava o tal jatobá, uma fruta estranha com uma casca grossa de cor marrom escuro e que, aberta, mostrava uma polpa verde,  que parecia feita de farinha muito espessa. Você colocava aquilo na boca e aquela massa estranha se derretia e engrossava em contato com a saliva. Eta gosto ruim! Nos primeiros tempos a gente tolerava aquilo. Depois meu, era insuportável. Sei que a tal fruta passou a fazer parte da minha memória não só pelo gosto ruim, mas, sobretudo, pelo acontecido em uma das vezes que a tal prima do meu pai resolveu nos levar até a fazenda. Por volta das 14,00 horas, alegando que precisava tratar de negócios com o capataz, ela nos deixou debaixo de uma jatobazeira advertindo-nos que aguardássemos ali o seu regresso. Não discutimos.  Horas se passaram sem que nem sombra dela ou do capataz surgisse. Começamos a ficar com medo. Era inverno e os dias eram mais curtos. Consumimos não sei quantos jatobás enquanto esperávamos para driblar a apreensão e o medo que sentíamos. Será que fomos abandonados? Não sabíamos como sair dali. E agora? Acontecera alguma coisa com a prima? Quando começava a escurecer devagar e nós, abraçados, já esperávamos pelo pior, surge a prima e o capataz, para nosso alívio. Voltamos para casa e nunca mais quisemos visitar a fazenda, menos ainda na companhia dela. Na época nossa ingenuidade acreditava que os negócios de que foram tratar eram demorados e complexos. Hoje suponho que, embrenhados na mata, prima  e capataz foram fazer outra coisa. E nós ali servindo de álibi para ela, hein, safada?  Isso aconteceu a rigorosos 64 anos!!!!!!!! Minha memória, ainda muito boa para as coisas mais antigas (o que é, sabemos, preocupante), é capaz de reproduzir o acontecimento com detalhes. E com o gosto horroroso do jatobá. Hoje, porém, fomos à nossa casa de Valinhos, no Condomínio Chácara Flora. E minha mulher apontando para uma das árvores que temos na faixa obrigatória de área verde observou: - Você sabe que temos um pé de jatobá? E ele está carregado de frutos que ainda estão verdes, suponho. Olhei para cima e identifiquei muitos frutos nos galhos da árvore apontada. Sinistro!!! Puta que pariu! Essa praga tinha que me perseguir? Juro que ainda tenho náuseas ao sentir o gosto da baba que aquela polpa provoca em contato com a saliva, lembrando uma vaca ruminando e babando. E o cheiro?   Juro que  é de merda, tanto assim que, consultando fontes fidedignas, descobri que é conhecida como "fruta chulé".  Às vezes confesso sinceramente  que tenho saudades da aurora da minha vida, como bem dizia o Casemiro de Abreu, ao se referir à infância.  Mas do jatobá meu não tenho nem fodendo!


Até mais amigos.


Extraída do GOOGLE:

P.S. (1) O jatobá-verdadeiro, jatobazeiro ou apenas jatobá, é uma árvore da família das fabáceas. Espécie arbórea dominante na floresta estacional semidecidual  submontana (sacaram?). Seu fruto fica maduro entre os meses de julho a setembro, possui casca dura e em média duas sementes por fruto. No interior, a polpa é um pó verde amarelado com forte odor, que é comestível. A polpa é rica em ferro e é indicada para pessoas que apresentam alto grau de anemia. A casca também é aproveitada para chá;

P.S. (2) Fazendo justiça ao jatobá: o jatobá serve para cicatrizar feridas, tratar asma, blenorragia (popular gonorreia), cistite, cólicas, vermes, doenças respiratórias, feridas na boca ou no estômago, prisão de ventre, coqueluche, desinteria,  má digestão, fraqueza, problema de próstata, tosse e faringe. Que propriedades?;

P.S. (3) Não seria interessante testá-la para tratamento da covid-19 já que ela é boa para vários dos sintomas como tosse, doenças respiratórias etc. e tal?
  













[1] Meus Oito Anos.

segunda-feira, 6 de julho de 2020

UM LINDO DIA NA VIZINHANÇA - SHOW DE EMPATIA EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS


Bom dia amigos,


À esquerda  Tom Hanks no papel de Fred Rogers em Um Lindo dia na Vizinhança. À direita, o próprio Fred.

O longa UM LINDO DIA NA VIZINHANÇA, tradução fiel e literal de seu título em inglês, A BEAUTIFUL DAY IN HE NEIGHBOURHOOD, não foi feito para emocionar em tempos de isolamento e de pandemia, de que não se cogitava quando ele foi  concebido pelos roteiristas Micah Fitzerman-Blue e Noah Harpter e rodado no set de filmagem em 2.019.  Mas sem essa intenção, o filme, que não cuida propriamente de realizar uma cinebiografia do apresentador, Fred Rogers, animador de programa infantil de grande sucesso nos anos 60 nos Estados Unidos, investido em  papel secundário (?), na pele de Tom Hanks   consegue transmitir mensagem de amor, bondade,  humildade, humanidade e respeito nesses tempos de incerteza e desesperança, quando mais se torna visível e acentuado o abismo social entre pobres, ricos e miseráveis num mundo globalizado. Na ficção, Lloyd Vogel (Mattheus Rhys), jornalista investigativo cético, amargo e rancoroso,  com sérios problemas de relacionamento com o velho pai, Jerry (Chris Cooper) e com a mulher, Andrea (Susan Kelech), é escalado pelo jornal em que trabalha para traçar um perfil do apresentador, Fred Rogers (Tom Hanks), pauta essa que ele abomina, mas é obrigado a aceitar. Irritado por não acreditar na bondade do homem e do personagem, começa a reportagem com o firme propósito de desmascarar, tanto um, quanto o outro. À espera de entrevistas, porém, é obrigado a assistir a gravações do programa, tomando conhecimento da dedicação de Fred que, pessoalmente, dá voz a vários bonecos infantis e às canções que conferem ao programa todo o seu conteúdo mágico e lúdico, que encantou durante décadas a  crianças e adultos.  Observa, ainda,  como Fred se relaciona de forma carinhosa, com toda a equipe de produção e a sua atenção para com  os adultos e crianças que o procuram para autógrafos ou apenas para contar alguma história de vida.  Durante as entrevistas Fred manifesta interesse  pela vida pessoal do jornalista, que  se irrita com o que considera uma invasão à sua privacidade e que, por isso, chega a desistir do trabalho. Mas aos poucos, porém, é convencido a continuar e vai refletindo, paulatinamente,  sobre as lições de vida que o apresentador vai lhe transmitindo, com cuidado e sinceridade, como que adivinhando os seus dramas pessoais, que ele teima em não revelar.  O carisma e talento de Tom Hanks, no papel de um também carismático apresentador de programa infantil do século passado nos Estados Unidos, garantem a diferença que o espectador percebe entre esse e outros tantos filmes do gênero. Só para sessão da tarde na Globo em época de férias? Não, não. Meu neto, Rafael, de 8 anos, adorou. E mamãe e papai, de mais de 40 cada um, também. Eu e minha “patroa” com mais de 60 também. São quase duas horas de um “oásis”  regado a pipoca ou a uma taça de vinho durante a quarentena para fugir especialmente das notícias ruins que inundam os programas de jornalismo ou de entretenimento (????) de agora. Experimente!

Até mais amigos.